segunda-feira, 30 de abril de 2012

O capitalismo e as raízes da desigualdade


O movimento “Occupy Wall Street” (OWS) fez da desigualdade na sociedade capitalista uma questão que pôs os ricos na defensiva, pelo menos em público. O aumento da desigualdade nos últimos 30 anos e especialmente na última década tem sido comentado ao longo dos anos em vários meios por analistas económicos e mesmo alguns políticos. Contudo, antes do movimento “Occupy Wall Street” levantar o slogan do 1% contra os 99%, esta condição era completamente pacífica e meramente observada como um inevitável facto da vida, mesmo que indesejável (a menos que se pertencesse ao 1%).
As desigualdades que deram ao OWS o seu grito de guerra são verdadeiramente obscenas e reminiscentes do fosso entre os monarcas da velha ordem e os servos camponeses. 
Por um lado, 50 milhões de pessoas vivem de senhas de refeição, 47 milhões são oficialmente pobres, metade da população é classificada como pobre [i], 30 milhões são desempregados ou subempregados e dezenas de milhar de trabalhadores vivem com baixos salários.
Por outro lado, de 2001 a 2006, os 1% do topo conseguiram 53 cêntimos de cada dólar de riqueza criada. De 1979 a 2006, o décimo superior dos 1% (0,1%, ou seja 300 mil pessoas) conseguiu mais do que os outros 180 milhões de pessoas [ii]. Em 2009, enquanto os trabalhadores estavam ainda a ser dispensados em grande número, os executivos das 38 empresas mais importantes ganhavam um total de 140 mil milhões de dólares.[iii]
Estes números são apenas um reflexo da vasta desigualdade de rendimentos entre por um lado os banqueiros, os corretores e os exploradores das corporações e a massa de pessoas por outro. Tornou-se um escândalo, mas ninguém mexeu uma palha para fazer nada contra isto. Por isso, o movimento “Occupy Wall Street” começou a luta em nome dos 99% contra os 1%. E pegou como fogo.
Como a força motriz fundamental do movimento é a luta contra a obscena desigualdade de rendimentos, os marxistas devem apoiá-lo e participar totalmente na luta. Mas, o marxismo deve também estudar esta questão e dar-lhe uma interpretação de classe.
Podemos começar por perguntar o seguinte: o que significa lutar contra a obscena desigualdade da riqueza?
Significa certamente lutar por impostos para os ricos, usando o dinheiro para ajudar os trabalhadores e os oprimidos a sobreviverem à dureza económica do capitalismo. Ao fim e ao cabo, ser desempregado torna um trabalhador tão desigual quanto é possível sê-lo no capitalismo.
Igualdade dentro da classe operária e desigualdade entre classes
Normalmente, quando pensamos em lutar pela igualdade económica, pensamos na luta de ação afirmativa pelo emprego dos negros, dos latinos, dos asiáticos e dos povos nativos. A luta pela igualdade compreende lutar por salário igual e condições de trabalho iguais às dos brancos.
Implica também lutar por pagar igual por trabalho igual às mulheres trabalhadoras, isto é, terem o mesmo salário dos homens para trabalho comparável. E a luta pela igualdade inclui a luta pela garantia de igualdade económica entre trabalhadores normais e lésbias, gays, bi- ou transsexuais ou travestis.
Pedir a igualdade entre os trabalhadores imigrantes e sem documentos e os trabalhadores nascidos nos EUA, especialmente brancos, é uma componente essencial na construção da solidariedade e do avanço da luta de classe de todos os trabalhadores.
De facto, a luta pela igualdade económica dentro da nossa classe e entre oprimidos e opressores é fundamental para aumentar a solidariedade contra os senhores. Desigualdade e divisão no interior da classe trabalhadora é tanto um problema económico, como um perigoso problema político. Quebra a solidariedade e dá força aos patrões e ao seu governo.
Mas, o problema da desigualdade económica global na sociedade capitalista não é fundamentalmente um problema de desigualdade no interior da nossa classe ou entre a classe média e a classe trabalhadora. O problema fundamental da desigualdade massiva é a desigualdade entre a classe dominante capitalista e todas as outras classes, principalmente a classe trabalhadora multinacional.
A desigualdade entre a classe trabalhadora e a classe capitalista está embutida no sistema e está na raiz da questão. A chamada “excessiva” desigualdade entre a classe dominante e o resto da sociedade está constantemente sob ataque, como deve estar. Mas a desigualdade geral entre a classe dominante e todas as outras classes é tida como natural e raramente questionada.
Desigualdade genética do capitalismo
Esta é devida à maneira como o rendimento é distribuído no sistema do lucro. O rendimento da classe capitalista vem do trabalho não-pago dos trabalhadores sob a forma de lucro ou mais-valia. Tudo o que é criado pelos trabalhadores pertence aos patrões. E tudo o que é criado pelos trabalhadores contém tempo de trabalho não-pago. Os patrões vendem os bens e serviços e obtêm dinheiro pelo tempo de trabalho não-pago dos trabalhadores – é isso o lucro. Guardam parte para si próprios e enriquecem. A outra parte é reinvestida de modo a se tornarem mais ricos no próximo ciclo de produção e venda.
O rendimento dos trabalhadores, pelo outro lado, vem da venda da sua força de trabalho ao patrão, explorador. Os trabalhadores recebem vencimentos ou salários dos patrões. A quantia mantém-se sempre algures dentro da gama do que é necessário para sobreviver. Alguns trabalhadores são pagos um pouco melhor e podem dispor de um certo grau de conforto. Muitos trabalhadores, cada vez mais hoje em dia, conseguem apenas o suficiente para viverem uma vida de austeridade, enquanto outros dificilmente conseguem o suficiente para sobreviverem. Os salários no capitalismo são basicamente o que custa a um trabalhador subsistir e manter a família, de modo que os patrões tenham garantida a próxima geração de trabalhadores para explorarem. 
Os salários dos trabalhadores ficam sempre dentro de uma estreita gama, quando comparados com o rendimento dos patrões. Nenhum trabalhador consegue alguma vez ficar rico contando com o seu salário, mesmo que bem pago. Mas, a classe capitalista como um todo fica automaticamente mais rica, mesmo que alguns capitalistas individualmente saiam dos negócios e sejam engolidos. Os patrões reinvestem continuamente o seu capital e mantêm vivo o processo em curso de exploração de cada vez mais trabalho.
Os patrões deixam a sua riqueza pessoal aos filhos, assim como o seu capital. Os descendentes, em regra, tornam-se cada vez mais ricos de geração para geração, enquanto os trabalhadores deixam aos filhos as suas magras posses de geração para geração. Os trabalhadores têm de lutar para manterem o que têm através dos altos e baixos das crises capitalistas e do desemprego cíclico.
Como alcançar a igualdade social e económica nestas circunstâncias?
Neste contexto, para o movimento OWS e todos os outros que sejam pela igualdade genuína, surge a questão de saber por qual igualdade exatamente estão a lutar. Se o objetivo final é a reforma do código fiscal, ou a redução do financiamento empresarial na política, ou a regulação da classe capitalista predadora e dos banqueiros avarentos, então o objetivo final limita-se a uma luta por uma forma de desigualdade menos obscena.
Trata-se certamente de um objetivo progressista e deve ser sempre prosseguido como meio de aliviar os trabalhadores e a massa do povo em geral. Mas, seja qual for a maneira de o fazer, se se limita a luta contra a desigualdade a mantê-la no quadro do capitalismo, isso significa lutar por menos desigualdade, mas também por mantê-la e consenti-la. O sistema de exploração de classe gera a extrema desigualdade entre classes.
Distribuição da riqueza e capitalismo
O facto é que a desigualdade na distribuição é um resultado do sistema de produção pelo lucro. Ora, conforme os marxistas mostram, as relações de distribuição decorrem das relações de produção. O que determina a distribuição da riqueza social é a propriedade privada dos meios de produção e serviços. Nenhuma redistribuição da riqueza no capitalismo, quer através de despesa estatal, quer de acordos com sindicatos ou qualquer outro método, consegue ultrapassar a desigualdade de classe que resulta do direito dos capitalistas a possuírem não só os meios de produção, como todos os produtos da produção.
Neste sentido, é útil uma análise escrita por Karl Marx em 1847. Marx tentava desmontar o argumento de que o trabalho e o capital têm um interesse comum no crescimento do capitalismo. O ensaio “Trabalho assalariado e capital” foi escrito com base em lições a trabalhadores alemães com consciência de classe que primeiro conseguiram organizar-se. Escreveu Marx: 
“Vimos portanto que mesmo a situação mais favorável para a classe operária, designadamente o mais rápido crescimento do capital, por muito que melhore a vida material do trabalhador não elimina o antagonismo entre os seus interesses e os do capitalista. Lucro e salário continuam como antes em proporção inversa. 
“Se o capital cresce rapidamente, os salários podem crescer, mas o lucro do capital cresce desproporcionadamente mais depressa. A posição material do trabalhador melhorou, mas à custa da sua posição social. O abismo social que o separa do capitalista alargou-se.
“Finalmente dizer que ‘a condição mais favorável para o salário-trabalho é o crescimento mais rápido do capital produtivo’ é o mesmo que dizer: quanto mais depressa a classe trabalhadora multiplicar e aumentar o poder do seu inimigo e a riqueza de quem reina sobre a sua classe, mais favoráveis serão as condições sob as quais será permitido lidar com a multiplicação da riqueza burguesa e com o aumento de poder do capital, contentando-se assim com forjar para si as cadeias douradas pelas quais a burguesia a arrasta no seu caminho.” (Marxist Internet Archive).
Muito do ensaio de Marx é dedicado a mostrar que, independentemente das condições relativas de que os trabalhadores dispõem no sistema de exploração capitalista, quer sejam mais bem ou menos bem pagos e mesmo quando estão em boa posição negocial porque o patrão precisa deles para continuar a aumentar a produção, os trabalhadores perdem constantemente terreno em relação aos capitalistas, cuja riqueza aumenta imensamente. Por isso, está inscrito no próprio sistema de exploração o aumento sistemático da desigualdade entre as classes. Além disso, a classe trabalhadora está na melhor das hipóteses limitada para sempre a tentar “forjar as cadeias douradas pelas quais a burguesia a arrasta no seu caminho.”
Marx então continua, mostrando que a chamada prosperidade dos trabalhadores é uma mentira, porque os patrões utilizam todos os meios para baixarem os ordenados, mesmo nos chamados “bons tempos”
O capitalismo na era da revolução técnico-científica e da globalização imperialista expandiu-se e evoluiu por saltos e descontinuidades desde os tempos de Marx. As classes trabalhadoras dos países imperialistas estão num caminho descendente, com os salários a baixar. Estão a perder terreno não só em termos relativos, mas também absolutos.
Os trabalhadores já não progridem nem lentamente no seu modo de vida, enquanto os capitalistas continuam em frente. Os salários estão a baixar. As condições estão a piorar. Os patrões arquitetaram uma competição salarial mundial entre os trabalhadores nos centros do capitalismo e as centenas de milhões de trabalhadores dos países de baixos salários. Os patrões usaram a deslocalização associada à tecnologia e à exploração dos trabalhadores imigrantes para promoverem esta competição. O exército global de reserva de desempregados e subempregados aumentou para centenas de milhões. Os trabalhadores estão sob pressão em todos os continentes. 
Nos EUA, os salários têm descido desde os anos setenta (Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream” – “Desigualdade, a Classe Média e o Fim do Sonho Americano”). A grande desigualdade que vemos hoje resulta do declínio absoluto dos salários. A parte de leão da nova riqueza vai para os financeiros e os donos das corporações em quantidades crescentes de mais-valia (trabalho não-pago) sob a forma de dinheiro.
É urgente procurar inverter o declínio absoluto das condições do proletariado e dos oprimidos. A luta contra o aumento obsceno da desigualdade tem que continuar e crescer.
A riqueza das empresas cria riqueza pessoal extrema
É importante notar que a obscena desigualdade no rendimento pessoal não é nada comparada com a riqueza das empresas, controlada não pelos 1% mas pela pequena fração deles que se sentam nos gabinetes de diretor dos bancos e das gigantescas corporações transnacionais. Foi a isto que Lenine chamou capital financeiro – o pequeno grupo de grandes empresas que controlam biliões de riqueza empresarial e a maior parte da produção da riqueza mundial.
Um estudo recente mostra que 147 corporações dominam 40% da riqueza empresarial mundial” (“Financial world dominated by a few deep pockets,” “O mundo financeiro dominado por alguns bolsos cheios,” ScienceNews, 24 Set., 2011). A propriedade privada e o controle de uma vasta riqueza financeira e empresarial pelo topo da classe dominante são o que está por detrás da imensa riqueza pessoal concedida aos administradores da lista dos 500 da Fortune e aos ricaços mundiais (grandes administradores e grandes acionistas do capital e da finança).
A questão é então: vamos parar a luta para a redução da desigualdade no capitalismo, vamos lutar para ajudar a forjar as “cadeias douradas” com as quais o capital arrasta o trabalho, ou vamos levar a luta contra a desigualdade até às últimas consequências e lutar para quebrar as cadeias da dominação de classe de uma vez? A desigualdade entre classes só pode ser abolida libertando-nos da classe capitalista de uma vez e do sistema de exploração sobre o qual toda a obscena riqueza está erigida.
[i] “Census data: Half of U.S. poor or low income,” [“Dados do censo: metade dos americanos são pobres ou de baixo rendimento”] Associated Press, Dez. 15.
[ii] Jacob S. Hacker e Paul Pierson, “Winner-Take-All Politics” [“A política do quem-ganha-apanha-tudo”] (New York: Simon & Schuster, Kindle Edition, 2010), p. 3.
[iii] Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream,” [“Desigualdade, a Classe Média e o Fim do Sonho Americano”] Economy in Crisis online, Fev. 12, 2011.
Próxima 2ª Parte: Como a natureza da distribuição da riqueza decorre do modo de produção e Controle da riqueza empresarial: a fonte de riqueza pessoal extrema.
Extraído do anexo do próximo livro “Capitalism at a Dead End” [“O Capitalismo num Beco sem Saída”] de Fred Goldstein. Goldstein é também autor de “Low-Wage Capitalism” [“Capitalismo dos Pobres”]

domingo, 29 de abril de 2012

Belo Monte: revolta, incerteza e dor

 
bm12Brasil - Blog Greenpeace - Falar sobre Belo Monte desencadeia revolta. Falar sobre Belo Monte provoca incerteza. Falar sobre Belo Monte gera dor. Em um determinado momento, torna-se impossível falar sobre Belo Monte sem verter lágrimas. Com a voz embargada, Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, é a personalização desse momento delicado em que vive a região de Altamira, situada no Pará, aonde está sendo erguida a terceira maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, atrás apenas da chinesa Três Gargantas, e Itaipu, que fica na divisa do Brasil e Paraguai.

Além de ser um dos expoentes desta luta que se arrasta por mais de 20 anos, a vida de Antonia será  diretamente afetada pela obra: ela faz parte da triste estimativa de que 30 mil a 40 mil pessoas terão de deixar seus lares porque serão alagados quando as barragens estiverem em pé.
Por mais de duas horas tivemos o privilégio de conversar com Antonia e Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Estas duas proeminentes lideranças transformaram os protestos contra Belo Monte sua razão de vida, ou mais precisamente, de sobrevivência.
Ver lá do alto a magnitude dos três canteiros de obras de Belo Monte deixa evidente o rastro de destruição que ela já está provocando. Árvores e mais árvores no chão ou jogadas no rio Xingu, madeireiras espalhadas pela obra, enormes quantidades de terra sendo removidas, um canal sendo construído, o primeiro barramento, o frenesi de inúmeros caminhões, escavadeiras, tratores.
A floresta chora. Com ela também chora seu povo, isolado, sozinho, ignorado. E Antonia enfatiza: "Estas pessoas, ao longo de todo este tempo, não receberam um benefício sequer, não tiveram um direito garantido. É o total abandono."
O silêncio do governo Dilma Rousseff é contundente. Tem se omitido por não ter realizado as oitivas indígenas nas aldeias impactadas e ignora as críticas que tem sofrido de organismos internacionais. Brasília já foi interpelada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho); pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que faz parte da OEA (Organização dos Estados Americanos), e também pelo MPF (Ministério Público Federal).
O CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte) e os burocratas do setor elétrico da capital federal adotam uma postura típica da época nos anos de chumbo da ditadura militar, na avaliação de Dom Erwin e Antonia. Ou seja, não há diálogo com os movimentos sociais e com os atingidos.  "O que há é um monólogo. Os indígenas estão sendo esquecidos neste processo, assim como os ribeirinhos, os quilombolas, os extrativistas, os moradores das cidades do entorno˜, critica o bispo.
E o presidente do Cimi vai mais longe: a estratégia dos responsáveis pela construção da usina é deixar de informar o povo, criar uma certa expectativa de que as coisas serão feitas. Com isso, o objetivo é cortar a resistência. Matar pelo cansaço. Tal expediente tem dado resultado. O próprio Dom Erwin se viu obrigado a afastar-se de algumas pessoas pois foram cooptadas. Acabaram mudando de lado. Quase toda casa de Altamira tem alguém direta ou indiretamente ligado à construção de Belo Monte.
Delicada também é a situação das condicionantes ambientais e sociais que deveriam estar sendo cumpridas pelo construtor. Chegam a ser mais de 100, entre as licenças prévia, provisória e de instalação. De acordo com Antonia, "até o momento, nenhuma condicionante saiu do papel para o povo. O que tem saído são convênios entre prefeituras, como se fosse uma moeda de troca. Mas para o povo, nada."
Enquanto a obra vai sendo erguida rapidamente, os impactos sociais já estão sendo sentidos. Prevê-se que em três anos a população passará dos atuais 109 mil habitantes para 200 mil. Altamira vive o boom da construção civil, e assim, a extração de areia no Xingu não para. Está difícil encontrar pedreiros.bm13
Tal migração tem inflacionado os preços dos imóveis e até da comida. Está muito caro comer e morar em Altamira. A população sofre com a falta de hospitais e escolas. Saneamento básico é artigo de luxo e doenças como diarreias e verminoses se alastram.
O discurso dominante que foi montado para justificar Belo Monte é de que ela levaria desenvolvimento regional, que a Transamazônica seria asfaltada, que finalmente Altamira teria uma infraestrutura à altura das necessidades de seus habitantes. "Onde está esse desenvolvimento que eu não vejo?", questiona Dom Erwin. "Na minha concepção, desenvolvimento é colocar o ser humano no centro da questão. E isto não está acontecendo aqui", observa.
Paulatinamente, os conflitos vão se acirrando. Dom Erwin saia da Prelazia apenas com seus guarda-costas. Antonia, o jornalista Ruy Sposati – que tem sido ameaçado e perseguido – e mais outras duas pessoas do Movimento Xingu Vivo para Sempre estão proibidas de se aproximarem dos canteiros.
A ação de interdito proibitório concedida pela justiça do Pará ao CCBM estabelece que os quatro estão sujeitos a receber uma multa de 100 mil reais caso causem "qualquer moléstia à posse." Esta reação aconteceu após uma greve de 7 mil funcionários da usina no fim de março. Na acusação dos advogados de Belo Monte, eles incitaram a paralisação.
Entretanto, o estado se faz presente somente por meio do emprego da força e da repressão. Os idealizadores da usina exigem que a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar garantam a proteção das obras e dos funcionários. "Nosso direito de ir e vir está sendo violado", resume Dom Erwin.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/

Saiba o que está em jogo na votação do Código Florestal

Amazônia brasileira (Arquivo / AFP)
Necessidade de adaptar lei ambiental à realidade do país é um consenso entre os envolvidos
A Câmara dos Deputados tentará votar nesta terça-feira o Código Florestal - lei que determina como será a exploração das terras e a preservação das áreas verdes no país-, mesmo sem um acordo entre os partidos sobre o texto já aprovado no Senado.
Porém, o Partido Verde tenta adiar a votação para depois da Rio +20, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, por discordar do texto.
"Não vamos fazer nenhum tipo de obstrução para impedir a votação, pois sabemos que não haverá acordo e que o projeto deve ser votado como veio do Senado", disse Arlindo Chinaglia (PT-SP), o líder do governo na Câmara.
O Código já havia sido aprovado na Câmara em maio de 2011 e depois em dezembro no Senado, onde recebeu mais 21 alterações. Mas, por causa delas, terá que passar novamente pela avaliação dos deputados. Só depois disso é que será submetida à sanção presidencial.
"Nós vamos trabalhar sobre o mérito do projeto, e o primeiro passo é aprovar na Câmara o que foi aprovado no Senado, e isso é possível. Mas, se houver alterações, vamos discutir com os deputados essas mudanças", disse Chinaglia.
Para tentar adiar a votação, o líder do PV na Câmara, deputado Sarney Filho (MA), apresentou nesta segunda-feira uma representação pedindo a destituição do relator do código, o deputado Paulo Piau (PMBD-MG), e a nomeação de outro relator.
Ele baseou o pedido em uma questão de natureza técnica segundo a qual o relator não pode apresentar propostas para serem acrescentadas ao texto da lei.
O relatório de Piau foi criticado por petistas e por ambientalistas. Eles dizem acreditar que modificações no texto promovidas por membros do PMDB favoreçam a bancada ruralista em detrimento da preservação ambiental.
Dos debates iniciais entre ambientalistas, ruralistas e acadêmicos às recentes discordâncias na Câmara, entenda as principais polêmicas que vêm rondando o novo Código Florestal:
O que é o Código Florestal?
Criado em 1965, o Código Florestal regulamenta a exploração da terra no Brasil, baseado no fato de que se trata de um bem de interesse comum a toda a população.
A legislação estabelece parâmetros e limites para preservar a vegetação nativa e determina o tipo de compensação, como reflorestamento, que deve ser feito por setores que usem matérias-primas, assim como as penas para os responsáveis por desmate e outros crimes ambientais relacionados. A elaboração do Código durou mais de dois anos e foi feita por uma equipe de técnicos.
Como é a proposta do novo Código Florestal?
Desde que foi apresentado pela primeira vez, o projeto de lei sofreu diversas modificações. As principais diferenças entre a nova legislação e o código em vigor dizem respeito à área de terra em que será permitido ou proibido o desmate, ao tipo de produtor que poderá fazê-lo, à restauração das florestas derrubadas e à punição para quem já desmatou.
Por que o atual precisa ser alterado?
Ambientalistas, ruralistas e cientistas concordam que esta é uma necessidade para adaptar as leis nacionais à realidade brasileira e mundial. O atual foi modificado várias vezes por decreto e medidas provisórias e seria necessário algo mais sólido.
Uma das urgências citadas pelos três grupos é a necessidade de incluir incentivos, benefícios e subsídios para quem preserva e recupera a mata, como acontece na maioria dos países que vêm conseguindo avançar nessa questão ambiental.
Quais são as principais alterações no texto aprovado pelo Senado sugeridas pelo relator do PMDB?
Entre as alterações, o relator Paulo Piau quer a mudança no texto do Senado que obriga os produtores rurais a recompor entre 15m e 100m das chamadas APPs (Áreas de Proteção Ambiental). Ele sugere que o tamanho das faixas de proteção seja determinado a posteriori, por lei ou medida provisória.
O governo criticou a proposta afirmando que, na prática, a alteração funcionará como anistia para produtores que desmataram demais. A bancada ruralista chegou a sugerir que os percentuais de preservação sejam mantidos e que o governo elabore regulamentações para resolver problemas pontuais.
O que são as APPs?
As chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) são os terrenos mais vulneráveis em propriedades particulares rurais ou urbanas. Como têm uma maior probabilidade de serem palco de deslizamento, erosão ou enchente, devem ser protegidas. É o caso das margens de rios e reservatórios, topos de morros, encostas em declive ou matas localizadas em leitos de rios e nascentes. A polêmica se dá porque o projeto flexibiliza a extensão e o uso dessas áreas, especialmente nas margens de rios já ocupadas.
Qual a diferença entre APP e Reserva Legal?
A Reserva Legal é o pedaço de terra dentro de cada propriedade rural - descontando a APP - que deveria manter a vegetação original para garantir a biodiversidade da área, protegendo sua fauna e flora. Sua extensão varia de acordo com a região do país: 80% do tamanho da propriedade na Amazônia, 35% no Cerrado nos Estados da Amazônia Legal e 20% no restante do território.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/

Brasil: líder mundial em alimentos envenenados

 
agrotoxyBrasil - Brasil De Fato - O país que está prestes a tornar-se líder mundial na produção de alimentos abusa de venenos que causam várias doenças. Por Tatiana Achcar, do blog Habitat

Nunca tivemos tanta comida produzida no mundo, mesmo assim um milhão de pessoas passam fome e outro milhão comem menos do que necessitam. A fome é um problema de economia mundial. Em 20 anos, o Brasil tomará dos Estados Unidos a liderança mundial na produção de alimentos.
No entanto, 49% dos brasileiros estão acima do peso, sendo 16% obesos, segundo o Ministério da Saúde. A obesidade é um problema de saúde pública, logo, de economia nacional. Por que esse disparate entre a grande quantidade de alimento e a fome e o sobrepeso?
Apesar das commodities agrícolas bombarem as bolsas de valores, o sistema alimentar mundial tem falhas, e das grossas: o modo de produção usa recursos naturais de maneira abusiva, o sistema está baseado na industrialização, que artificializa o alimento, e a distribuição é concentrada e controlada por poucos gigantes do setor. Alimentação em quantidade e qualidade adequada e saudável é um direito humano, mas virou artigo de luxo.
Em seu discurso de posse, no dia 18 de abril, a nova presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, a antropóloga Maria Emília Pacheco, criticou os agrotóxicos, os alimentos transgênicos e a livre atuação das grandes corporações, apoiada na irrestrita publicidade de alimentos, especialmente entre o público infantil, como nocivas para a segurança e soberania alimentar.
"O caminho percorrido historicamente pelo Brasil com seu atual modelo de produção nos levou ao lugar do qual não nos orgulhamos de maior consumidor de agrotóxicos no mundo e uma das maiores áreas de plantação de transgênicos", afirmou.
O país que está prestes a tornar-se líder mundial na produção de alimentos abusa de venenos que causam intoxicação crônica, aquela que mata devagar com doenças neurológicas, hepáticas, respiratórias, renais, cânceres entre outras e provoca o nascimento de crianças com mal formação genética.
O uso massivo de agrotóxico promovido pela expansão do agronegócio está contaminando o agricultor, que tem contato direto com a lavoura envenenada, os alimentos, a água e o ar. Estudos científicos recentes encontraram resíduos de agrotóxicos em amostras de água da chuva em escolas públicas no Mato Grosso. O sangue e urina dos moradores de regiões que sofrem coma pulverização áreas de agrotóxicos estão envenenados.
Nos últimos anos, o Brasil tornou-se o principal destino de defensivos agrícolas banidos no exterior. Segundo dados da Anvisa, são usados em nossas lavouras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia, Estados Unidos, China.
É evidente que segurança e soberania alimentar dependem de um sistema de produção alimentar bom, limpo e justo, sustentável e descentralizado, de base agroecológica de produção, extração e processamento, de processos permanentes de educação alimentar e nutricional. É estratégico adotar a soberania e segurança alimentar como um dos eixos ordenadores da estratégia de desenvolvimento do país para superar desigualdades socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gênero e de geração e erradicar a pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional.
Fico contente com a posse de Maria Emília Pacheco por sua força de vontade política e clareza de que é preciso fortalecer a capacidade reguladora do Estado, tanto na regulação da expansão das monoculturas, como no banimento imediato dos agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, incluindo os que foram utilizados em guerras, como o glifosato. E dar um o fim aos subsídios fiscais, rotular, obrigatoriamente, todos os alimentos transgênicos, assegurando o consumidor o direito à informação.
Investir na agricultura familiar e camponesa é eixo fundamental que deve estar na prioridade do governo. Ela gera emprego e renda para milhões de pessoas, estimula a produção de alimentos e a diversidade de culturas, respeita tradições alimentares e preserva a natureza, fixa o homem no campo e fortalece as economias locais e regionais.
Desejo que a proposta da Política Nacional de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção, em processo de elaboração por um grupo interministerial, seja amplamente aprovada a aplicada para garantir a proteção da agrobiodiversidade e de iniciativas como a conservação de sementes crioulas, os sistemas locais públicos de abastecimento, circuitos curtos de mercado e mercado institucional. É vencendo esses passos que um país deveria orgulhar-se de ser líder mundial na produção de alimentos.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/

Água: o Banco Mundial insiste em privatizar

 
agua55Outras Palavras - [Johanna Treblin, IPS/Envolverde] Segundo revela novo estudo, instituição continua financiando políticas que entregam abastecimento a grandes grupos econômicos — apesar de décadas de fracasso.

Apesar de ficar demonstrado que a privatização da água é prejudicial para os pobres, um quarto dos fundos do Banco Mundial vão diretamente para empresas do setor, afirma um documento divulgado semana passada. O estudo assegura que o Banco apoia as empresas privadas da água, passando por cima de governos e de seus próprios padrões de transparência.
As populações de muitos países do Sul em desenvolvimento têm difícil acesso a água potável, e o enfoque para remediar este problema tem sido depender cada vez mais de empresas privadas. Entretanto, isto é pernicioso, segundo o informe da organização não governamental Corporate Accountability International (CAI), com sede nos Estados Unidos.
A CAI exortou o Banco Mundial a deixar de financiar o setor privado da água e mudar a direção dos fundos para focá-los em instituições públicas e democraticamente responsáveis. A divulgação do informe, intitulado Shutting the Spigot on Private Water: Case for the World Bank do Divest (Fechando a torneira para a água privada: argumentos para que o Banco Mundial desinvista), coincide com o início das reuniões que esse organismo realiza com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A Corporação Financeira Internacional (CFI), ramo do Banco dedicado a fomentar o desenvolvimento econômico por meio do setor privado, investiu US$ 1,4 bilhão em empresas de água desde 1993, segundo o estudo. Até janeiro de 2013, os investimentos crescerão US$ 1 bilhão ao ano. O informe também assinala que, para cada dólar que a CFI coloca em um projeto, ela atrai entre US$ 14 e US$ 18 em investimentos privados complementares.
Isto explica porque o Banco Mundial e a CFI continuam financiando companhias privadas de água, mesmo quando cerca de um terço de todos os contratos assinados entre 2000 e 2010 fracassaram ou estão em risco de fracassar, quatro vezes mais do que no caso de projetos de infraestrutura nos setores de eletricidade e transporte, segundo a CAI.
"Em lugar de se concentrar em garantir o acesso a água potável inclusive  economicamente, o Banco Mundial promove medidas que deixarão mais cara a água para os consumidores", diz, por outro lado, um informe de 2010 da organização não governamental Food and Water Watch. O alto custo também pode ser definido em termos humanos. O mesmo documento indica que a má qualidade da água e do saneamento permite a propagação de parasitas que "são a principal causa de doenças e mortes no mundo em desenvolvimento".
A CAI também crítica vários conflitos de interesses, como o fato de o Banco Mundial ser dono de empresas do setor da água enquanto se apresenta como conselheiro imparcial. No fim das contas, o "Banco Mundial é o motor por trás desta invasão corporativa nos sistemas e nos serviços de água", afirmou a CAI em seu site. O Banco Mundial estimula os países a privatizarem seus sistemas de água ou modificá-los para que tenham por foco o lucro, acrescentou.
O Banco Mundial também promove o desenvolvimento de infraestruturas que oferecem vantagens para os "usuários de grandes corporações, acima dos interesses dos indivíduos ou das comunidades", afirma a diretora-executiva da CAI, Kelle Louaillier. "Em meio a uma crise mundial da água, o Banco está desperdiçando os recursos necessários para salvar milhões de vidas. Seus estatutos estabelecem que deve ajudar os que têm mais necessidade, mas sua aposta financeira nas corporações da água está criando perversos incentivos que solapam a própria missão do Banco", enfatizou.
Segundo a CAI, as privatizações prejudicam os mais pobres, limitando o acesso ao recurso e afetando os direitos humanos, com ocorreu em Manila, Filipinas, onde o Banco Mundial ajudou o governo filipino a desenhar um plano de privatização. "Anos depois, muitos moradores de Manila ainda carecem de água, e os problemas de acesso se agravaram", disse Shayda Naficy, especialista da CAI. "A CFI chama isso de êxito, e foi, para seus investidores. Contudo, é um tremendo fracasso do ponto de vista dos moradores e seu direito à água", ressaltou.
Por outro lado, um porta-voz do Banco Mundial disse à IPS que o informe da CAI desvirtua o papel do órgão e carece de profundidade. "Os serviços de financiamento e assessoria da CFI asseguraram água potável e saneamento a mais de 20 milhões de pessoas até 2011", afirmou. "Se mudam as hierarquias, existe a possibilidade de o Banco mudar seu curso", disse Louaillier hora antes da eleição, ontem, do novo presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, norte-americano de origem sul-coreana.
O candidato de Washington prevaleceu sobre outros que receberam importante apoio político: a ministra das Finanças da Nigéria, Ngozi Okonjo-Iweala, e o ex-ministro das Finanças colombiano José Antonio Ocampo. O Banco Mundial sempre teve presidentes de nacionalidade norte-americana.
Há um ano, seu então presidente, Robert Zoellick, disse que o mundo necessitava de "nova geopolítica para uma economia multipolar, na qual todos estejam representados equitativamente em associações a favor das maiorias, e não em clubes para poucos". Para ele, a crise financeira global marcou o fim dos velhos modelos de economia e desenvolvimento. Como consequência, categorizações como "primeiro mundo" ou "terceiro mundo", "doadores" ou "beneficiários", "líderes" ou "liderados", já "não encaixam", destacou Zoellick. No entanto, estas ideias não parece se refletir dentro do próprio banco.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/

quinta-feira, 26 de abril de 2012

OPOSIÇÃO E MÍDIA CONTRA A COMPLETA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA NO BRASIL


HOJE O STF TERMINA DE JULGAR AS COTAS
[Obs deste blog 'democracia&política': a época do término (teoricamente) da escravatura é relativamente recente no Brasil. Foi há somente 124 anos. Ainda não houve tempo para desaparecerem as brutais diferenças economicossociais criadas pelas "elites" e mantidas por séculos. Assim, o hoje debatido sistema de cotas nas universidades e outras medidas de diminuição das diferenças sociais e raciais no Brasil são urgentes e necessárias por uma ou duas gerações. Ainda não se pode largar (como requereu ao STF a oposição, apoiada pela grande mídia) injustiçados contra privilegiados em competições de luta feroz, em igualdade de condições,  somente à mercê do Deus Mercado. Depois de atingidos níveis aceitáveis de igualdade de acesso à saúde e à educação (pelo menos), esses mecanismos de correção de injustiças passadas poderão ser eliminados].

ELAS "ESTIMULARIAM O ÓDIO RACIAL E REBAIXARIAM AS UNIVERSIDADES", MAS, COMO NO SÉCULO 19, ERA TUDO LOROTA.

Por Elio Gaspari

“O Supremo Tribunal Federal julgará hoje a constitucionalidade das cotas para afrodescendentes e índios nas universidades públicas brasileiras. No palpite de quem conhece a Corte, o resultado será de, pelo menos, sete votos a favor e quatro contra. Terminará, assim, um debate que durou mais de uma década e, como outros do século 19, expôs a retórica de um pedaço do andar de cima que via na iniciativa o prelúdio do fim do mundo.

Em 1871, quando o Parlamento discutia a “Lei do Ventre Livre”, argumentou-se que, libertando-se os filhos de escravos condenava-se as crianças ao desamparo e à mendicância. "Lei de Herodes", segundo o romancista José de Alencar.
Quatorze anos depois, tratava-se de libertar os sexagenários. Outro absurdo, pois significaria abandonar os idosos. Em 1888, veio a Abolição (a última de país americano independente), mas o medo a essa altura era menor, temendo-se, apenas, que os libertos caíssem na capoeira e na cachaça.
Como dizia o Visconde de Sinimbu: "A escravidão é conveniente, e mesmo um bem para o escravo". A votação do projeto foi acelerada pelo clamor provocado pelo linchamento de um promotor que protegia negros fugidos no interior de São Paulo. Entre os assassinos, estava James Warne, vulgo "Boi", um fazendeiro americano que emigrara depois da derrota do Sul na Guerra da Secessão.

As cotas seriam coisa para inglês ver, "lumpenescas propostas de reserva de mercado". Estimulariam o ódio racial e baixariam a qualidade dos currículos das universidades. Como dissera o barão de Cotegipe, "brincam com fogo os tais negrófilos". Os cotistas seriam incapazes de acompanhar as aulas.
Passaram-se dez anos, pelo menos 40 universidades instituíram cotas para afrodescendentes e, hoje, há milhares de negros exercendo suas profissões graças à iniciativa.

O fim do mundo ficou para a próxima. Para quem acha que existe uma coisa como ditadura dos meios de comunicação, no século 21, como no 19, todos os grandes órgãos de imprensa posicionaram-se contra as cotas. Ressalve-se a liberdade assegurada aos articulistas que as defendiam.


Julgando a constitucionalidade das iniciativas das universidades públicas que instituíram as cotas, o Supremo tirará o último caroço da questão. No memorial que encaminharam na defesa do sistema, os advogados Márcio Thomaz Bastos, Luiz Armando Badin e Flávia Annenberg começaram pelos números:


"
Em 2008, os negros e pardos correspondiam a 50,6% da população e a 73,7% daqueles que são considerados pobres. (...) Em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos pretos e pardos de 25 ou mais idade tinham nível superior".

E concluíram: "
A igualdade nunca foi dada em nossa história. Sempre foi uma conquista que exigiu imaginação, risco e, sobretudo, coragem. Hoje, não é diferente".

O senador Demóstenes Torres, campeão do combate às cotas, chegou a lembrar que a escravidão era uma instituição africana, o que é verdade, mas não foram os africanos que impuseram a escravatura ao Brasil.


Nas suas palavras: "
Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram...."

Hoje, o Supremo virará a última página da questão. Ninguém se lembra de James Barne, mas Demóstenes será lembrado por outras coisas.”


FONTE:
escrito por Elio Gaspari na “Folha de São Paulo”  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/39187-hoje-o-stf-julgara-as-cotas.shtml) [Imagens do google adicionadas por este blog 'democracia&política'. Postagem por sugestão do leitor Probus
Fonte: http://democraciapolitica.blogspot.com.br

terça-feira, 24 de abril de 2012

Força Nacional recebe ameaça e recua do sul do Amazonas


Escolta retira a líder rural que protegia e se retira do local do conflito ao descobrir plano de emboscada. Anistia Internacional lança campanha pedindo medidas urgentes



Por: Ana Aranha, da Pública*
Depois de passar cinco meses protegendo Nilcilene Miguel de Lima, a equipe da Força de Segurança Nacional se retirou da região do conflito entre madeireiros e lavradores no município de Lábrea, ao sul do Amazonas. A líder rural Nilcilene, ameaçada de morte por denunciar o desmatamento, foi retirada de sua casa por sua escolta e levada para local mantido em sigilo pela força policial do governo federal.
A decisão foi tomada depois que as ameaças se voltaram contra a própria Força Nacional. “Eles descobriram que os pistoleiros estavam armando uma emboscada para matar Nilcilene e os policiais da escolta”, diz Francisneide Lourenço, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra do Amazonas. Desde que foi removida de sua casa, Nilcilene perdeu contato com as famílias de sua comunidade, que também estão recebendo ameaças, e não pode dar entrevistas.
Em resposta ao recuo das forças do governo, a Anistia Internacional lançou uma “ação urgente” pedindo providências imediatas ao Ministério da Justiça e governo do Amazonas. A ação é uma campanha internacional que convida os  milhares de membros da Anistia no mundo todo a escrever cartas ao governo brasileiro.
A Anistia pede que o governo federal aja para coibir as atividades ilegais de desmatamento e grilagem de terra na região, de modo a preservar a atividade extrativista da população local. E reivindica uma unidade de polícia permanente para o sul de Lábrea e, também, que as ameaças e agressões feitas contra a comunidade sejam investigadas.
“Temos notado que, para o governo, é muito bonito colocar um grupo da Força Nacional por alguns meses no local do conflito. Mas isso não muda nada”, diz Tim Cahill, da Anistia Internacional. “Os crimes devem ser investigados e o local precisa de proteção imediata e permanente”.
Há cerca de 800 famílias vivendo no sul de Lábrea, onde não há energia, telefone ou delegacia. São lavradores, seringueiros e catadores de castanha cadastrados no programa Terra Legal ou moradores dos assentamentos Gedeão e o Curuquetê – cujo líder Adelino Ramos foi assassinado em 2011.
A reportagem de Pública fez uma série de reportagens sobre a violência na região em março desse ano. Uma delas revela que, em pelo menos outras duas ocasiões, o governo federal recuou quando confrontado pelo poder local. Uma funcionária federal já foi agredida pelos pistoleiros e duas coordenadoras de órgãos fundiários sofreram ameaças de morte.
*Publicado também na Rede Brasil Atual.

Crianças bebiam água do gado em fazenda de deputado flagrada com escravos


Propriedade em que sete pessoas foram libertadas pertence ao deputado estadual Camilo Figueiredo, filho do ex-prefeito de Codó (MA), Biné Figueiredo


Por Bianca Pyl
Crianças e adultos bebiam a mesma água que o gado na Fazenda Bonfim, zona rural de Codó (MA), onde foram resgatadas sete pessoas de condições análogas às de escravos após denúncia de trabalhadores que não quiseram se identificar. A libertação aconteceu no início de março e foi realizada por ação conjunta de Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão (SRTE/MA), Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal. 
A propriedade em que foram flagradas condições degradantes pertence à Líder Agropecuária Ltda., empresa da família Figueiredo, que tem como sócios o deputado estadual Camilo de Lellis Carneiro Figueiredo (PSD/MA), além de Rogério Carneiro Figueiredo, Rodrigo De Lellis Salem Figueiredo e Camilo De Lellis Carneiro Figueiredo Filho. À Repórter Brasil, o deputado Camilo afirmou desconhecer as denúncias e disse que a fazenda é administrada por seu pai, Benedito Francisco da Silveira Figueiredo, o Biné Figueiredo, ex-prefeito de Codó. Biné, por sua vez, nega que seja administrador e alega que não há trabalhadores na propriedade, "apenas moradores". 
Água utilizada pelo gado servia para os trabalhadores e para as crianças beberem e tomar banho. Fotos: Divulgação SRTE/MA
A água consumida no local era a mesma que a utilizada pelos animais da fazenda. Retirada de uma lagoa imunda, repleta de girinos, ela era acondicionada em pequenos potes de barro e consumida sem qualquer tratamento ou filtragem. Os empregados tomavam banho nesta lagoa, e, como não havia instalações sanitárias, utilizavam o mato como banheiro. De acordo com o auditor fiscal Carlos Henrique da Silveira Oliveira, que coordenou a ação, todos estavam submetidos às mesmas condições degradantes, incluindo as crianças pequenas.
Pecuária
A propriedade da família Figueiredo era utilizada para criação de gado para corte. Os trabalhadores resgatados cuidavam da limpeza do pasto com a retirada de ervas daninhas e arbustos, atividade conhecida como roço da juquira, e ficavam alojados em barracos feitos com palha. Os abrigos não tinham sequer proteção lateral, apesar de serem habitados por famílias inteiras, incluindo crianças. Os resgatados declararam aos auditores fiscais que em noites de chuva as redes onde dormiam ficavam molhadas e que todos sofriam com o frio.

Barracos de palha serviam de alojamento para os trabalhadores
A maioria dos trabalhadores era de Codó (MA), a 30 km de distância, e estava há cerca de dois meses na fazenda. Os resgatados não tinham Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinada e não contavam com nenhum equipamento de proteção individual no roço da juquira. "Todas as irregularidades e ilegalidades constatadas constituíram total desrespeito a condições mínimas de dignidade da pessoa humana, distanciando-se da função social da propriedade e ferindo assim, além dos interesses dos trabalhadores atingidos, também o interesse público", explica o coordenador da ação.
Responsabilidade
A empresa Líder Agropecuária consta na declaração de bens do deputado estadual Camilo Figueiredo. Por telefone, ele se disse surpreso ao ser informado pela reportagem sobre a libertação na Fazenda Bonfim. "Isso de trabalho escravo é novidade para mim. Até agora não tomei conhecimento desta situação, vou entrar em contato agora para saber o que houve", disse. Ele confirmou que seu pai, Biné Figueiredo, é o responsável por administrar a propriedade.

Biné, que foi prefeito do município de Codó em duas ocasiões, de 1993 a 1996 e de 2005 a 2008, negou, por telefone, qualquer responsabilidade. Ele alega que não é administrador da propriedade, e, questionado, disse não saber nem a quem a terra pertence. "Eu não acompanhei a fiscalização e não sei se a situação foi solucionada, mas acredito que sim", afirmou.
Não é a primeira libertação de escravos envolvendo políticos na região. Em 2009, equipes de fiscalização libertaram 24 pessoas na fazenda do então prefeito de Codó, José Rolim Filho (PV), o Zito Rolim
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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Paraísos fiscais, lavagem de dinheiro e drogas no “novo mundo” da América


No contexto de crise global, os cortes orçamentários que se aprofundam em vários países afetam os organismos tributários e a luta contra a evasão. De acordo com as cifras do FMI e da ONU, são lavados anualmente mais de 600 bilhões de dólares arrecadados pelo crime organizado em todo o mundo e esta operação ocorre sob a anuência do sistema bancário legal. Os paraísos fiscais são cada vez mais difíceis de perseguir e controlar, com consequências incalculáveis.

Este trabalho pretende realizar uma aproximação à situação da lavagem de dinheiro e dos paraísos fiscais no continente americano, relacionado com o crime organizado transnacional, particularmente com o vinculado ao tráfico ilícito de drogas (TID).

Para isso se faz uma breve análise sobre os paraísos fiscais na América e sua relação com a lavagem de dinheiro proveniente, no fundamental, do TID e outros delitos conexos (tráfico ilícito de pessoas, órgãos e armas), para dali abordar a situação de dependência e dominação em que os EUA mantêm a nossa América, no contexto de crise da economia mundial. 

A história dos paraísos fiscais e da lavagem de dinheiro na América Latina se assemelha a uma história romântica onde a conspiração, as alianças entre elites de poder econômico transnacional parece não achar racionalidade. Em um contexto abundante de bolhas financeiras, onde o tráfico ilícito de drogas e outros delitos conexos consolidam as alianças entre o empresariado e setores da “alta” política para branquear os lucros e a evasão de altos impostos.

Parece ser que o mundo incivilizado costuma impor para os países de nossa América. O TID, em matéria jurídica é seriamente penalizado pelas autoridades estadunidenses, se bem que na ordem econômica, financeira e comercial, são muito bem aproveitados os dividendos provenientes desse flagelo. Digamos que quando se segue a rota do dinheiro, se pode perceber o ponto de encontro entre os interesses dos narcotraficantes, do empresariado transnacional e dos altos funcionários políticos latino-americanos e estadunidenses na lavagem de dinheiro e na evasão de impostos; para o qual utiliza habilmente os paraísos fiscais da região e, também, do território dos EUA.

Os paraísos fiscais não são necessariamente ilegais, apesar de que em muitos casos sejam relacionados com a lavagem de dinheiro, a fuga de capitais ou a evasão de impostos; certamente podem-se obter vantagens sem cometer nenhum delito, embora moralmente deixem muito a desejar. Existe também um problema ético, embora não deixe de ser legal quando os cidadãos ou empresas transferem seus capitais para outros países a fim de evitar os altos impostos em seu país de origem.

O dinheiro sujo pode derivar tanto de atividades econômicas ilícitas como daquele que não é declarado ao fisco, tanto para a evasão da Justiça em termos criminais como da evasão dos altos impostos. Neste trabalho interessa destacar aquele dinheiro lavado pelo tráfico de drogas e outros delitos conexos. A problemática parte, neste caso, quando o individuo acumula uma soma de dinheiro que não pode justificar e, portanto, utilizar livremente para o comércio.

Desde a época de Al Capone [1] o crime organizado utiliza esta terminologia, cujo termo de branqueado de dinheiro ou lavagem, se originou quando o dito gângster adquiriu uma cadeia de lavanderias para legitimar a procedência de seu dinheiro com um negócio de segunda categoria que, evidentemente, não era o fruto de suas grandes riquezas, mas sim um canal por onde legitimar alguns de seus fundos.

Atualmente é muito comum o investimento no setor turístico, sobretudo na construção. Por isso os países ou regiões com economias de serviços costumam ser muito atrativos para a lavagem de dinheiro do crime organizado. Entretanto, nas listas da OCDE nunca se reconhece este tipo de atividades nos países de primeiro mundo. Tal é o caso dos Estados Unidos, onde existem vários Estados onde é clássica a lavagem de dinheiro. Nesta atividade, é muito chamativo o caso do Estado da Flórida, onde Miami cumpriu um papel crucial nesta atividade por décadas. “Um estudo realizado pelo Departamento de Roubos da polícia de Miami, em meados da década de 80, indicou que de 100 notas de um dólaranalisados, 99 tinham rastros de cocaína.”[2]

É muito comum ver como grandes chefes da droga na Colômbia e no México lavam seu dinheiro em Miami, investindo em casas, hotéis e outras construções, contando com a cumplicidade de empresários e bancos que se encarregam de lavar o dinheiro. “Alguns opinam que os bancos de Miami iriam à ruína se deixassem de lavar dinheiro do mercado de drogas e que se depreciariam a níveis insuspeitos os preços de bens de raízes se os narcotraficantes suspendessem as compras de propriedades”[3]

Os paraísos fiscais costumam tipificar-se por sua baixa tributação e o requerido segredo bancário. Devido a estas circunstâncias, a OCDE costuma elaborar listas de paraísos fiscais, listas offshore, listas cinza [4], ou as chamadas listas espanholas [5], que são utilizadas para “desacreditar” algumas jurisdições. Curiosamente, nestas listas não aparecem bancos radicados em alguns Estados dos EUA que realizam práticas similares.

Ainda assim, o sistema de listas da OCDE, na minha consideração, cria mais confusões que soluções, já que seu sistema de confiabilidade se baseia na assinatura de acordo para intercambio de informação e, chegado a determinado padrão internacional, é eliminado da lista de paraísos fiscais, quando, na prática, pode seguir agindo como tal. 

A fraude fiscal, que os paraísos tornam possível, afeta as políticas sociais, fruto da evasão de impostos da qual, se supõe, saem parte dos fundos para esse tipo de medidas. Deste ponto, se pode compreender como a evasão de impostos que alimenta a lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais, afeta diretamente um setor tão sensível e importante da sociedade como a classe média, tanto por sua influência política como por seu status de paradigma de vida político-cultural e econômica no interior das sociedades, embora esta situação não seja de todo homogênea. Nesse sentido, “(…) a luta contra a austeridade orçamentária, contra as dívidas ilegítimas, evasão e fraude fiscal, contra os paraísos fiscais, é a luta pelo Estado de direito social (mal denominado de bem-estar). A mesma luta.”[6]

Se nos deixamos guiar pelas artimanhas burocráticas em torno aos parâmetros de controle, se poderia pensar que as recentes reduções das listas de paraísos fiscais que a OCDE e outras instituições realizam é um tema no qual se obteve êxito, mas lamentavelmente, os paraísos fiscais, a evasão de impostos e a lavagem de dinheiro são problemas que continuam vigentes.

Na realidade o sistema de listas da OCDE funciona mais como biombo público do que como barreira contra a evasão de impostos e a lavagem de dinheiro; tapando a realidade através de uma condenação pública a um fato que, evidentemente, não se resolve ainda em nível global e muito menos no continente americano, submerso em guerras fratricidas entre narcotraficantes e o governo estadunidense, que vem a constituir outra prova da sobrevivência dos fenômenos da lavagem de dinheiro e dos paraísos fiscais em uma região estremecida pela onda de violência com que operam os cartéis da droga. 

Mas ao problema não se projetam soluções definitivas, já que além das notícias de crônica vermelha e das políticas antidrogas do império, existe um interesse econômico, financeiro e comercial sobre o enorme montante de capitais que gera o dito negócio.

Entretanto, este exercício não só limpa o dinheiro do crime organizado, mas o insere também no sistema monetário internacional, atraindo as elites de poder concentradas nos EUA, que procuram, com estas práticas, a evasão de seus impostos. Com essa evasão, se prejudicam os programas de assistência social, já que nem pagam impostos nem cotizam à Seguridade Social. Obviamente, ao evadir estas responsabilidades, se transfere bilhões de dólares que são movimentados no sistema econômico comercial mundial, graças à lavagem de dinheiro e à discrecionalidade condicionada dos paraísos fiscais ou centros offshore.

A OCDE pediu a assinatura de doze acordos de intercambio de informação fiscal com outros tantos países. Mas, como denuncia Juan Hernández Vigueras, o truque consiste em que os paraísos fiscais assinaram doze acordos com territórios sem grande relevância ou entre si, ou seja, comprometendo-se cada qual em sua cumplicidade sobre a existência ou não de evasão fiscal. Desta forma, se consolida a ideia de que os paraísos fiscais constituem o instrumento ideal da delinquência transnacional, necessitada de lavar seus capitais e evadir impostos. 

O dilema das listas da OCDE se resolve com um exercício de comparação entre algumas listas. Por exemplo, se revisamos o listado de paraísos fiscais da América segundo a OCDE no ano 2000, figuravam: Antilhas Holandesas, Aruba, Anguilha, Antígua e Barbuda, As Bahamas, Barbados, Bermudas, Ilhas Caimãs, República Dominicana, Granada, Jamaica, Ilhas Malvinas, Montserrat, São Vicente e as Granadinas, Santa Luzía, Trinidad e Tobago, Ilhas Turks e Caicós, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos EUA, República do Panamá.[7]

Na versão do dia 15 de dezembro de 2011[8], ocorreu uma grande simplificação, começando pelo caso uruguaio. Finalmente, para a OCDE, o Uruguai deixou de ser um paraíso fiscal cumprindo com uma série de acordos que lhe possibilitaram, ao menos formalmente, sair da angustiosa lista de paraísos fiscais elaborada pela organização. A assinatura de sete novos acordos de intercambio de informação eleva o número de convênios do país sul-americano a 18, quando os requeridos são apenas 12. Isto é: seis acordos a mais do que os requeridos foram suficientes para considerar transparentes suas transações e, portanto, eliminá-lo da “lista cinza” da OCDE, onde o Uruguai estava na categoria de “outros centros financeiros”.[9]

Graças a estes requisitos burocráticos algumas das jurisdições mais clássicas como as Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Antígua e Barbuda, Belize, Bahamas, entre outras, foram tiradas da "lista cinza". Desta maneira, para os primeiros dias de 2012 só constituíam a lista Niué e Naurú. A OCDE também criou o chamado grupo de "outros centros financeiros" no dia 15 de dezembro de 2011. [10]

Entretanto, a imensa maioria dos países que abandonaram a lista, possivelmente continue mantendo as preferências para não residentes e a necessária confiabilidade que lhe asseguram as comissões. Em outras palavras, a sobrevivência de paraísos fiscais com as condições propícias para a lavagem de dinheiro e a evasão de impostos continua.

A crise mundial em contraste com a lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais 
No contexto de crise global, os cortes orçamentários que se aprofundam em vários países afetam os organismos tributários e a luta contra a evasão. De acordo com as cifras do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da ONU, são lavados anualmente mais de 600 bilhões de dólares arrecadados pelo crime organizado em todo o mundo e esta operação ocorre sob a anuência do sistema bancário legal. 

A concentração do poder dos bancos é tal, que apenas 20 dos maiores bancos do mundo estão a cargo de 75% das transações financeiras dos Estados Unidos, França e Inglaterra. A esta realidade deve-se somar que os EUA não contam com um Banco Central real, mas que o dito Banco é uma empresa privada formada por grandes bancos dos Estados Unidos. Portanto, a Reserva Federal é um ente privado, resultado de uma associação de bancos de caráter estatal e de orientação nacional – segundo sua ata constitutiva - com interesse de lucro, motivo pelo qual a dita reserva responda aos interesses dos bancos que a constituem. Como se não bastasse, os mandatos dos presidentes da Reserva são mais longos que os do presidente dos EUA, de modo que o presidente entrante dos Estados Unidos não escolhe o presidente da Reserva Federal.

Um famoso lavador como Kenneth Rijock, conhecido agora como um muito lucrativo conferencista sobre estes assuntos, esclareceu que as razões que continuam fazendo atrativa a banca para os lavadores, são a inexistência de um imposto sobre a renda, nem de impostos de sucessões, nem sobre o beneficio empresarial, eliminando-se, assim, os controles legais de cambio sob a suposta confraternidade profissional do segredo. 

Por estas razões, os paraísos fiscais são cada vez mais difíceis de perseguir e controlar, com consequências a cada dia mais incalculáveis. "O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, afirmou que as companhias supranacionais, que são cerca de 60 mil, junto com grandes organizações de auditorias e alguns bancos de investimentos, veicularam uma evasão fiscal que está custando a seu país, só pelas atividades nos refúgios fiscais, 10 bilhões de dólares ao ano".[11]

Desta forma, o próprio sistema esta evadindo impostos. De fato, como a própria Reserva Federal não é em sua totalidade um ente estatal, é muito lógico que prefiram canalizar parte de seus fundos a vários bancos estadunidenses e paraísos fiscais para assim obterem um lucro que perderiam na Reserva Federal, de modo que não se veem obrigados a depositar todo seu capital na Reserva. A incógnita seria: quem desconhece este fato e por que não se tomam medidas efetivas contra o mesmo, e a realidade é que todos sabem e ninguém faz nada. 

A Reserva Federal é teoricamente pública, porque é como o Banco Central dos Estados Unidos é constituindo, portanto, a máxima autoridade monetária. Isso a faculta poder para reger a política monetária e o funcionamento do sistema bancário estadunidense (taxas de juros, encaixe legal, impressão de dinheiro, etc.) Entretanto, mediante o encaixe legal pode reter uma determinada porção dos depósitos do sistema bancário, de procedência privada e não tem o poder absoluto sobre sua reavaliação ou não, devido a que o dólar como divisa internacional deve ater-se a outras condicionantes. Se perguntássemos ao governo da China, por exemplo, como máximo credor dos EUA, tampouco lhe seria factível a desvalorização do dólar. 

Neste contexto, a evasão de impostos e a busca de paraísos fiscais com maiores preferências, merece um maior controle devido as perdas milionárias que pode significar para as economias “nacionais”. Para que se tenha uma medida de quanto se pode perder com a evasão de impostos, vale a pena lembrar o período da ditadura de Alfredo Stroessner no Paraguai. “Estimativas formuladas após a queda de Stroessner concluíram que a corrupção da ditadura custou ao país pelo menos seis bilhões de dólares estadunidenses. Dadas as dimensões desta enorme cifra, é fácil concluir as oportunidades de desenvolvimento das quais se privou miseravelmente o Paraguai em termos de orientação do investimento público para a educação, a saúde, a moradia e a infraestrutura de todo tipo.”[12]

Não obstante, ainda que a evasão de impostos seja muito prejudicial para a classe trabalhadora, para a classe alta resulta num negócio muito lucrativo, embora, paradoxalmente, são eles os que menos impostos pagam, já que se considera que é a classe que tem grandes capitais e, portanto, possibilidades de investir. Esta situação foi tão discutida que um dos maiores milionários dos Estados Unidos chegou a reclamar ante ao Congresso, que lhe cobrem mais impostos. Os paraísos fiscais têm, entre outros benefícios, a possibilidade de lavar dinheiro de procedência ilícita, que só seria possível sob os agradáveis segredos bancários que costumam conceder. 

O dinheiro sujo pode derivar tanto de atividades econômicas ilícitas como daquele que não é declarado ao fisco, tanto para a fuga da Justiça em termos criminais como para a evasão dos altos impostos. A problemática se origina quando o indivíduo acumula uma soma de dinheiro que não pode justificar e, portanto, utilizar livremente para o comércio.

Entre as formas de lavagem de dinheiro está o trabalho formiga, onde uma serie de indivíduos dividem diversas somas de dinheiro reduzindo-as a uma soma que não é registrada como suspeita e, portanto, o dinheiro pode ser utilizado sem necessidade de justificativas perante a Lei, devido à ausência de registros nesse tipo de transações. 

Esta grande vulnerabilidade provocou que, em 1998, a ONU realizasse o primeiro acordo para a luta contra de lavagem de dinheiro, estipulando os princípios jurídicos internacionais para a “luta” contra este delito, entendendo-o como um fenômeno inerente ao mundo atual. “A globalização liberal necessita os ‘paraísos fiscais’ como a família tradicional necessitava os prostíbulos, como compensação equilibrante dos matrimônios indissolúveis. A leitura do que são e de como é seu funcionamento fala muito mais sobre o capitalismo contemporâneo do que centenas de inócuos manuais de economia e finanças. ”[13]

Os paraísos fiscais são microterritórios ou Estados com legislação fiscal débil ou inexistente, que praticam a recepção anônima de capitais. “Essa lavagem, segundo o FMI, representa entre dois e 5% do PIB mundial. A metade dos fluxos de capitais internacionais transita ou reside nos ‘paraísos fiscais’, em um montante que oscila entre os seiscentos milhões e um bilhão e meio de dólares sujos que circulam nesses circuitos. Para se ter uma ideia do que significa esse montante, basta dizer que as dívidas públicas em todos os mercados internacionais chega a cinco bilhões de dólares.”[14] A evasão fiscal se vale dos centros chamados "offshore" ou bancos extraterritoriais, que atraem quem busca evadir o pagamento de impostos por suas fortunas. O conjunto de atividades dos paraísos se converteu em parte essencial do sistema econômico global.

Embora já esteja fora de moda falar do neoliberalismo e de suas tantas falácias, a desregulamentação do sistema econômico, financeiro e comercial se acentua. E como este fenômeno cai maravilhosamente bem aos políticos, empresários e criminosos, os requisitos que os organismos internacionais lhes propõem como limite são tão formais e costumam ficar nas listas paraísos de tão pouca relevância, que dá trabalho acreditar que as atividades de lavagem e evasão se resumam a paraísos como o de Nauru. Acontece que estes paraísos são o nicho no qual comparecem do mais rústico político regional de algum território colombiano, até a elite política do continente, com a manipulada forma que protegem da luz pública seus suntuosos dividendos, políticos milionários como o presidente chileno Sebastián Piñera e o candidato republicano maior competidor de Obama, o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney[15].

Em um contexto de crise, com um sistema monetário global sobrecarregado com a circulação de capitais, onde as moedas catalogadas como “fortes” (euro, dólar) não têm mais referências além das comparações entre si mesmas ou, em todo caso, sua representação virtual em bits; a generalização de práticas de lavagem de dinheiro e evasão de impostos, com a sobrevivência dos paraísos fiscais, denota um panorama de insegurança financeira, econômica e comercial, que se ampara em uma insegurança jurídica cada vez que os mecanismos internacionais criados para seu controle pecam por ineficácia, quando se simplificam as listas da OCDE em um momento de crise sistêmica e efervescência do narcotráfico na América Latina. 

A economia internacional entre o negócio das drogas e a lavagem de dinheiro 
Uma das grandes incógnitas é a quantidade de dinheiro gerado anualmente pelo tráfico ilícito de drogas (TID). O negocio do TID, é o segundo em movimento de capitais do mundo depois do petróleo, pelos lucros extraordinários que acumula. Segundo a ONUDC, sua comercialização gera cerca de 320 bilhões [16] de dólares anuais, com um mercado que anda pelos 200 milhões de consumidores em nível global. Esta economia gera “(…) 300 mil empregos para camponeses dos Andes sul-americanos que participam como provedores de matéria prima: coca (200 mil hectares), papoula (1,5 mil) e maconha (não menos de mil), que abastecem os mercados regionais e internacionais.” [17]

Como os dados da ONUDC e outras instituições resultam demasiado oficiais para refletir toda a realidade, se faz muito conveniente compará-los às cifras que maneja Daniel Estulin em um de seus livros sobre o Clube de Bilderberg, para conhecer a consideração de “(…) um especialista em lavagem de dinheiro que ostenta um alto cargo na agência do governo estadunidense encarregado de vigiar as transações internacionais de capital me disse uma vez (a Estulin) que ‘em números redondos deve tratar-se de uma soma de uns 590 bilhões de euros anuais livres de impostos’”[18] 

As cifras variam de 320 a 700 bilhões, dependendo da agência ou instituição que se consulte, a verdade é que todos manejam cifras multimilionárias que, obviamente, não entrariam no sistema monetário internacional sem a conivência dos políticos e empresários de maior influência global. Atendendo essa realidade podemos perceber que o dinheiro proveniente do TID desempenha um papel crucial no sistema bancário e monetário internacional, pois, como afirmara o ex-agente da LAPD Michael C. Ruppert, daí vem os papéis com os quais se realizam os “(…) ‘pagamentos mensais mínimos das grandes ações e das bolhas de derivados e de investimentos nos Estados Unidos e Grã Bretanha’ (…). Em 2000, o Le Monde Diplomatique estimou o total anual gerado pelo narcotráfico em uns 420 bilhões de euros.”[19] 

Mas ainda mais alarmante é a consideração de Caterine Austin Fitts editora do From The Wilderness que afirmou “(…) que esses 590 bilhões de euros gerariam transações econômicas seis vezes maiores que esse valor para branquear o dinheiro, de modo que o impacto real do negócio das drogas nas finanças internacionais se converteria em transações pelo valor de três trilhões e meio de euros.”[20]

Estas cifras milionárias geradas pelo TID interagem com o sistema comercial mundial, injetando com papeis ou bits, como pontua o professor Jorge Casals Llano; apoiando a especulação financeira e a lógica do capital com a concentração tanto das riquezas como de sua apropriação. Nesse sentido, a máfia atual continua a lógica de antigamente, aquela que compreende a sinergia do sistema, se adapta e participa no mesmo, não como seu contraponto, mas como seu suporte ilegal. Por isso vale a pena lembrar a famosa frase do gângster Al Capone ao ser acusado por evasão de impostos: “Isto é absurdo. Vocês não podem cobrar impostos sobre ingressos ilegais!”[21] 

Imaginemos então como se traduzem estes fundos nas bolsas de valores. Entendendo que nas bolsas se negociam ações, participação nos lucros, na rentabilidade de uma empresa, determinada pelas utilidades que reparte dita empresa. O chamado Carry Trade ou diferencial de rentabilidade esperada se alimenta de liquidez, proveniente do balanço das empresas, a reserva dos bancos centrais e os suspeitos grupos de capital privado. Neste sentido, os dinheiros que estão nos bancos centrais também estão em movimento, entendendo a concepção do capital como dinheiro que gera dinheiro.

Conjugando esta realidade com a participação do dinheiro proveniente do TID, se compreende melhor, como o “(…) valor das ações das empresas que cotizam em Wall Street se baseia em benefícios líquidos anuais. O sistema conhecido como bônus de benefício, faz que estes reflitam no valor da empresa cotada em bolsa multiplicado até por 30. Para empresas como o Chase Manhattan Bank (…) ter uns 10 milhões de euros em Benefícios líquidos adicionais derivados do tráfico de drogas suporia um incremento líquido no valor de suas ações em bolsa de até 300 milhões de euros.”[22] 

Outra das complexidades das operações de lavagem de dinheiro e dos paraísos fiscais no sistema econômico comercial atual é a presença de uma mais-valia virtual a partir de um lucro virtual, que se produz na esfera da circulação e não, como refletiram os clássicos, aquela mais-valia real, originando riqueza da produção. Aparecem os derivados financeiros, dado a ausência de uma mais-valia real. Esta chamada mais-valia virtual – como afirma o professor Casals - se produz essencialmente na esfera da circulação e é precisamente nessa esfera onde entram em jogo os dividendos obtidos pelo negócio ilícito das drogas e outros delitos conexos, por sua necessidade de ser lavados para poder entrar em circulação.

Definitivamente os bancos estadunidenses e, mais que os bancos, a elite empresarial, “aposta” com o dinheiro de todos, beneficiando-se em todo este processo da lavagem de dinheiro procedente do crime organizado, particularmente o relacionado com o TID.

Neste complexo entrelaçado entram em ação, como outro dos elementos prejudiciais que costumam dirigirem-se aos paraísos fiscais, os chamados Capitais Andorinha, caracterizados assim pela instabilidade da permanência do capital em um lugar. Este consiste em depósitos de capital efêmeros, ou seja, que se condicionam em curto prazo e com rendimentos muito variáveis, outorgando-lhe maiores possibilidades de mobilidade. Estes capitais viajam aos países ou regiões onde podem obter maiores lucros, de forma conjuntural, para depois dirigirem-se a outros que lhe ofereçam melhores condições. Desta maneira se assegura o não comprometimento com o destino dos países onde fizeram depósitos nem com as consequências que acarreta para os mesmos as características de suas atividades. 

Neste sentido, os capitais andorinha podem ser compreendidos como uma das tantas expressões negativas da globalização neoliberal da economia. Com isso percebemos outras das falácias de ver dogmaticamente correto aspectos como o investimento estrangeiro que, sem condicionamentos nem regulações financeiras e jurídicas que protejam os países onde se realizam, puderam beneficiar os interesses privados sobre o interesse nacional, o que aprofunda as relações de dependência e dominação historicamente ancoradas na relação dos EUA com a América Latina e o Caribe.

Por outro lado, os capitais andorinha depositados de maneira conjuntural e condicionada, podem produzir uma perigosa reavaliação na moeda local, prejudicando as condições de vida dos lugares onde fazem depósitos, unido a investimentos estrangeiros que, longe de ir à economia real, ao setor produtivo, vão para a obtenção de grandes lucros, durante o período em que os paraísos fiscais lhe ofereçam maiores possibilidades de evasão fiscal e outros nichos de lucros, para depois transferirem-se para outros lugares onde as vantagens comparativas que procuram sejam maiores; deixando prejudicada as economias dos países onde haviam feito depósitos. 

Os capitais andorinha, por sua vez, são capazes de produzir um aparente fortalecimento das moedas locais, produto da abundância de capital que podem mostrar conjunturalmente. Por isso, o emprego de regulações financeiras e jurídicas mais estritas, torna-se uma necessidade para dar maior estabilidade a estas economias e não expô-las acriticamente a este tipo de atividades e investimentos de capitais que estão muito longe de prover um desenvolvimento sustentável para os países latino-americanos e caribenhos onde se desenvolvem.

A desenfreada emissão de papel se “respalda” em ativos e por bancos que têm fidúcia, em outras palavras, confiança de que vão pagar. A compra de ativos pelo Banco Central costuma traduzir-se em um aumento da demanda interna, assim como a venda de ativos em sua diminuição. Nos Estados Unidos, onde um ente privado desempenha o papel de Reserva Federal, o financiamento da dívida pública Federal realizada por outros países (e atores) elevou-se para 14 trilhões de dólares. Portanto, um incremento da oferta monetária reporta um efeito expansivo sobre a economia. 

Nesta análise não deve perder-se de vista que o dólar, como divisa internacional, produz um descontrole na medida em que os Estados que a assumem, perdem uma determinação sobre a moeda, pelo que o preço de dita divisa se “determina”, além da relação entre oferta e demanda, pela rentabilidade esperada. A existência de uma desregulamentação do sistema financeiro internacional acentua todas estas problemáticas.

No preço do dólar (taxa de cambio) ou o preço do dinheiro (taxa de juros), influem múltiplos fatores, mas em geral, os mecanismos são de mercado, portanto de oferta e demanda, embora haja instrumentos que podem manipular o banco central (Reserva Federal) para influir sobre eles como são a taxa de juros e a emissão monetária.

A lavagem de dinheiro contribui para a inflação quando há excesso de liquidez (excesso de dinheiro em circulação). Quando há excesso de dinheiro em circulação se contribui à inflação porque indica que há uma maior demanda de bens e serviços e não tem uma correlação na oferta deles, o que pode produzir um repentino incremento dos preços, devido a que a oferta não cobre a demanda.

O excesso de moeda em circulação, inflado também pelos dividendos provenientes do lucrativo negócio da lavagem de dinheiro, contribui também para a inflação, (excesso de liquidez). Isso deve ser visto tendo em conta que, no geral, quando os bancos baixam a taxa de juros injetam dinheiro em circulação, traduzindo-se em uma política monetária expansiva. Para isso há múltiplos mecanismos, que podem ir de subir diretamente a taxa de juros, imprimir mais dinheiro ou reduzir o encaixe legal.

Uma das falácias sobre a lavagem de dinheiro e o TID, consiste em compreender estas atividades como a solução divina para o desenvolvimento repentino das economias latino-americanas e do Caribe. O mito é derrubado quando percebemos que a maior parte do dinheiro proveniente do crime organizado transnacional que opera na região costuma dirigir-se aos Estados Unidos; alentados pela aspiração do american way of life, inspirados em uma concepção do bem viver que está mais enfocado à pacha Miami que à Pacha Mama (mãe-terra – n.t.). 

Os Estados Unidos, como país que concentra as riquezas dos narcotraficantes, já não é só um paradigma cultural, mas também seus bancos e sucursais são reconhecidos pelo crime organizado como um bom destino para seus dividendos. É ali onde se concentra parte importante das riquezas extraídas da América Latina, reproduzindo-se a lógica de dependência e dominação que precede a romântica relação entre o norte e o sul americano. “Estima-se que, só nos Estados Unidos, os lucros que alcançam estes delitos ascendem à cerca de US$ 275 bilhões, excluído a evasão fiscal.”[23]

Desta forma, os Estados Unidos da América do Norte e, em particular, o sul da Flórida, resulta especialmente atrativo para que o crime organizado gaste seus lucros em uma economia de serviços, que se adapta perfeitamente aos interesses de lavagem e investimento destes setores. 

Destes “lucros”, o que chega às economias latino-americanas é um (muito deprimido) por cento, o que, não obstante, consegue atrair amplos setores rurais e urbanos que participam em algumas fases do negócio por pequenas comissões, diante da difícil situação socioeconômica que vivem estes países. 

A concepção do Estado nacional em sua versão original vai se perdendo quanto ao interesse econômico. Os lucros dos negócios ilícitos da droga e outros delitos conexos fluem de toda a América Latina e Caribe para os EUA; correndo a favor dos interesses do grande capital transnacional. “Se tempos houve na história nos quais o estado regulador, mediante sua intervenção, podia paliar os ‘efeitos não desejados’ do ‘livre jogo’ da oferta e da demanda nos mercados, hoje não existe estado no mundo que possa ‘regu¬lar’ a atuação das grandes empre¬sas transnacionais, algumas delas com maior força econômica do que continentes inteiros.”[24]

Os países latino-americanos dependentes, após séculos de colonialismo e deformação estrutural de suas economias, distraídos ideologicamente pela influência e hegemonia cultural estadunidense, costumam reconhecer como alternativa contra a crise atual a “atrativa” tríade do negócio das drogas, da lavagem de dinheiro e dos paraísos fiscais. Entretanto, ao realizar-se uma análise profunda sobre estes fenômenos, observa-se que esses países não fazem mais do que diluir a região entre a narco-economia e a dominação perpétua do império estadunidense, desta vez através de um negócio ao qual comparecem extraindo os maiores benefícios para sustentar o sistema, limpar os grandes volumes de dinheiro sujo, e para amparar as falácias do sistema capitalista mundial.

De maneira geral, a lavagem de dinheiro aumenta e o incremento das apreensões de drogas de alguns países da América Latina não faz mais que evidenciar a perpetuidade do negócio.

O “narcotráfico” ameaça a estabilidade da região, por sua relativa funcionalidade para desempenhar a função de colchão dos países mais pobres, sobre os efeitos da crise econômica global, representando um por cento consideráveis do PNB, assim como pelas fontes de emprego que gera. Da mesma forma, foram acolhidos por empresários em declínio para recapitalizar suas finanças.

Por outra parte, as economias latino-americanas, desmoralizadas diante do auge de práticas ilegais de comércio, acodem a um processo alienante, reconhecendo-se já não só no norte, mas também no sul, a presença de fenômenos mórbidos – nas palavras de Gramsci - em uma época de crise do sistema mundial. Por isso, independentemente das teorias de Francis Fukuyama em seu dilema do fim ou, mais recentemente, do futuro da história, o que certamente estamos presenciando não é uma época de mudanças, mas uma mudança de época, onde a homogeneidade e a unipolaridade deram lugar a sistemas mais complexos que não se pode compreender sem a consideração de todos os atores que nele confluem.

Resulta então, a análise da lavagem de dinheiro, dos paraísos fiscais e do negócio das drogas, processos estreitamente relacionados que ganham espaço, dentro desse grande sistema econômico, comercial e financeiro em escala mundial.

Este processo desmoralizador começa pela economia, mas se expande ao espectro político, social e cultural de um mundo globalizado e, ainda que já não esteja muito na moda, reformado sob a tutela teórica do neoliberalismo, em uma crise multidimensional da qual o sistema capitalista não acaba de achar saída e acode para sua permanência, a fenômenos mórbidos como o crime organizado transnacional associado ao delito de TID, a lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais no “novo mundo”.

Não por gosto Galeano expressou em sua paradigmática obra As Veias abertas da América Latina: “A economia mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado” [25]. Evidentemente esta ideia não só continua vigente, mas se acentua em nossa realidade. Quando as economias latino-americanas se veem mais dependentes do sistema econômico global e as crises originadas pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais, costumam ser mais sentidas nos países do chamado Terceiro Mundo; vale a pena aproximar-se ao mundinho dos paraísos fiscais e seguir – à maneira de Walter Martínez - a rota do dinheiro, que quase sempre ajuda a elucidar melhor quem são os autores intelectuais do que acontece hoje com o crime organizado transnacional, a lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais, que tanto corrói o “novo mundo” americano.

Conclusões 

Os paraísos fiscais, a lavagem de dinheiro e o alto tráfico ilícito de drogas existente no continente denotam, no atual contexto de crise econômica global:

Fracasso do sistema de regulação financeira.

Expressão da crise sistêmica e multidimensional do sistema capitalista neoliberal.

Outra manifestação da crise da hegemonia dos Estados Unidos sobre a América Latina.

A crise de credibilidade dos EUA em um contexto onde a Internet, as novas tecnologias e as redes sociais online, dão maior liberdade de informação. 

Vulnerabilidade institucional dos organismos internacionais, ao serem permitidos grandes montantes de lavagem de capitais do crime organizado transnacional, assim como um alto índice de evasão de impostos.

A existência e internacionalização de problemas de segurança como o tráfico ilícito de drogas, os paraísos fiscais e a consequente lavagem de dinheiro, é injetada pelos Estados Unidos e, por sua vez, reporta enormes benefícios à luta contra estes males, como pretexto para outras guerras imperiais que alimentem seu insaciável Complexo Militar Industrial.

A permanência dos problemas associados à lavagem de dinheiro e aos paraísos fiscais pode ser comparada a um câncer do sistema capitalista imperial que necessita do crime organizado transnacional para manter as bolhas financeiras e os estrepitosos índices de movimento de capitais só respaldados, que só são possíveis de respaldar, pela criminalidade internacional e seu poder para emitir papéis e bits em eurodólares.

A fraude fiscal, que os paraísos fazem possível, afeta as políticas sociais, produto da evasão de impostos da qual, se supõe, saem parte dos fundos para esse tipo de medidas.

A lavagem de dinheiro e os paraísos fiscais afetam diretamente um setor tão sensível e importante da sociedade como a classe média.

O sistema de listas da OCDE funciona mais como biombo público que como barreira contra a evasão de impostos e a lavagem de dinheiro.

Além das notícias de crônica vermelha e das políticas antidrogas do império, existe um interesse econômico, financeiro e comercial sobre o frondoso montante de capitais que gera o dito negócio.

No contexto de crise global, quando os cortes orçamentários se aprofundam em vários países, são afetados os organismos tributários e a luta contra a evasão. 

Os bancos norte-americanos se beneficiam em todo este processo da lavagem de dinheiro procedente do crime organizado, particularmente o relacionado com o TID.

Cenários mais prováveis

Nos países com maiores atividades de TID e outros delitos conexos, a corrupção vulnerabiliza o setor bancário em busca de meios para lavar dinheiro, com a participação de funcionários de entidades públicas ou privadas. Isso acentuará a relação existente entre a corrupção e o TID, a qual não é exclusiva dos países pobres. 

A guerra dos cartéis na luta contra o governo supera a capacidade de algumas instituições dos países subdesenvolvidos para enfrentar este fenômeno, o que justificará a penetração das forças das potências ocidentais e dos contratados a seu serviço. 

A corrupção será estimulada pelos lucros do TID, o que possibilitará a influência política dos cartéis, tanto em conseguir corromper funcionários e políticos, como em colocar algumas de suas figuras nos altos escalões governamentais. 

(*) Alejandro L. Perdomo Aguilera é investigador cubano do Centro de Investigaciones de Política Internacional. 

NOTAS

[1] Al Capone ou Scarface, por sua cicatriz no rosto (1899-1947), foi um gângster estadunidense de origem italiana, que fez fortuna na época da proibição da venda de álcool. Foi acusado de evasão de impostos em 1931 e condenado a 11 anos de prisão, sendo libertado em 1939. 

[2] Jesús Arboleya Cervera: La ultraderecha cubano-americana de Miami. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 2000, p. 24. 

[3] Jesús Arboleya Cervera: Ob; cit., p. 23. 

[4]A Lista cinza da OCDE é composta pelos países considerados centros financeiros que se comprometeram em adotar os padrões combinados internacionalmente em matéria fiscal, os países considerados centros financeiros que dizem adotar os parâmetros internacionais estabelecidos em matéria fiscal, mas que na prática não o realizaram.

[6]Xavier Caño Tamayo. Impunes e famosos defraudadores fiscais. Em: http://www.ellibrepensador.com/2012/01/07/impunes-y-famosos-defraudadores-fiscales

[7] Los paraísos fiscales. En: http://www.muchapasta.com/b/paraisos%20fiscales/Listado%20de%20paraisos%20fiscales.php

[8] Lista de paraísos fiscais. La classificação oficial da OCDE. Em: http://www.paraisos-fiscales.info/lista-paraisos-fiscales.html 

[9] Uruguai já não é paraíso fiscal (segundo a OCDE). Em: http://paraisos-fiscales.info/blog 

[10] lista de paraísos fiscais, a classificação oficial da OCDE. Em: http://www.paraisos-fiscales.info/lista-paraisos-fiscales.html 

[11] Guido Braslavsky. Xeque aos Paraísos fiscais. Os paraísos fiscais ocultam um terço de todos os fundos do sistema bancário mundial. 

[12] Os paraísos fiscais são refúgios de delinquentes. Em: http://www.abc.com.py/nota/los-paraisos-fiscales-son-refugios-de-delincuentes-1918

[13]Emir Sader. "Paraísos fiscais": Prostíbulos da globalização. Em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=1329 

[14]Ídem

[15] Mitt Romney resistiu em expor os dados de sua declaração de renda, explicando que as autoridades ficam com cerca de 15% de seus ganhos anuais, o que resulta bem discreto se considerarmos que a fortuna de Romney oscila entre 150 e 200 milhões de euros. Veja-se em: Mitt Romney afinal disse… paga poucos impostos. Tomado de: http://www.cubadebate.cu/noticias/2012/01/17/mitt-romney-por-fin-lo-dijo-paga-pocos-impuestos

[16] Véase: Word Drug Report de 2011. En: http://www.unodc.org/documents/southerncone//Topics_drugs/WDR/2011/Executive_Summary_-_Espanol.pdf.

[17] Ricardo Soberón. As tendências do narcotráfico na América Latina. Em: www.tni.org

[18]Daniel Estulin. Os segredos do Clube de Bilderbeg. www.apitox.es/docs/Los_Secretos_Del_Club_Bilderberg.pdf, p. 77. 

[19]Idem

[20]Idem

[21] Resumen – Lavagem de Dinheiro. Em: http://www.irs.gov/espanol/article/0,,id=238185,00.html

[22]Daniel Estulin. Os segredos do Clube de Bilderbeg. Em: www.apitox.es/docs/Los_Secretos_Del_Club_Bilderberg.pdf, p. 77. 

[23] Drogas, joias e dinheiro: O trabalho do FMI contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Em: http://blog-dialogoafondo.org/?p=1029 

[24] Jorge Casals Llano. A crítica ao “capitalismo selvagem”. Em: Semanario Manos, Junio 1999.

[25] Eduardo Galeano. Las venas abiertas de América Latina. Montevideo, El Chanchito, 1987, p. 438.