Por Fred Goldstein
O
movimento “Occupy Wall Street” (OWS) fez da desigualdade na sociedade
capitalista uma questão que pôs os ricos na defensiva, pelo menos em
público. O aumento da desigualdade nos últimos 30 anos e especialmente
na última década tem sido comentado ao longo dos anos em vários meios
por analistas económicos e mesmo alguns políticos. Contudo, antes do
movimento “Occupy Wall Street” levantar o slogan do 1% contra os 99%,
esta condição era completamente pacífica e meramente observada como um
inevitável facto da vida, mesmo que indesejável (a menos que se
pertencesse ao 1%).
As desigualdades que deram ao OWS o seu grito de guerra são verdadeiramente obscenas e reminiscentes do fosso entre os monarcas da velha ordem e os servos camponeses.
Por um lado, 50 milhões de pessoas
vivem de senhas de refeição, 47 milhões são oficialmente pobres, metade
da população é classificada como pobre [i], 30 milhões são
desempregados ou subempregados e dezenas de milhar de trabalhadores
vivem com baixos salários.
Por outro lado, de 2001 a 2006, os
1% do topo conseguiram 53 cêntimos de cada dólar de riqueza criada. De
1979 a 2006, o décimo superior dos 1% (0,1%, ou seja 300 mil pessoas)
conseguiu mais do que os outros 180 milhões de pessoas [ii]. Em 2009,
enquanto os trabalhadores estavam ainda a ser dispensados em grande
número, os executivos das 38 empresas mais importantes ganhavam um total
de 140 mil milhões de dólares.[iii]
Estes números são apenas um
reflexo da vasta desigualdade de rendimentos entre por um lado os
banqueiros, os corretores e os exploradores das corporações e a massa de
pessoas por outro. Tornou-se um escândalo, mas ninguém mexeu uma palha
para fazer nada contra isto. Por isso, o movimento “Occupy Wall Street”
começou a luta em nome dos 99% contra os 1%. E pegou como fogo.
Como a força motriz fundamental do
movimento é a luta contra a obscena desigualdade de rendimentos, os
marxistas devem apoiá-lo e participar totalmente na luta. Mas, o
marxismo deve também estudar esta questão e dar-lhe uma interpretação de
classe.
Podemos começar por perguntar o seguinte: o que significa lutar contra a obscena desigualdade da riqueza?
Significa certamente lutar por
impostos para os ricos, usando o dinheiro para ajudar os trabalhadores e
os oprimidos a sobreviverem à dureza económica do capitalismo. Ao fim e
ao cabo, ser desempregado torna um trabalhador tão desigual quanto é
possível sê-lo no capitalismo.
Igualdade dentro da classe operária e desigualdade entre classes
Normalmente, quando pensamos em
lutar pela igualdade económica, pensamos na luta de ação afirmativa pelo
emprego dos negros, dos latinos, dos asiáticos e dos povos nativos. A
luta pela igualdade compreende lutar por salário igual e condições de
trabalho iguais às dos brancos.
Implica também lutar por pagar
igual por trabalho igual às mulheres trabalhadoras, isto é, terem o
mesmo salário dos homens para trabalho comparável. E a luta pela
igualdade inclui a luta pela garantia de igualdade económica entre
trabalhadores normais e lésbias, gays, bi- ou transsexuais ou travestis.
Pedir a igualdade entre os
trabalhadores imigrantes e sem documentos e os trabalhadores nascidos
nos EUA, especialmente brancos, é uma componente essencial na construção
da solidariedade e do avanço da luta de classe de todos os
trabalhadores.
De facto, a luta pela igualdade
económica dentro da nossa classe e entre oprimidos e opressores é
fundamental para aumentar a solidariedade contra os senhores.
Desigualdade e divisão no interior da classe trabalhadora é tanto um
problema económico, como um perigoso problema político. Quebra a
solidariedade e dá força aos patrões e ao seu governo.
Mas, o problema da desigualdade
económica global na sociedade capitalista não é fundamentalmente um
problema de desigualdade no interior da nossa classe ou entre a classe
média e a classe trabalhadora. O problema fundamental da desigualdade
massiva é a desigualdade entre a classe dominante capitalista e todas as
outras classes, principalmente a classe trabalhadora multinacional.
A desigualdade entre a classe
trabalhadora e a classe capitalista está embutida no sistema e está na
raiz da questão. A chamada “excessiva” desigualdade entre a classe
dominante e o resto da sociedade está constantemente sob ataque, como
deve estar. Mas a desigualdade geral entre a classe dominante e todas as
outras classes é tida como natural e raramente questionada.
Desigualdade genética do capitalismo
Esta é devida à maneira como o
rendimento é distribuído no sistema do lucro. O rendimento da classe
capitalista vem do trabalho não-pago dos trabalhadores sob a forma de
lucro ou mais-valia. Tudo o que é criado pelos trabalhadores pertence
aos patrões. E tudo o que é criado pelos trabalhadores contém tempo de
trabalho não-pago. Os patrões vendem os bens e serviços e obtêm dinheiro
pelo tempo de trabalho não-pago dos trabalhadores – é isso o lucro.
Guardam parte para si próprios e enriquecem. A outra parte é reinvestida
de modo a se tornarem mais ricos no próximo ciclo de produção e venda.
O rendimento dos trabalhadores,
pelo outro lado, vem da venda da sua força de trabalho ao patrão,
explorador. Os trabalhadores recebem vencimentos ou salários dos
patrões. A quantia mantém-se sempre algures dentro da gama do que é
necessário para sobreviver. Alguns trabalhadores são pagos um pouco
melhor e podem dispor de um certo grau de conforto. Muitos
trabalhadores, cada vez mais hoje em dia, conseguem apenas o suficiente
para viverem uma vida de austeridade, enquanto outros dificilmente
conseguem o suficiente para sobreviverem. Os salários no capitalismo são
basicamente o que custa a um trabalhador subsistir e manter a família,
de modo que os patrões tenham garantida a próxima geração de
trabalhadores para explorarem.
Os salários dos trabalhadores
ficam sempre dentro de uma estreita gama, quando comparados com o
rendimento dos patrões. Nenhum trabalhador consegue alguma vez ficar
rico contando com o seu salário, mesmo que bem pago. Mas, a classe
capitalista como um todo fica automaticamente mais rica, mesmo que
alguns capitalistas individualmente saiam dos negócios e sejam
engolidos. Os patrões reinvestem continuamente o seu capital e mantêm
vivo o processo em curso de exploração de cada vez mais trabalho.
Os patrões deixam a sua riqueza
pessoal aos filhos, assim como o seu capital. Os descendentes, em regra,
tornam-se cada vez mais ricos de geração para geração, enquanto os
trabalhadores deixam aos filhos as suas magras posses de geração para
geração. Os trabalhadores têm de lutar para manterem o que têm através
dos altos e baixos das crises capitalistas e do desemprego cíclico.
Como alcançar a igualdade social e económica nestas circunstâncias?
Neste contexto, para o movimento
OWS e todos os outros que sejam pela igualdade genuína, surge a questão
de saber por qual igualdade exatamente estão a lutar. Se o objetivo
final é a reforma do código fiscal, ou a redução do financiamento
empresarial na política, ou a regulação da classe capitalista predadora e
dos banqueiros avarentos, então o objetivo final limita-se a uma luta
por uma forma de desigualdade menos obscena.
Trata-se certamente de um objetivo
progressista e deve ser sempre prosseguido como meio de aliviar os
trabalhadores e a massa do povo em geral. Mas, seja qual for a maneira
de o fazer, se se limita a luta contra a desigualdade a mantê-la no
quadro do capitalismo, isso significa lutar por menos desigualdade, mas
também por mantê-la e consenti-la. O sistema de exploração de classe
gera a extrema desigualdade entre classes.
Distribuição da riqueza e capitalismo
O facto é que a desigualdade na
distribuição é um resultado do sistema de produção pelo lucro. Ora,
conforme os marxistas mostram, as relações de distribuição decorrem das
relações de produção. O que determina a distribuição da riqueza social é
a propriedade privada dos meios de produção e serviços. Nenhuma
redistribuição da riqueza no capitalismo, quer através de despesa
estatal, quer de acordos com sindicatos ou qualquer outro método,
consegue ultrapassar a desigualdade de classe que resulta do direito dos
capitalistas a possuírem não só os meios de produção, como todos os
produtos da produção.
Neste sentido, é útil uma análise
escrita por Karl Marx em 1847. Marx tentava desmontar o argumento de que
o trabalho e o capital têm um interesse comum no crescimento do
capitalismo. O ensaio “Trabalho assalariado e capital” foi escrito com
base em lições a trabalhadores alemães com consciência de classe que
primeiro conseguiram organizar-se. Escreveu Marx:
“Vimos portanto que mesmo a
situação mais favorável para a classe operária, designadamente o mais
rápido crescimento do capital, por muito que melhore a vida material do
trabalhador não elimina o antagonismo entre os seus interesses e os do
capitalista. Lucro e salário continuam como antes em proporção inversa.
“Se o capital cresce rapidamente,
os salários podem crescer, mas o lucro do capital cresce
desproporcionadamente mais depressa. A posição material do trabalhador
melhorou, mas à custa da sua posição social. O abismo social que o
separa do capitalista alargou-se.
“Finalmente dizer que ‘a condição
mais favorável para o salário-trabalho é o crescimento mais rápido do
capital produtivo’ é o mesmo que dizer: quanto mais depressa a classe
trabalhadora multiplicar e aumentar o poder do seu inimigo e a riqueza
de quem reina sobre a sua classe, mais favoráveis serão as condições sob
as quais será permitido lidar com a multiplicação da riqueza burguesa e
com o aumento de poder do capital, contentando-se assim com forjar para
si as cadeias douradas pelas quais a burguesia a arrasta no seu
caminho.” (Marxist Internet Archive).
Muito do ensaio de Marx é dedicado
a mostrar que, independentemente das condições relativas de que os
trabalhadores dispõem no sistema de exploração capitalista, quer sejam
mais bem ou menos bem pagos e mesmo quando estão em boa posição negocial
porque o patrão precisa deles para continuar a aumentar a produção, os
trabalhadores perdem constantemente terreno em relação aos capitalistas,
cuja riqueza aumenta imensamente. Por isso, está inscrito no próprio
sistema de exploração o aumento sistemático da desigualdade entre as
classes. Além disso, a classe trabalhadora está na melhor das hipóteses
limitada para sempre a tentar “forjar as cadeias douradas pelas quais a
burguesia a arrasta no seu caminho.”
Marx então continua, mostrando que
a chamada prosperidade dos trabalhadores é uma mentira, porque os
patrões utilizam todos os meios para baixarem os ordenados, mesmo nos
chamados “bons tempos”
O capitalismo na era da revolução
técnico-científica e da globalização imperialista expandiu-se e evoluiu
por saltos e descontinuidades desde os tempos de Marx. As classes
trabalhadoras dos países imperialistas estão num caminho descendente,
com os salários a baixar. Estão a perder terreno não só em termos
relativos, mas também absolutos.
Os trabalhadores já não progridem
nem lentamente no seu modo de vida, enquanto os capitalistas continuam
em frente. Os salários estão a baixar. As condições estão a piorar. Os
patrões arquitetaram uma competição salarial mundial entre os
trabalhadores nos centros do capitalismo e as centenas de milhões de
trabalhadores dos países de baixos salários. Os patrões usaram a
deslocalização associada à tecnologia e à exploração dos trabalhadores
imigrantes para promoverem esta competição. O exército global de reserva
de desempregados e subempregados aumentou para centenas de milhões. Os
trabalhadores estão sob pressão em todos os continentes.
Nos EUA, os salários têm descido
desde os anos setenta (Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class
& the Fading American Dream” – “Desigualdade, a Classe Média e o Fim
do Sonho Americano”). A grande desigualdade que vemos hoje resulta do
declínio absoluto dos salários. A parte de leão da nova riqueza vai para
os financeiros e os donos das corporações em quantidades crescentes de
mais-valia (trabalho não-pago) sob a forma de dinheiro.
É urgente procurar inverter o
declínio absoluto das condições do proletariado e dos oprimidos. A luta
contra o aumento obsceno da desigualdade tem que continuar e crescer.
A riqueza das empresas cria riqueza pessoal extrema
A riqueza das empresas cria riqueza pessoal extrema
É importante notar que a obscena
desigualdade no rendimento pessoal não é nada comparada com a riqueza
das empresas, controlada não pelos 1% mas pela pequena fração deles que
se sentam nos gabinetes de diretor dos bancos e das gigantescas
corporações transnacionais. Foi a isto que Lenine chamou capital
financeiro – o pequeno grupo de grandes empresas que controlam biliões
de riqueza empresarial e a maior parte da produção da riqueza mundial.
Um estudo recente mostra que 147
corporações dominam 40% da riqueza empresarial mundial” (“Financial
world dominated by a few deep pockets,” “O mundo financeiro dominado por
alguns bolsos cheios,” ScienceNews, 24 Set., 2011). A propriedade
privada e o controle de uma vasta riqueza financeira e empresarial pelo
topo da classe dominante são o que está por detrás da imensa riqueza
pessoal concedida aos administradores da lista dos 500 da Fortune e aos
ricaços mundiais (grandes administradores e grandes acionistas do
capital e da finança).
A questão é então: vamos parar a
luta para a redução da desigualdade no capitalismo, vamos lutar para
ajudar a forjar as “cadeias douradas” com as quais o capital arrasta o
trabalho, ou vamos levar a luta contra a desigualdade até às últimas
consequências e lutar para quebrar as cadeias da dominação de classe de
uma vez? A desigualdade entre classes só pode ser abolida libertando-nos
da classe capitalista de uma vez e do sistema de exploração sobre o
qual toda a obscena riqueza está erigida.
[i] “Census data: Half of U.S.
poor or low income,” [“Dados do censo: metade dos americanos são pobres
ou de baixo rendimento”] Associated Press, Dez. 15.
[ii] Jacob S. Hacker e Paul Pierson, “Winner-Take-All Politics” [“A política do quem-ganha-apanha-tudo”] (New York: Simon & Schuster, Kindle Edition, 2010), p. 3.
[iii] Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream,” [“Desigualdade, a Classe Média e o Fim do Sonho Americano”] Economy in Crisis online, Fev. 12, 2011.
Próxima 2ª Parte: Como a natureza da distribuição da riqueza decorre do modo de produção e Controle da riqueza empresarial: a fonte de riqueza pessoal extrema.
Extraído do anexo do próximo livro “Capitalism at a Dead End” [“O Capitalismo num Beco sem Saída”] de Fred Goldstein. Goldstein é também autor de “Low-Wage Capitalism” [“Capitalismo dos Pobres”]
[ii] Jacob S. Hacker e Paul Pierson, “Winner-Take-All Politics” [“A política do quem-ganha-apanha-tudo”] (New York: Simon & Schuster, Kindle Edition, 2010), p. 3.
[iii] Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream,” [“Desigualdade, a Classe Média e o Fim do Sonho Americano”] Economy in Crisis online, Fev. 12, 2011.
Próxima 2ª Parte: Como a natureza da distribuição da riqueza decorre do modo de produção e Controle da riqueza empresarial: a fonte de riqueza pessoal extrema.
Extraído do anexo do próximo livro “Capitalism at a Dead End” [“O Capitalismo num Beco sem Saída”] de Fred Goldstein. Goldstein é também autor de “Low-Wage Capitalism” [“Capitalismo dos Pobres”]
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