Brasil - Blog Greenpeace
- Falar sobre Belo Monte desencadeia revolta. Falar sobre Belo Monte
provoca incerteza. Falar sobre Belo Monte gera dor. Em um determinado
momento, torna-se impossível falar sobre Belo Monte sem verter lágrimas.
Com a voz embargada, Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo
para Sempre, é a personalização desse momento delicado em que vive a
região de Altamira, situada no Pará, aonde está sendo erguida a terceira
maior hidrelétrica do mundo, Belo Monte, atrás apenas da chinesa Três
Gargantas, e Itaipu, que fica na divisa do Brasil e Paraguai.
Além
de ser um dos expoentes desta luta que se arrasta por mais de 20 anos, a
vida de Antonia será diretamente afetada pela obra: ela faz parte da
triste estimativa de que 30 mil a 40 mil pessoas terão de deixar seus
lares porque serão alagados quando as barragens estiverem em pé.
Por mais de duas horas tivemos o privilégio de conversar com Antonia e
Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi (Conselho
Indigenista Missionário). Estas duas proeminentes lideranças
transformaram os protestos contra Belo Monte sua razão de vida, ou mais
precisamente, de sobrevivência.
Ver lá do alto a magnitude dos três canteiros de obras de Belo Monte
deixa evidente o rastro de destruição que ela já está provocando.
Árvores e mais árvores no chão ou jogadas no rio Xingu, madeireiras
espalhadas pela obra, enormes quantidades de terra sendo removidas, um
canal sendo construído, o primeiro barramento, o frenesi de inúmeros
caminhões, escavadeiras, tratores.
A floresta chora. Com ela também chora seu povo, isolado, sozinho,
ignorado. E Antonia enfatiza: "Estas pessoas, ao longo de todo este
tempo, não receberam um benefício sequer, não tiveram um direito
garantido. É o total abandono."
O silêncio do governo Dilma Rousseff é contundente. Tem se omitido
por não ter realizado as oitivas indígenas nas aldeias impactadas e
ignora as críticas que tem sofrido de organismos internacionais.
Brasília já foi interpelada pela OIT (Organização Internacional do
Trabalho); pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que faz
parte da OEA (Organização dos Estados Americanos), e também pelo MPF
(Ministério Público Federal).
O CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte) e os burocratas do setor
elétrico da capital federal adotam uma postura típica da época nos anos
de chumbo da ditadura militar, na avaliação de Dom Erwin e Antonia. Ou
seja, não há diálogo com os movimentos sociais e com os atingidos. "O
que há é um monólogo. Os indígenas estão sendo esquecidos neste
processo, assim como os ribeirinhos, os quilombolas, os extrativistas,
os moradores das cidades do entorno˜, critica o bispo.
E o presidente do Cimi vai mais longe: a estratégia dos responsáveis
pela construção da usina é deixar de informar o povo, criar uma certa
expectativa de que as coisas serão feitas. Com isso, o objetivo é cortar
a resistência. Matar pelo cansaço. Tal expediente tem dado resultado. O
próprio Dom Erwin se viu obrigado a afastar-se de algumas pessoas pois
foram cooptadas. Acabaram mudando de lado. Quase toda casa de Altamira
tem alguém direta ou indiretamente ligado à construção de Belo Monte.
Delicada também é a situação das condicionantes ambientais e sociais
que deveriam estar sendo cumpridas pelo construtor. Chegam a ser mais de
100, entre as licenças prévia, provisória e de instalação. De acordo
com Antonia, "até o momento, nenhuma condicionante saiu do papel para o
povo. O que tem saído são convênios entre prefeituras, como se fosse uma
moeda de troca. Mas para o povo, nada."
Enquanto a obra vai sendo erguida rapidamente, os impactos sociais já
estão sendo sentidos. Prevê-se que em três anos a população passará dos
atuais 109 mil habitantes para 200 mil. Altamira vive o boom da
construção civil, e assim, a extração de areia no Xingu não para. Está
difícil encontrar pedreiros.
Tal migração tem inflacionado os preços dos imóveis e até da comida.
Está muito caro comer e morar em Altamira. A população sofre com a falta
de hospitais e escolas. Saneamento básico é artigo de luxo e doenças
como diarreias e verminoses se alastram.
O discurso dominante que foi montado para justificar Belo Monte é de
que ela levaria desenvolvimento regional, que a Transamazônica seria
asfaltada, que finalmente Altamira teria uma infraestrutura à altura das
necessidades de seus habitantes. "Onde está esse desenvolvimento que eu
não vejo?", questiona Dom Erwin. "Na minha concepção, desenvolvimento é
colocar o ser humano no centro da questão. E isto não está acontecendo
aqui", observa.
Paulatinamente, os conflitos vão se acirrando. Dom Erwin saia da Prelazia apenas com seus guarda-costas. Antonia, o jornalista Ruy Sposati
– que tem sido ameaçado e perseguido – e mais outras duas pessoas do
Movimento Xingu Vivo para Sempre estão proibidas de se aproximarem dos
canteiros.
A ação de interdito proibitório concedida pela justiça do Pará ao
CCBM estabelece que os quatro estão sujeitos a receber uma multa de 100
mil reais caso causem "qualquer moléstia à posse." Esta reação aconteceu
após uma greve de 7 mil funcionários da usina no fim de março. Na
acusação dos advogados de Belo Monte, eles incitaram a paralisação.
Entretanto, o estado se faz presente somente por meio do emprego da
força e da repressão. Os idealizadores da usina exigem que a Força
Nacional de Segurança e a Polícia Militar garantam a proteção das obras e
dos funcionários. "Nosso direito de ir e vir está sendo violado",
resume Dom Erwin.
Fonte: http://www.diarioliberdade.org/
Nenhum comentário:
Postar um comentário