domingo, 25 de março de 2012

Entre a crise econômica e as lutas e revoluções

Escrito por Alejandro Iturbe   
 Um mundo convulsionado
 
 Este ano, a situação mundial pareceu “se acelerar” pela combinação entre os sintomas evidentes da continuidade da crise econômica internacional aberta em 2007, um avanço nos processos da luta de classes (especialmente no mundo árabe e na Europa) e a crise política na condução do imperialismo norte-americano.
 
Ao analisar a situação mundial, é evidente que 2011 não está sendo um ano “tranquilo”. Pelo contrário, fatos muito importantes ocorrem em tal velocidade (as revoluções no mundo árabe, por exemplo) quando já surgem outros, como as crises de pagamento de vários países e as lutas de resistência na Europa. E, sem solução de continuidade, a crise entre democratas e republicanos nos EUA, colocando este país à beira do default e provocando um grande “ataque de nervos” em todo o sistema financeiro mundial, que já estava bastante “sensibilizado”.
 
Nenhum desses eventos é fruto da “casualidade”. Tampouco o fato de que ocorram de forma simultânea. Pelo contrário, eles (e sua combinação) são o resultado das profundas contradições econômicas e políticas acumuladas pelo capitalismo imperialista nas últimas décadas, exacerbadas pela crise econômica internacional e pela luta de classes.
 
Configura-se, assim, o que chamamos de “situação revolucionária mundial”, cujos aspectos centrais apresentaremos de forma resumida neste artigo.
 
Um debate prévio
 
É necessário retomar previamente alguns aspectos de um debate que vem desde a década de 1990: qual foi o saldo, para a situação mundial, da queda da URSS e da restauração do capitalismo nos chamados países do “socialismo real”?
 
Em primeiro lugar, assinalamos que, para a LIT-QI, a restauração do capitalismo ocorreu antes da derrubada dos regimes stalinistas em muitos desses países. Por exemplo, na ex-URSS, o capitalismo foi restaurado a partir de 1986, sob a direção de Mikhail Gorbachev e do Partido Comunista, e o regime stalinista só caiu em 1990.
 
Ou seja, foi a burocracia stalinista que restaurou o capitalismo e não as mobilizações de massas contra esses regimes, que ocorreram anos após a restauração. Inclusive, em vários países (China, Coreia do Norte, Cuba), o capitalismo foi restaurado, também pelos PCs como na ex-URSS, sem que esses regimes caíssem. Essa sequência temporal vai contra a tese do “triunfo histórico do capitalismo” (defendida por seus propagandistas) e da “derrota histórica das massas” da qual levariam décadas para se recompor, caracterizada por grande parte da esquerda.
 
Para a LIT-QI, pelo contrário, a restauração foi uma derrota importante, mas não foi uma derrota histórica da classe: poucos anos depois, as massas derrubaram e derrotaram os regimes ditatoriais dos partidos comunistas que haviam conduzido a restauração.
 
A perda da referência socialista
 
De modo muito resumido, esses processos tiveram, entre outras, duas consequências altamente contraditórias. A primeira foi que a restauração eliminou as referências da realidade para as perspectivas da tomada do poder pelos trabalhadores e a construção do socialismo. Ainda que essas referências estivessem profundamente deformadas e deterioradas, elas existiam. Ao deixarem de existir, desaparece também, na consciência das massas, a perspectiva da tomada do poder e do socialismo para os processos da luta de classes.
 
Por outro lado, a burguesia aproveitou para lançar uma forte contraofensiva ideológica sobre a “derrota do socialismo”, o “triunfo do capitalismo” e o fim da época da luta de classes e das revoluções.
 
Hoje, essas afirmações chocam-se duramente com a realidade em dois aspectos centrais. Em primeiro lugar, a crise econômica e suas violentas consequências para a classe trabalhadora mostram o verdadeiro e feio rosto do capitalismo e sua impossibilidade não mais de melhorar, mas de manter os níveis de vida da população. Em segundo lugar, a revolução árabe volta a colocar no centro a mobilização e as revoluções de massas como motor das transformações históricas.
 

A queda do aparato stalinista mundial
 
A segunda consequência dos referidos processos foi a queda do aparato mundial do stalinismo. Para nós, este sim foi um resultado de importância histórica, superior e predominante em sua influência sobre as consequências mais conjunturais da restauração capitalista.
 
O aparato stalinista mundial foi o responsável pelas principais derrotas do movimento operário internacional, desde a década de 1920, ou levou suas vitórias revolucionárias para o campo da conciliação de classes. Assim, permitiu a sobrevivência do capitalismo imperialista.
 
O aparato stalinista era a principal trava para o avanço da revolução socialista mundial. É impossível entender a fluidez e a dinâmica dos processos atuais, como a revolução árabe, sem considerar o fato de que já não existe esse aparato mundial para barrá-la da forma como o fez com muitas outras revoluções no passado.
 
É verdade que existem aparatos velhos ou novos que podem frear ou desviar revoluções: correntes stalinistas nacionais, o chavismo, o fundamentalismo islâmico radicalizado, o neorreformismo etc. Mas eles são bem mais frágeis nessa tarefa do que era esse poderoso aparato mundial.
 
Por isso, dizemos que sua queda foi um salto de qualidade que aprofunda a possibilidade de surgimento e desenvolvimento de novos processos revolucionários e oferece condições muito melhores para a superação da crise de direção revolucionária, tarefa central para a qual a LIT-QI volta seus esforços.
 
A crise econômica e suas raízes
 
Em agosto de 2007, com o estouro da bolha especulativa no mercado imobiliário e de hipotecas dos EUA, iniciou-se uma crise econômica internacional. Apesar de ter começado no sistema financeiro e tê-lo golpeado com muita força, desde o início caracterizamos que não se tratava de uma simples “crise financeira”, mas que era o resultado das profundas contradições estruturais acumuladas pelo sistema capitalista imperialista nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, caracterizamos que não se tratava simplesmente de uma “crise cíclica”, das que se produzem a cada 6 ou 8 anos, como as analisadas por Marx em O Capital, mas de uma crise de profundidade, impacto e duração muito maiores. Nisto coincidimos com analistas burgueses como Roubini, Stiglitz ou Krugman, que a qualificavam como a principal crise do capitalismo imperialista desde 1929.
 
Para que a atual crise tivesse tal magnitude, vários fatores se combinaram:
a)      O processo que Marx chamou de “tendência à queda da taxa de lucro” (o embrião de todas as crises econômicas do capitalismo) foi profundamente agravado pela “hipertrofia do sistema financeiro mundial”. Isto é, o crescimento do setor especulativo a limites quase absurdos, como reflexo das tendências mais profundas do capitalismo imperialista de ser cada vez menos produtivo e cada vez mais especulativo e parasitário.
b)      A divisão internacional do trabalho iniciada na década de 1990 baseava-se centralmente no funcionamento atrelado e articulado “das duas locomotivas” associadas, com os EUA como potência hegemônica e a China como auxiliar dependente. Durante alguns anos, o aumento do setor financeiro foi, junto com a expansão da demanda que gerou, um dos motores do crescimento dos anos anteriores. Agora, por um lado, diminui a demanda dos países imperialistas (principal mercado para as exportações chinesas); por outro, devido a inúmeros fatores, começa a haver um declínio das fabulosas taxas de lucro que as empresas obtêm na China e este país começa a ter uma importante capacidade ociosa (superprodução).
c)      A crise econômica estoura com toda sua magnitude e se vê potencializada após o fracasso do projeto Bush (o “século americano”: um domínio bonapartista indiscutível do mundo) devido a sua derrota no Iraque. A derrota desse projeto deixa uma correlação de forças mundial desfavorável para o imperialismo e abre-se uma crise política que atiça fogo em uma situação econômica que já era explosiva.
 
Dois momentos da crise
 
O primeiro momento da crise aprofunda-se em agosto de 2008 com a quebra do banco Lehman Brothers, o que demonstrou a fragilidade do sistema bancário-financeiro norte-americano e internacional, que esteve à beira de sua bancarrota global.
 
A crise expressou-se com muita força em toda a economia e houve dois trimestres (o último de 2008 e o primeiro de 2009) com as piores quedas do PIB e da produção industrial de todos os países imperialistas em décadas (equivalentes ao primeiro impacto da crise de 1929).
 
Naquele momento, os governos dos países imperialistas e outros (como Brasil, China e Rússia) começaram a lançar os megapacotes de ajuda aos bancos e mercados financeiros, totalizando 24 trilhões de dólares (40% do PIB mundial anual). Da mesma forma como antes haviam sido grandes impulsionadores da especulação financeira, esses governos atuavam agora como “companhias de seguro” do sistema financeiro, muitos deles, inclusive, ao custo de se superendividarem, mostrando claramente o caráter atual desses Estados. Com essa política, a burguesia imperialista freou o processo de queima de capitais fictícios e especulativos que seria uma consequência natural da crise, tentando postergar, mas ao mesmo tempo aprofundando, as contradições que a tinham gerado. Era necessário queimar muito capital para poder recompor a taxa de lucro, mas o imperialismo faz o oposto (gera mais capital).
 
De modo mais conjuntural, essa política teve dois êxitos. Por um lado, evitou a quebra do sistema financeiro mundial. Por outro, barrou a dinâmica de “plano inclinado” e a de que a recessão se transformasse em depressão. Abriu-se um período de frágil recuperação, cujo pico se deu no primeiro trimestre de 2009, especialmente nos EUA, Alemanha e Japão. Definimo-lo como “frágil” porque se baseou precisamente nesses pacotes e não em um aumento sustentado do investimento burguês. A burguesia não investiu por considerar, primeiro, que a taxa de lucro ainda não tinha se recuperado de modo satisfatório e, depois, porque não viu a “estabilidade política” garantida.
 
No caso da China, uma política de incentivos fiscais e crédito fácil permitiu-lhe recuperar altas taxas de crescimento e assim atuar como uma espécie de “motor secundário” que também move seus principais provedores de matérias primas e alimentos, como Brasil, Argentina ou Peru. Por tratar-se de uma economia basicamente exportadora de produtos industriais, a continuidade da crise econômica internacional, por um lado, e as profundas contradições que está acumulando em seu interior, por outro, colocam a questão de até quando poderá continuar cumprindo esse papel. É um tema que analisamos em um artigo específico desta edição do Correio Internacional.
 
Duas crises que se retroalimentam
 
As contradições não resolvidas e agravadas começaram a se manifestar com clareza no final de 2009. Por um lado, estourou a crise fiscal (de ingressos e pagamentos do Estado) de vários países europeus, como Portugal, Irlanda e Grécia (os PIGs), ante a impossibilidade de pagar suas dívidas. Houve também uma crise do euro em sua totalidade e sua própria subsistência como “moeda europeia” ficou em risco. Em outro artigo específico, analisa-se com maior profundidade esta “crise da dívida” e a situação do euro e da União Europeia.
 
Ao mesmo tempo, a resistência dos trabalhadores e da juventude aos planos de ajuste de seus governos na Grécia, França, Espanha, Reino Unido, Itália e Portugal mostrou que a crise econômica tinha uma clara dimensão política e que um aspecto central de sua dinâmica passou a ser definido no terreno da luta de classes.
 
Essa retroalimentação, que nos EUA se manifesta, por enquanto, como uma crise “nas alturas”, na Europa tem, além disso, a luta de classes como elemento central.
 
Devido à crise e ao superendividamento, os governos imperialistas europeus devem atacar cada vez mais frontalmente e sem mediações as condições de vida e os direitos dos trabalhadores, desfrutadas durante décadas (obtidas após a Segunda Guerra Mundial), e assim descarregar sobre seus ombros o custo da crise, especialmente nos países mais frágeis.
 
Mas os trabalhadores europeus, com sua maior tradição sindical e política, resistem. No caso grego, a resistência vem há mais de dois anos, com várias greves gerais às quais se somou agora a ocupação de praças, ao estilo egípcio ou espanhol. A Grécia está na vanguarda, mas a resistência começa a estender-se por todo o continente, com a luta dos trabalhadores e da juventude francesa contra Sarkozy, em 2010; as mobilizações da “geração à rasca” portuguesa; os indignados espanhóis; a poderosa greve geral de servidores públicos e professores, e a explosão nos bairros da Inglaterra…
 
Essa luta produz desgaste e crise nos governos que aplicam os planos, sejam de direita ou de “esquerda”. E, na medida em que a luta se mantém, são os próprios regimes que começam a evidenciar crises, ao se esgotarem as mediações políticas que tentam desviá-la e freá-la. Na Grécia, o governo do social-democrata PASOK desgasta-se aceleradamente, sem que a direita (Nova Democracia) se recupere de sua derrota eleitoral de 2009. Um desgaste dos regimes que também começa a expressar-se nas mobilizações de Portugal e da Espanha. Os regimes democrático-burgueses, sólidos por muitas décadas, começam a mostrar suas fissuras.
 
Isto se torna mais evidente nos países mais frágeis aos quais, em troca da “ajuda” financeira, são impostas medidas e condições de controle similares às que os países latino-americanos sofreram nas décadas de 1980 e 1990.
 
É evidente que há diferenças: a Grécia não é igual à Alemanha, onde o proletariado mais poderoso da Europa ainda não entrou em cena a fundo. Mas o governo de Merkel também está sofrendo as consequências da crise europeia com a queda de seu prestígio político. A dinâmica mostra que teremos mais Grécias e não mais Alemanhas.
 
As burguesias dos países europeus devem aplicar os piores planos de ajuste e os mais duros ataques a seus trabalhadores e povos, não em um contexto de tranquilidade, mas de forte resistência e de crescente crise política, que os deixam em um “atoleiro”, mesmo que consigam votar esses pacotes nos parlamentos, alimentando de novo a crise econômica continental e internacional.
 
Um aprofundamento da crise nos EUA
 
Por outro lado, a frágil recuperação dos EUA mostrou suas dificuldades em se manter, e começou a transformar-se, segundo palavras do economista Nouriel Roubini, primeiro em um “crescimento anêmico”, e depois, em 2011, começou a desacelerar mais claramente, entrando em uma dinâmica cada vez mais recessiva.
 
Após sua derrota nas eleições legislativas de 2010, Obama realizou uma última jogada: a emissão de 600 bilhões de dólares para comprar títulos do Tesouro e, assim, desvalorizar o dólar para aumentar as exportações e diminuir as importações. Mas a deficitária balança comercial dos EUA não melhorou. Piorou. A política de Obama havia fracassado.
 
Nesse contexto, abre-se o debate sobre a ampliação da dívida pública norte-americana (contraída por meio dos títulos do Tesouro), que havia chegado a seu limite legal e necessitava autorização legislativa. O economista Paul Krugman (um dos ideólogos da fase anterior de Obama) vinha defendendo que o estímulo dos megapacotes tinha sido “curto” e que era necessário outro. Mas agora sua proposta estava completamente isolada.
 
Os republicanos (utilizando o Tea Party como aríete) exigiam que, para ampliar o limite da dívida, cada novo dólar emitido tivesse como contrapartida um dólar cortado no orçamento federal, mantendo a isenção de impostos para as empresas e os ricos. Obama aceitava os cortes, mas, com os olhos voltados para sua reeleição, pedia o fim de algumas isenções de impostos e que lhe dessem alguma margem orçamentária para fazer alguma concessão.
 
A lei aprovada significa que a proposta republicana triunfou em toda sua linha e isso significa uma mudança da política do imperialismo norte-americano diante da crise. Abandona-se a política anterior de Obama (a linha Krugman) de expandir sem limites a base monetária e passa-se a uma política bem mais restritiva: nos próximos dois anos, o governo federal deverá cortar despesas na ordem de 900 bilhões de dólares. Algo que certamente terá efeitos recessivos nos EUA e no mundo.
 
Os setores mais afetados serão a saúde e a educação públicas, e o auxílio aos desempregados e aos sem teto, em um ataque feroz aos setores populares. Os trabalhadores e as massas dos EUA reagirão, como o setor da educação da Califórnia e os servidores públicos de Wisconsin fizeram? Da resposta dos trabalhadores dependerá se haverá ou não um ascenso das massas e o seu ritmo. Se este ascenso ocorrer, os EUA se aproximarão da Europa no terreno da luta de classes.
 
O impacto no mundo
 
A queda de braço parlamentar entre o governo Obama e os republicanos colocou os EUA à beira do default. Isso agravou extremamente as tensões e a instabilidade do sistema financeiro internacional já bastante “sensibilizado”.
 
Passado o perigo de default, as tensões não se dissiparam: pela primeira vez na história, uma agência de classificação de risco de crédito rebaixou a categoria da dívida norte-americana, as bolsas de todo o mundo tiveram dois “dias negros” (mesmo que tenham se recuperado um pouco posteriormente, o saldo foi muito negativo), as cotações de dois dos principais bancos franceses despencaram, suspeitos de estarem em pé sobre “investimentos podres”… Clara mostra do “nervosismo” da burguesia imperialista e de sua falta de confiança, o que aumenta a possibilidade de uma recessão.
 
Aqui temos um exemplo evidente de como a crise econômica e política se alimentam entre si. Problemas econômicos estruturais, como o déficit fiscal e a trava da recuperação, provocam uma duríssima queda de braço que acaba em uma profunda crise política, com Obama extremamente debilitado e o regime político muito desgastado. Uma crise política que agrava os problemas econômicos internos e aumenta os da economia internacional.
 
Sobre a hegemonia dos EUA
 
A profunda crise econômica e política vivida pelos EUA, a derrota do projeto Bush, o crescimento econômico da China e, por enquanto, a maior resistência deste país à crise econômica são alguns dos fatores que contribuem para fortalecer a tese de que estamos assistindo ao fim do período da indiscutível hegemonia norte-americana e ao início de uma nova correlação de forças entre as potências no mundo.
 
Acreditamos que essa tese está profundamente equivocada. A hegemonia de uma determinada potência imperialista está baseada em relações materiais que lhe permitem exercer esse predomínio nos terrenos econômico, político e militar. Hoje, o capitalismo imperialista vive, em sua totalidade, uma profunda crise nos três terrenos e essa crise evidentemente afeta os EUA. Mas, no contexto dessa decadência, não surgem polos alternativos que possam disputar realmente essa hegemonia.
 
Nem Europa nem China
 
No terreno econômico, o imperialismo norte-americano continua dominando o sistema financeiro mundial (centro da atual economia). A profunda crise da “experiência do euro” mostra as grandes limitações da Europa para postular-se como “polo alternativo”.
 
No terreno da produção industrial, há uma perda relativa para a China. Mas não podemos esquecer que as empresas norte-americanas (e também as japonesas e europeias) são as donas e grandes exportadoras dessa produção. A China não cumpre um papel independente na economia mundial, mas, sim, subordinado aos EUA, devido a uma política consciente do principal imperialismo de elevar a taxa média mundial de lucro. Este papel de dependência em relação aos países imperialistas, que se aplica aos demais países emergentes, faz com que a China não possa ser uma potência imperialista alternativa aos EUA.
 
É verdade que a crise econômica gerou choques e atritos entre as potências imperialistas quanto às políticas a serem aplicadas diante da crise. É possível, inclusive, que esses choques e atritos se aprofundem. Mas essas contradições dão-se no âmbito de uma subordinação global aos EUA.
 
No terreno político-militar
 
No terreno militar, a superioridade dos EUA continua sendo inquestionável, mesmo que a derrota do projeto Bush e sua “agressividade unilateral” tenha levado o imperialismo norte-americano a mudar de tática.
 
Hoje, o peso principal é colocado na política de reação democrática e na tentativa de conseguir, via “acordos” e “diálogo”, recuperar na mesa de negociações o que foi conquistado pela luta e a resistência das massas. Este foi o objetivo central de Obama: reverter esta crise com uma política de “diálogo” e “hegemonia por consenso”, que se expressou na criação do G-20 e em um novo papel para as submetrópoles. Mas isso não significa abandonar ou excluir a ação militar, como vimos no Haiti ou no Oriente Médio (Líbia).
 
Nenhuma das outras potências questiona a hegemonia político-militar norte-americana e continuam aceitando o papel secundário que lhes foi atribuído após a Segunda Guerra Mundial. Ainda que, devido à “síndrome do Iraque”, haja uma tendência a intervenções militares conjuntas (que incluem aliados semicoloniais), como foi o caso do Haiti e da Líbia. É uma política que serve à atual situação dos EUA e que pode se repetir e se ampliar caso a situação revolucionária mundial e o ascenso de massas continue e se aprofunde.
 
A revolução árabe
 
Este ano começou com um processo impactante: a onda revolucionária no mundo árabe. Devido à sua extensão, sua profundidade e a região em que se desenvolve, consideramos tratar-se do processo atual mais importante da luta de classes em nível mundial.
 
Coerente com sua importância, dedicamos a esse tema os artigos principais das duas edições anteriores do Correio Internacional, nos quais analisamos suas raízes mais estruturais, seu caráter de classe e seu conteúdo objetivamente socialista, as profundas contradições em seu desenvolvimento e nossa proposta programática para esse processo revolucionário. Neste número, dedicamos um artigo específico à situação da Líbia, onde a luta armada está derrubando a ditadura de Kadafi após uma intensa guerra civil.
 
Queremos apresentar, de modo sintético, alguns aspectos e sua influência na situação econômica e política mundial:
 
        A revolução árabe ocorre em uma região estratégica que concentra 60% das reservas mundiais de petróleo e abastece grande parte das necessidades mundiais. Caso prolongue-se, desenvolva-se e estenda-se, afetará o preço do barril e agravará a dinâmica recessiva.
        Já tendo atingido um país chave (Egito), ameaça os dois aliados mais estratégicos do imperialismo na região: Arábia Saudita e, principalmente, Israel. O operativo de controle imperialista da região encontra-se profundamente ameaçado.
        O processo estende-se e entra com muita força na Palestina (com as mobilizações do dia da Nakba, que “furaram” as fronteiras do Estado sionista) e na Síria (onde, devido à violenta resposta do regime dos Assad e apesar dos mais de dois mil mortos e feridos, os protestos se radicalizam cada vez mais e podem tomar a forma de uma guerra civil, mais ainda após a derrota de Kadafi na Líbia).
        Como assinalamos, os processos da Tunísia e especialmente do Egito voltaram a pôr no centro da situação mundial as grandes mobilizações e revoluções de massas como fator possível de transformações históricas. A luta dos povos árabes deixa de ser vista como algo de “fanáticos islâmicos” ou de “aparatos terroristas” para ser uma referência muito atrativa para os trabalhadores e a juventude do mundo.
        Isso gerou um “efeito de emulação” com claro impacto nas lutas europeias contra os ataques dos governos, como vimos na Grécia e, com absoluta clareza, nos “indignados espanhóis”. Impactou inclusive os EUA, pelo menos no debate na vanguarda.
        Teve e tem a juventude (não só a estudantil, mas também a trabalhadora e desempregada) cumprindo um papel de vanguarda e utilizando os novos meios de comunicação social como uma ferramenta de organização para a luta. Algo que também se reflete nas lutas europeias e de outros países (por exemplo, no Chile) não só pelo “efeito de emulação”, mas também porque compartilham os mesmos problemas estruturais.
        As revoluções, principalmente o surgimento de uma nova vanguarda juvenil, sem o peso das derrotas do passado e sem um futuro no horizonte sob o capitalismo, atropelam as velhas organizações, sejam nacionalistas burguesas laicas ou islâmicas, provocam-lhes crises e assim abrem um contexto mais favorável para a superação da crise de direção revolucionária na região. Possivelmente, o ritmo com que as massas árabes fazem a experiência com essas velhas direções seja mais lento que o dessa nova vanguarda.
        O processo revolucionário árabe enfrenta uma ação contrarrevolucionária do imperialismo, de Israel e das burguesias nacionais árabes, que tentam desviar, frear e derrotar os processos nacionais e o processo revolucionário árabe como um todo. É uma política contrarrevolucionária que combina a ação militar e a repressão, e onde isso já não pode evitar a queda dos ditadores, tenta aproveitar a crise de direção revolucionária e as ilusões das massas na democracia burguesa.
 
As perspectivas
 
A combinação dos diferentes elementos que analisamos aponta a possibilidade crescente de uma nova recessão, no contexto de uma fase mais longa de declínio da economia internacional. É claro que esta perspectiva mais geral mudaria se a burguesia conseguisse uma derrota histórica dos trabalhadores, uma enorme queda de seu nível de vida, um aumento significativo da exploração e da taxa de lucro e, com isso, as condições para uma nova fase de grandes investimentos. Mas, por enquanto, não é essa a perspectiva que vemos como a mais provável.
 
O inevitável é que, sem alternativas de concessões nem de conciliação, a burguesia redobrará a ferocidade de seus ataques ao nível de vida, salários, empregos e condições de trabalho. E que, devido ao fato de não haver derrotas históricas ou profundas, os trabalhadores e os povos continuarão respondendo com lutas de resistência, como na Europa, e revoluções, como no mundo árabe.
 
A conjugação de todos esses elementos (continuidade da crise econômica internacional, aumento dos ataques da burguesia, resposta de luta dos trabalhadores, crises políticas) leva ao aprofundamento do que chamamos de “situação revolucionária mundial”. Vemos pela frente, então, um longo processo de anos de crise e confrontos, com uma crescente polarização política e social.
 
É evidente que não se trata de ter uma visão facilista. Na medida em que a crise de direção revolucionária subsista e que esta ausência impeça que as lutas das massas avancem para revoluções operárias e socialistas que derrotem o capitalismo em cada país e depois no mundo, a burguesia sobreviverá e irá encontrando saídas conjunturais. Mas essas saídas são cada vez mais precárias e frágeis e, na medida em que não consiga uma derrota histórica dos trabalhadores, acabam aprofundando a situação revolucionária. Basta ver, por exemplo, a gravidade muito maior da situação atual comparada com a crise de 2001.
 
As direções atuais são mais frágeis que as anteriores
 
Se o tema da direção das massas é uma das chaves da dinâmica da situação, analisemos o que está ocorrendo nesse campo.
 
Assinalamos que, depois da queda do aparato stalinista mundial, surgiram novos aparatos sindicais e políticos (ou os velhos foram reciclados), como os aparatos stalinistas e as burocracias sindicais nacionais, as organizações neorreformistas etc. Novas correntes burguesas também ganharam peso, como o chavismo e o fundamentalismo islâmico radicalizado. Algumas inclusive se organizaram como correntes internacionais.
 
Essas correntes são bem mais frágeis e têm muito menos peso do que tinha o stalinismo no movimento operário e de massas. Mas conseguiram atuar com relativa eficiência para frear, controlar e desviar as lutas e processos revolucionários e continuam sendo obstáculos significativos para a superação da crise de direção revolucionária.
 
Mas, na medida em que há cada vez menos margem para a conciliação de classes e para o reformismo e os processos da luta de classes se aprofundam, essas correntes mostram-se cada vez mais frágeis para contê-los, ao mesmo tempo em que, devido ao seu papel traidor nesses processos, mostram claros sintomas de crise.
 
A reorganização
 
A crise econômica e suas consequências (os duros ataques dos governos e das empresas aos trabalhadores) e as traições das burocracias sindicais aceleram a experiência das massas e aprofundam o desgaste dessas direções. Aí estão como exemplos o profundo desgaste de organizações sindicais, como a UGT e a CCOO na Espanha (que firmaram um pacto com o governo entregando inúmeros direitos dos trabalhadores) ou, em menor medida, o TUC inglês.
 
Isso liberta forças para o surgimento de polos alternativos de direção, mesmo que este processo ainda seja muito incipiente e lento. Na Espanha, temos o exemplo da Cobas e das diferentes coordenações impulsionadas por ela e na França, com todas suas limitações, Solidaries. Em países com menor ascenso, surgiram experiências ainda minoritárias, mas com verdadeiro peso, como a CSP-Conlutas no Brasil e a CCT no Paraguai. Em um processo mais atomizado, porém muito rico e estendido, devemos mencionar, no Egito, o surgimento de numerosas comissões de empresa e de novos sindicatos que substituem as estruturas sindicais do velho regime.
 
No campo popular e da juventude, vimos processos como o da “geração à rasca” de Portugal e dos indignados espanhóis. Por um lado, a juventude imprime a essas lutas suas características de explosividade e radicalização, e sua ação por fora dos aparatos tradicionais. Mas, por outro lado, suas expectativas na “democracia em geral” e a inexistência de uma estratégia de tomada do poder pela classe trabalhadora marcam limites que podem levar à sua rápida extinção (como em Portugal) ou ao risco de serem canalizadas por organizações de difuso caráter reformista, como a “Democracia Real Já”.
 
No mundo árabe, houve várias expressões de reorganização política, como a organização juvenil “6 de abril” (depois ampliada para a coordenação “25 de janeiro”) e também a coordenação de ativistas (majoritariamente jovens) que organizou a jornada da Nakba.
 
Ao mesmo tempo, assistimos a um forte desgaste do castro-chavismo (devido à combinação entre o ajuste capitalista em Cuba, o apoio a ditadores como Kadafi e Assad, e o papel de Chávez como “entregador” de dirigentes das FARC) e ao início do declínio da influência do fundamentalismo islâmico por causa de sua posição contrária à revolução árabe. Isso tem uma grande importância pelo peso que o castro-chavismo havia alcançado na América Latina e os islâmicos no mundo árabe.
 
Para concluir, é importante destacar que, por enquanto, nesse processo de reorganização incipiente desenvolve-se mais rápido o aspecto negativo (desgaste e crise das velhas organizações) que o positivo (surgimento de novas organizações e correntes).
 
A tarefa de construir a direção revolucionária
 
A queda do aparato estalinista mundial permite um maior desenvolvimento dos processos revolucionários. Ao mesmo tempo, a contradição de que ainda não foi superada na consciência a falta de uma referência estratégica para a tomada do poder e a revolução socialista se expressa no fato de que, por enquanto, os processos não geraram o surgimento de correntes centristas progressivas de massas. Ou seja, rupturas das grandes organizações que girem à esquerda, aproximando-se do programa revolucionário, sobre as quais os revolucionários possam ter uma política para ganhá-las plenamente para esse programa. Se a situação continuar se desenvolvendo, é claro que isso pode mudar no futuro, mas por enquanto não é assim.
 
Isso não significa que a realidade não apresente a uma organização revolucionária nacional e internacional a possibilidade de crescer, ganhar peso e dar um salto. Pelo contrário, é necessário aproveitar as numerosas oportunidades e desafios que essa realidade coloca no terreno da luta e da reorganização sindical e política.
 
É necessário intervir nesses processos com uma estratégia clara, a tomada do poder pelos trabalhadores para iniciar a construção do socialismo, com táticas adequadas a cada realidade concreta e consequência e decisão para aplicá-las. Em uma situação assim, um polo revolucionário, ainda que seja pequeno, pode ter um papel decisivo nos processos em que está inserido se tiver uma linha correta.
 
Nesse sentido, estamos vivendo um momento histórico em que a LIT-QI e suas organizações nacionais podem dar saltos de qualidade e construir sólidos partidos de vanguarda em diversos países. É, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade e um grande desafio.
 
A história já provou que sem partido revolucionário os processos revolucionários podem avançar até certo ponto, mas inevitavelmente irão retroceder. Hoje, quando a possibilidade e a existência de revoluções estão de novo presentes, essa conclusão continua mais válida que nunca.
Fonte:http://www.litci.org/

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