quinta-feira, 8 de março de 2012

Empresas não estatais na economia cubana Construindo o socialismo?

090312_revolucioncubana4O Diário - [Camila Piñeiro Harnecker] Neste segundo estudo que publicamos de Camila Piñeiro Harnecker sobre as novas empresas não estatais cubanas, depois de analisar as diversas, e por vezes contraditórias, correntes de opinião na sociedade cubana, a autora conclui:

«Só democratizando ou socializando a economia, materializando a propriedade social sobre ela, poderemos avançar para uma sociedade que tenha como horizonte o desenvolvimento humano e não só a redistribuição da riqueza. Se não, corremos o risco de – com o pretexto de criar benefícios materiais – a lógica do lucro se converter em natural e inevitavelmente chocar com a intenção redistributiva e que assim, um dia, o mais «racional» seja abandonar o horizonte socialista.»

Uma das mudanças mais significativas que se estão a verificar na sociedade cubana, como parte do processo de «actualização» do modelo económico, é a expansão do sector empresarial não estatal. Este termo não se refere apenas a formas de propriedade privada, [1] mas também àquelas formas de propriedade colectivas, como as cooperativas. [2] Com isto também se sugere que uma empresa administrada por pessoas que não sejam representantes de instituições estatais não tem que ser, necessariamente, «privada». Isto é, responder apenas a estreitos interesses individuais ou contraditórios com as necessidades e expectativas da sociedade em geral. O tema chave de uma sociedade comprometida com a construção socialista, onde o crescimento económico não é um fim mas um meio ao serviço da sociedade, é precisamente como fazer que o sector não estatal responda a interesses sociais.
Segundo dados do Departamento Nacional de Estatística (DPE), o emprego não estatal em Cuba, nas últimas três décadas, representou uma média de 15,7% do total. Concentrou-se nas actividades agropecuárias, sobretudo privadas (cerca de 7,3%) do emprego é constituído por camponeses independentes, a maioria associados às Cooperativas de Crédito e Serviços ou CCS), por cooperantes (cerca de 5,7% em Cooperativas de Produção Agropecuária ou CPA e em Unidades Básicas de Produção Cooperativa ou UBPC, ainda que em decréscimo) e, em menor medida (cerca de 2,8%) em auto-emprego em actividades não agrícolas ou por «conta-própria». [3]
No fim de 2010, encontravam-se registados 442 000 privados que não são trabalhadores por conta-própria (8,7% do emprego total), 217 000 cooperantes (4,2%) e 147 400 trabalhadores por conta-própria (2,9%). Segundo o DNE, estes dados não reflectem de modo algum os mais de cem mil novos camponeses privados que surgiram desde que começou o processo de entrega de terras em usufruto (Lei 259 de Julho de 2008), nem os quase oitenta mil novos inscritos como por conta-própria verificados nos últimos meses de 2010. Segundo Idalmys Álvarez, directora de Emprego do Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS), no final de Janeiro de 2011 tinham-se atribuído 113 618 novas licenças. [4]
Dada a generalizada aceitação da necessidade de optimizar o uso dos recursos nas instituições estatais e de o Estado se libertar da administração – não da propriedade legal – de certas actividades económicas não estratégicas, espera-se que o emprego não estatal aumente consideravelmente nos próximos anos.
De facto, está previsto aumentar o número de licenças de trabalho por conta-própria (incluindo empregadores e empregados) em mais duzentos e cinquenta mil antes de 2012, e outros duzentos mil postos de trabalho seriam criados, sobretudo por novas cooperativas de produção de bens e serviços. [5] A titular do Ministério das Finanças e Preços (MFP), Lina Pedraza calcula que o número de pessoas empregadas no sector não estatal subirá a 1,8 milhões em 2015, [6] o que, tendo em conta um incremento de 5% da força laboral como consequência da Lei de Segurança Social nº 105 de 2008, resultaria em mais de 35% do emprego total.
Prevendo a importância que o sector empresarial não estatal terá na economia cubana, o objectivo deste trabalho é analisar o seu possível desenvolvimento. Dado que se reiterou o compromisso de não renunciar ao socialismo, começa-se a analisar os diferentes critérios existentes sobre a pertinência de formas empresariais não estatais na construção socialista. Argumenta-se a necessidade de combinar empresas com formas de gestão democrática – auto-emprego, cooperativas, co-gestão e outras variantes autogestionárias – e não a prioridade democrática – as tradicionais empresas privadas baseadas no trabalho assalariado – dando prioridade às primeiras porque são mais socializadas ao estarem controladas por grupos de pessoas em igualdade de direitos e deveres. Defende-se, além disso, a necessidade de as empresas não estatais responderem a interesses sociais mais amplos e contribuírem, assim, para uma maior socialização dessas actividades económicas. Ao longo do trabalho sugerem-se algumas medidas gerais imprescindíveis para que a expansão do sector não estatal seja compatível com as necessidades e expectativas dos cubanos. [7]
Diferentes posições sobre a pertinência de empresas não estatais no socialismo cubano
Ainda que existam diversas opiniões entre os membros do governo cubano sobre a pertinência de empresas não estatais no projecto de construção socialista cubano, parece haver consenso em que são uma alternativa que deverá ser experimentada. O conteúdo do Projecto de princípios [8] e as declarações de funcionários públicos sugerem que a visão partilhada pelos fazedores da política é que a empresa administrada pelo Estado não é a forma organizativa mais adequada para actividades não estratégicas ou de pequeno tamanho – talvez também médias, dependendo do critério de classificação – quanto ao número de trabalhadores e a sua intensidade de capital, como os serviços gastronómicos, transportes públicos, reparação de equipamentos electrodomésticos, e inclusive de manufactura e indústria ligeira. Está a considerar-se que estas unidades produtivas, as suas instalações e talvez também os seus equipamentos e marcas sejam arrendados a pessoas registadas como por conta-própria ou cooperativas, transformando-se em formas empresariais não estatais. Sem abordar a pertinência ou não das formas empresariais não estatais no socialismo, o Projecto de lineamentos propõe as empresas de capital misto, o trabalho por conta-própria, as cooperativas, usufrutuários, arrendatários, etc., como componentes de um sistema económico múltiplo ou misto que tem a «empresa estatal socialista» como «a forma principal na economia nacional» (lineamento 2). Sem definir exactamente em que consistem, sugere-se mesmo que quaisquer das formas não estatais que permitam «contribuir para elevar a eficiência do trabalho social» não são contraditórias com o projecto socialista cubano.
Diferentemente da abertura a tais empresas dos anos 90, a actual promove-as como modo de organização do trabalho que, longe de irem contra, contribuem para «aperfeiçoar» o socialismo cubano, e devem ser aceites como permanentes. [9]
Nas sessões da Assembleia Nacional do Poder Popular de Julho e Dezembro de 2010, os deputados debateram as experiências de arrendamento e de por conta-própria, mas as opiniões expendidas sobre isto não apareceram nas reportagens e transmissões realizadas pelos meios de difusão. Não está claro se as empresas não estatais são vistas como um mal necessário, face às deficiências da empresa estatal, ou como seus complementos necessários, que podem permitir uma mais efectiva socialização de algumas actividades económicas.
A forma a tomar pelas novas empresas não estatais (arrendamento de locais a indivíduos, e a contratação de força de trabalho permanente por pessoas inscritas como por conta-própria), juntamente com as declarações de alguns funcionários públicos e uma análise dos artigos e cartas publicadas no jornal Granma demonstram, na minha opinião, a confusão que existe sobre a organização do trabalho numa sociedade comprometida com um projecto socialista entre os criadores de políticas públicas, académicos e população cubana em geral. A contradição entre os conceitos expressos nos manuais de Economia política soviéticos e a influência das teorias económicas liberais dificulta a definição de, pelo menos, alguns dos princípios directores que deveriam guiar o actual redesenho do sistema económico cubano.
Enquanto não se superar a ideia de que a empresa estatal é a forma mais avançada em socialismo, [10] aquelas que não o são serão consideradas só como necessárias, mas indesejáveis, que devem ser mantidas nas margens do sistema económico e eliminadas quando se atingirem fórmulas que torne efectiva a gestão estatal de pequenas e médias empresas. De acordo com esta posição, o que torna uma empresa mais ou menos socialista é a medida em que é administrada e controlada directamente pelo Estado, através dos seus funcionários. Qualquer mudança que leve a uma menor intervenção do Estado significa, portanto um retrocesso no caminho para o socialismo.
No outro extremo da discussão estão os que defendem que as empresas privadas, administradas por indivíduos que contratam trabalho assalariado de forma permanente – e que a teoria marxista chama «capitalistas» – devem predominar, porque podem alcançar os maiores graus de eficiência económica. Desdenha-se dos modelos de gestão democrática que caracterizam as empresas auto-geridas, como as cooperativas, rotulando-os de utópicos. Como os defensores do liberalismo económico, consideram imprescindível que não se ponham peias a que os administradores maximizem os seus benefícios materiais pessoais, visto que se assume que os interesses individuais são irreconciliáveis com os colectivos dos trabalhadores e principalmente com os de carácter social que poderiam exigir os funcionários estatais ou outros representantes da sociedade. De acordo com esta posição, as empresas não estatais, sobretudo as privadas que contratem trabalho assalariado, são indispensáveis para o funcionamento de toda a economia. O importante, sugerem, é que o «gato cace os ratos, pouco importando a forma como os cace», ou que, «há que deixar enriquecer alguns, pois assim há mais para repartir».
Outra posição considera que as empresas não estatais não são necessariamente capitalistas pois existem outras alternativas entre as empresas privadas capitalistas e as estatais. De facto, coloca-se que hoje em dia, em Cuba, o modelo de gestão nestas últimas e o sistema de direcção da economia não cumprem, na generalidade com os postulados marxistas com que se define a sociedade socialista, como o conjunto de trabalhadores livremente associados, unidos por um plano, [11] isto é, onde a relação social predominante seja a de trabalho livremente associado. Para esta posição, qualquer forma empresarial [12] pode contribuir para a construção socialista, desde que a sua gestão seja democrática e responda a interesses sociais expressos nos planos de desenvolvimento local e/ou nacional. Nalguns casos, é mais efectivo socializar a actividade económica através de formas não estatais geridas democraticamente e guiadas por interesses sociais.
No Projecto de lineamentos não está claro se se pensa dar prioridade a que os trabalhadores se organizem em cooperativas. As medidas adoptadas e as preocupações resultantes dos debates parecem indicar que foi menos complicado aceitar a criação de pequenas empresas privadas que a criação de cooperativas. Por outro lado, é compreensível que promover e apoiar o aparecimento de cooperativas não agropecuárias é uma tarefa mais complexa que expandir e flexibilizar o já existente trabalho por conta-própria.
Não obstante, o titular do Ministério da Economia e Planificação (MEP), Marino Murillo e a MFP [Min. Finanças e Preços], Lina Pedraza colocaram que as cooperativas terão um tratamento preferencial porque são formas «mais socializadas», e quer evitar-se a concentração da riqueza; com isto reconhece-se que esta se obtém fundamentalmente através da contratação de força de trabalho. Mas a ênfase não esteve nas diferentes relações de produção, nesta ou naquela forma – trabalho assalariado vs trabalho livremente associado –, mas nas suas capacidades de acumular riqueza. Isto reflecte a preocupação redistributiva e a despreocupação pela natureza das relações sociais dos sujeitos que constroem, ou não, a sociedade pós-capitalista, abordagem que marcou as experiências socialistas.
Além disso, parece supor-se que manter a empresa estatal como a predominante evita o risco de as não administradas pelo Estado obstruírem a planificação ou a concertação dos interesses individuais com os sociais, aspecto essencial do socialismo. Ainda que pareça reconhecer-se que é necessário adoptar um sistema económico com múltiplas formas empresariais, ainda não se definiu – tarefa em que se está a trabalhar, segundo declarações de funcionários do MEP – como as empresas não estatais se relacionariam ou em que medida estariam inseridas no «sistema de panificação socialista [que] continuará a ser a via principal para a direcção da economia nacional» (princípio 1).
O que está claro no discurso oficial é que se procura separar a administração empresarial das funções de controlo e direcção, e que o Estado as deverá manter; e que estas últimas – afortunadamente – não serão cedidas às leis do mercado. É significativo que se proponha dotar os governos provinciais e municipais do controlo das empresas nos seus territórios. Isso permitiria avançar em processos de socialização substantiva dos ciclos de produção, distribuição e consumo que ocorrem a nível local, através da coordenação horizontal entre os agentes económicos locais: produtores, consumidores, fornecedores, financiadores, etc.
Mas, assim como uma maior autonomia empresarial não é equivalente a uma gestão mais democrática que responda aos interesses dos trabalhadores, um maior controlo dos governos locais também não garante uma maior socialização ou controlo democrático da economia pelas pessoas que residem nesses territórios. Isso depende, em primeiro lugar, da medida em que esses órgãos de representação social respondam realmente às necessidades e expectativas dos seus eleitores, para o que é imprescindível que os governos locais possam estabelecer espaços de concertação e articulação de interesses comuns, e quadros institucionais e reguladores que orientem as actividades económicas para a satisfação desses interesses.
Necessidade de dar preferência às empresas de gestão democrática
No primeiro Seminário Nacional do PCC sobre o Projecto de princípios, em meados de Novembro de 2010, Marino Murillo disse:
As cooperativas têm cabimento na pequena indústria, no sector de serviços […] pois há coisas que sob controlo estatal não funcionam. Mas isso deve fazer-se com ordem. [13]
Além disso, acrescentou que o Ministério da Justiça estava a trabalhar numa proposta de Lei e noutras alterações legislativas que permitiriam a criação de cooperativas não agropecuárias. Mas não houve mais informação, e até agora só é possível criar cooperativas agropecuárias, cujo normativo, por outro lado, apresenta significativas limitações.
Ainda que depois do triunfo revolucionário de 1959 se tenha reconhecido publicamente que as cooperativas são uma forma de produção mais socializada, logo mais avançada, que as empresas privadas, não se implementaram políticas para as fomentar depois de algumas tentativas no início da Revolução e posteriormente ao Primeiro Congresso do PCC em 1975 e ao de 1992. Segundo dados do DNE, o número de CPA e UBPC tem vindo paulatinamente a reduzir-se depois de se terem incrementado durante os primeiros anos após a sua criação, respectivamente 1976 e 1993. Desintegraram-se cooperativas sem que tenham sido criadas novas. [14] Não é possível analisar neste trabalho os factores que motivaram a redução do número de cooperativas cubanas de produção agropecuária e dos seus membros, mas é importante assinalar que as faculdades e as obrigações que lhe foram atribuídas não lhes permitiram diferenciarem-se suficientemente das empresas estatais. [15] Além disso, os camponeses privados desfrutaram, em relação às cooperativas, de maiores níveis de autonomia e menos responsabilidades sociais (compromissos de venda ao Estado, serviços e obras sociais nas comunidades), o que lhes permitiu vender a preços mais altos e ter menos custos.
A actual ausência em Cuba de políticas que favoreçam as cooperativas sobre as formas empresariais privadas pode ser, em certa medida, o resultado de não se ter em conta um dos legados mais importantes do marxismo: que as relações entre as pessoas durante o processo produtivo («relações sociais de produção») são as que – em última instância, sem que os seres humanos tenham a menor capacidade de se autodeterminarem e sobreporem às suas circunstâncias – geram os comportamentos e valores que nos caracterizam. De facto, não se reconhece que a contratação de trabalhadores de forma permanente – seja por pessoas em conta-própria, camponeses privados e, inclusive, por cooperativas – estabelece relações de trabalho assalariado, e que, portanto, é uma forma de subordinação e, geralmente, de exploração mesmo quando o empregador trabalhe juntamente com o assalariado. [16] Enquanto não se compreender a diferença substantiva entre a relação de trabalho assalariado e de trabalho livremente associado, não se poderá valorizar a importância dos modelos de gestão democráticos ou autogestionários como vias institucionais para superar as barreiras que o trabalho assalariado estabelece para o pleno desenvolvimento humano dos trabalhadores.
Uma das razões utilizadas para menosprezar a importância das cooperativas e de outras formas autogestionárias, como disse anteriormente, é a crença de que são demasiado utópicas e portanto ineficazes. No entanto, qualquer dúvida sobre a exequibilidade da sua gestão empresarial fica desfeita quando se estudam as experiências das cooperativas que formam o grupo Mondragón, [17] e outras mais ou menos grandes que existem no mundo; assim como os modelos de auto-gestão jugoslavos [18] e da Espanha republicana. [19] As vantagens dos modelos de gestão democrática, como o cooperativo, foram reconhecidas não só por teóricos socialistas [20] mas também por gerentes de empresas capitalistas interessados em pôr em prática métodos efectivos para motivar os seus trabalhadores a aumentar a produtividade, qualidade e inovação. [21] Também se tem que assinalar que os capitalistas limitam a participação dos trabalhadores para que não controlem realmente a tomada de decisões; e, na generalidade, o direito de participar está associado à propriedade de acções da empresa (stock ownership) e não à sua condição de seres humanos.
Os que estão comprometidos com a construção socialista não vêem na gestão democrática apenas uma ferramenta para motivar os trabalhadores a contribuírem com as suas capacidades, esforço e conhecimentos. A participação é entendida como um meio fundamental para que se desenvolvam como homens e mulheres novos, necessários a uma sociedade de justiça plena: com competências técnicas, de gerência e democráticas, sentido de pertença e compromisso com todo o processo de produção, confiança em si próprios, criatividade e solidariedade. Uma gestão empresarial democrática possibilita também um maior controlo dos trabalhadores sobre as decisões que têm um grande impacto sobre as suas vidas e, por isso – ainda que não suficiente – contar com condições objectivas mais propicias a serem solidários.
À medida que o pensamento socioeconómico cubano – como vem acontecendo noutros países latino-americanos – se liberte dos dogmas, tanto do «socialismo estatal» como do liberalismo económico, e retome a essência humanista do socialismo, o seu objectivo não será reduzido à satisfação de necessidades materiais, mas incluirá as do desenvolvimento individual e social que todo o ser humano tem. Só então prestará atenção à natureza das relações entre as pessoas que determinam as suas experiências práticas quotidianas. Este entendimento terá como corolário a preferência por formas de gestão democráticas nas empresas; formas de organização do trabalho que permitem, como Marx e Engels previram, estabelecer relações de trabalho livre associado que superem a injustiça inerente às do trabalho assalariado, sobre as quais se baseiam as sociedades capitalistas. [22]
Para identificar se uma forma empresarial é pertinente ou compatível com uma sociedade socialista, há que ter em conta se as decisões importantes da sua administração são tomadas de forma democrática pelos próprios trabalhadores, directamente em assembleias-gerais, ou através de representantes eleitos por eles. A propriedade legal é separável da gestão empresarial, e a divisão dos lucros é apenas uma das muitas decisões de gestão que tomam os que controlam a gestão. Isto é, para que uma empresa seja realmente útil para a construção socialista – quanto à sua organização interna – o importante é que a autoridade suprema radique no colectivo de trabalhadores: são eles quem participa directamente na tomada de decisões mais importantes, estabelecem as regras de funcionamento da organização, elegem os seus representantes e controlam o seu desempenho.
Para promover a relação de produção socialista – que Marx definiu como a associação de trabalhadores livres unidos por um plano – não é necessário nem aconselhável proibir a contratação de trabalho assalariado. Mas é imprescindível estabelecer políticas que procurem democratizar a gestão das empresas estatais, e que promovam prioritariamente, no sector estatal as autogeridas, através do seu acesso preferencial a financiamento, fornecimentos, assistência técnica e contratos governamentais, entre outras medidas.
O propósito deve ser criar condições para que as pessoas que têm a vantagem de contar com recursos financeiros e iniciativas empreendedoras considerem mais atractivo criar cooperativas ou outro tipo de empresas autogestionárias; e que as pessoas menos afortunadas prefiram incorporar-se nestas em vez de se converterem em trabalhadores assalariados. Trata-se de instaurar um sistema empresarial com múltiplas formas de gestão, mais e menos democráticas, sem perder de vista que o objectivo é generalizar, o mais possível, a adopção de práticas democráticas de administração. A ideia não é, naturalmente, impor ou forçar a sua expansão, mas criar as condições para que elas são vias mais efectivas de organizar o trabalho, de satisfazer as necessidades materiais e espirituais das pessoas.
É necessário que as empresas respondam a interesses sociais
As empresas não estatais – tanto como as estatais – são úteis ou pertinentes para um projecto de construção socialista que procure satisfazer as necessidades materiais e espirituais das pessoas, na medida em que contribuam para isso. Não basta que sejam rentáveis e cumpram com as suas obrigações tributárias. Além de contribuírem com recursos financeiros através do pagamento de impostos, as suas próprias actividades devem estar orientadas para a satisfação da procura real de consumo, e não exclusivamente para vender. Não menos importante é que as «exteriorizações», ou consequências do seu funcionamento sobre terceiros, contribuam para a satisfação de outras necessidades ou interesses sociais. Para atingir esta realidade é necessário que as actividades económicas estejam sob «controlo social» ou «propriedade social»; o que, como veremos, não significa ignorar os seus imprescindíveis níveis de autonomia, e outras exigências da gestão empresarial.
Logicamente, não é preciso que a sociedade se preocupe por assegurar a provisão eficaz daquelas actividades relacionadas com consumo de bens e serviços que não são básicos [23] nem estratégicos, pois a procura de um mercado competitivo para esta classe de produtos em grande medida consegue-o. Não obstante, para todo o tipo de actividade económica, seja ela básica ou não ou mesmo estratégica, é sempre recomendável promover a sua eficiência social, isto é, o equilíbrio entre custos e lucros sociais considerado mais adequado: que as suas exteriorizações se repercutam da forma mais positiva possível – ou pelo menos, não negativamente – sobre os interesses das comunidades em que têm impacto. Não se trata apenas de estabelecer um quadro regulador que proíba ou penalize comportamentos não desejados, mas que, além disso, é necessário motivar comportamentos positivos, responsáveis e sensíveis às necessidades dos outros; e em primeiro lugar definir as necessidades e interesses que se pretendem satisfazer.
A insistência nestes pontos e a não confiança na «mão invisível» do mercado para que a economia responda às nossas necessidades, não é um empecilho ideológico, mas um pragmatismo baseado em evidências irrefutáveis sobre a inadequação das relações de mercado ou mercantis [24] para alcançar esses objectivos. A experiência de Cuba com os trabalhadores registados por conta própria, os camponeses e os intermediários privados, em espaços de «mercado livre», ou de «oferta e procura», confirmou o acerto dos economistas marxistas de que as regras de funcionamento das relações mercantis promovem comportamentos, no mínimo, alheios aos interesses sociais.
Assim, para alguns cubanos é já evidente que um sistema de mercado não só é inadequado para conseguir que as empresas satisfaçam necessidades básicas de consumo, [25] mas que ele também atenta contra outros interesses sociais como o de alcançar certos níveis de igualdade, justiça e solidariedade. Também não permite que as empresas interiorizem custos sociais como a contaminação do meio ambiente e o desemprego e exteriorizem ganhos sociais como seria partilhar conhecimentos, tecnologias ou outros recursos. Nos espaços de mercado que actualmente existem em Cuba observa-se que os vendedores não estão interessados em satisfazer as necessidades das pessoas: eles privilegiam as produções que mais lucros proporcionam, à custa de outras de maior necessidade; concentram a oferta nos sectores populacionais de maior capacidade de compra, ainda que não de maiores urgências; preferem vender poucos volumes a preços elevados que mais mercadorias a preços mais baixos; aproveitam-se de situações como acontecimentos meteorológicos para subir os preços, mesmo que os custos de produção não tenham subido na mesma proporção; fogem aos impostos; utilizam matérias-primas e tecnologias mais baratas que prejudicam a saúde e o meio ambiente, etc. Estes comportamentos «anti-sociais» não são criados – mas sim acentuados – pelas imperfeições desses espaços de mercado (resultado das limitações à entrada de novos vendedores e da sua segmentação pela dualidade monetária e disparidades na capacidade de compra), mas pela própria concorrência do mercado e pelo escasso controlo social sobre eles.
Falta reconhecer que as relações mercantis se tornam desadequadas para orientar as empresas para os interesses sociais, não porque os vendedores e os compradores sejam más pessoas que precisam de lições de humanismo ou inspectores mais exigentes, mas por ser próprio do funcionamento das relações mercantis que os força a priorizar os seus estreitos interesses sobre os outros, e faz com que esses comportamentos pareçam «naturais». Não obstante, habituados a níveis de justiça e racionalidade não comuns nas outras sociedades, nós cubanos não nos resignamos a que os que comercializam ganhem mais dinheiro que os que produzem, que os preços dos mesmos produtos variem abruptamente, que determinados produtos se vendam só nalguns bairros e a preços muito acima dos custos de produção. A ideia de que sempre haverá perdedores e ganhadores não é aceite passivamente, porque é evidente que através do mecanismo de mercado são sempre os desafortunados que perdem, por causas alheias à sua vontade (mulheres, velhos, negros e grupos historicamente marginalizados). Não parece justo que, por norma, os insensíveis triunfem e percam os que assumem os interesses dos outros como interesses próprios.
Não devemos esquecer que, sob a concorrência do mercado, qualquer tentativa genuína de uma empresa actuar de modo socialmente responsável implica, geralmente, um custo de oportunidade que afecta a sua posição no mercado, pois só se premeiam os comportamentos anti-sociais. [26] Além disso, os que administram empresas não contam com um quadro institucional que lhes permita construir os seus interesses individuais de forma menos estreita. O carácter bilateral e atomista das relações mercantis impede os agentes económicos a ter em conta e até a identificar os interesses dos outros. [27]
Também as empresas geridas democraticamente não podem escapar aos efeitos corruptivos de operarem através de relações mercantis; acabarão por se comportar como empresas capitalistas orientadas para a maximização dos lucros, ignorando ou violando os interesses sociais. [28] Alguns, colocam que estas tendem a interiorizar os interesses sociais, mesmo quando actuam através de relações mercantis, porque a lógica ou o objectivo principal do seu funcionamento é a satisfação das necessidades dos seus trabalhadores, ao contrário das empresas capitalistas, onde o que se procura é a maximização do lucro dos donos. [29] No entanto, ainda que as empresas autogeridas possam estar mais inclinadas a aceitar a sua responsabilidade social, a passar de uma lógica de interesses colectivos (do grupo de trabalhadores) a outra de interesses sociais mais amplos, normalmente estes só podem ser articulados através mecanismos de coordenação ou «planificação democrática», onde se construam, e além disso se articulem, acções para a sua satisfação.
Não há dúvida que o sistema de «planificação» que marcou a economia cubana, ainda que tenha tido a preocupação de que todos os cubanos tenham acesso a bens e serviços básicos, não assegurou a satisfação de alguns interesses sociais, sobretudo os relacionados com o consumo individual e a sua heterogeneidade. O sistema de direcção em que trabalharam as empresas estatais cubanas, e em que se encontram integradas as cooperativas agropecuárias, foi ineficaz na utilização de recursos, pelo que não criou condições para a sustentabilidade das conquistas sociais alcançadas.
Num sistema de planificação vertical – só formalmente democrático como o nosso – o controlo social depende de os administradores estatais responderem efectivamente às directivas dos organismos superiores e, principalmente, que essas orientações reflictam os interesses sociais. Numerosos economistas identificaram as limitações de um sistema de planificação autoritário, não democrático e excessivamente centralizado, tanto para distinguir os interesses sociais, como para motivar os administradores estatais a darem a informação necessária a uma efectiva planificação e que depois a cumprirem as orientações recebidas. [30]
Mas isto não nos pode levar a considerar as relações mercantis como a única alternativa a um sistema de planificação autoritário, vertical, nem esperar que um mercado concorrencial e bem regulado resolva todos os problemas económicos e, menos ainda, o de abastecimento dos bens básicos. É possível encontrar sínteses superiores diferentes – adaptadas a diferentes realidades – que combinem as vantagens das actividades descentralizadas com as orientadas por interesses sociais definidos nos territórios e grupos sociais onde elas têm influência.
Assim, visto que a maioria das empresas não estatais, dado o seu tamanho e carácter não estratégico, repercutirão a sua actividade fundamentalmente sobre as comunidades mais imediatas, é possível exercer o controlo social – necessário para garantir a satisfação dessas comunidades – através de instituições e políticas de alcance local, dirigidas pelos governos municipais ou, em municípios muito povoados, pelos conselhos populares. Os governos locais devem assumir a responsabilidade de orientar e apoiar as empresas do seu território em função dos interesses sociais e das actividades que essas empresas realizem.
Para isso, será suficiente a criação de espaços de coordenação ou planificação democrática, que incluam representantes das empresas não estatais – organizadas em associações ou conselhos – e dos residentes – delegados do Poder Popular, associações de consumidores e outras organizações sociais – desses territórios, para que de forma consensual se desenhem estratégias e planos de desenvolvimento, se decidam orçamentos, e algo muito importante: se supervisione o seu cumprimento. Como o demonstram as experiências de alguns governos locais em Cuba e noutros países, os métodos de «diagnóstico participado» e «orçamento participado» permitirão identificar e aproveitar da forma mais efectiva as potencialidades das empresas no território, e para as motivar a uma maior contribuição ao desenvolvimento local.
Uma vez identificados os interesses sociais, é necessário que o quadro regulador da actividade empresarial da área estabeleça uma lógica de compromisso com a satisfação dos ditos interesses: que se premeiem coerentemente os comportamentos socialmente responsáveis, e se penalizem os que atentem contra eles. Assim, as autoridades locais deverão estabelecer políticas de fomento de empresas que complementem necessidades insatisfeitas; expressar nas licenças de operação e nas cláusulas condicionantes dos contratos (de arrendamento, financiamento, compra e venda) os comportamentos que se espera delas; e premiar com contratos de financiamento, de compra e venda ou com níveis de impostos mais favoráveis as que satisfaçam de forma mais efectiva os interesses das suas comunidades. E as empresas cujas actividades estão relacionadas com necessidades básicas, poderá ser-lhes exigido critérios para a definição dos preços, a partir de custos e benefícios sociais, níveis de produção e qualidade requeridos, bem como compromissos de venda a instituições públicas, entre outras obrigações.
Para exercer o controlo social também sobre a comercialização e o consumo, os espaços de intercâmbio, actualmente de mercado (agro-mercados de livre oferta e procura e inclusive mercados estatais tanto em divisa como em pesos cubanos), poderão ser socializados de modo a que os que neles comercializem tomem em conta os interesses dos consumidores e das comunidades em geral. Como ocorre nas cooperativas de consumo, essas lojas poderão ser administradas por pessoas que respondam e prestem contas nos governos locais – como representantes dos interesses dos consumidores do território – para que eles tenham informação transparente e vias concretas para melhorar a relação preço/qualidade, o sortido, etc. Será também recomendável que os governos sejam responsáveis pela fiscalização das lojas de retalho e grossistas onde se irão aprovisionar e vender as novas empresas não estatais, pela disponibilização de financiamento, de assessorias e serviços para a administração empresarial, entre outras acções vitais para o seu êxito.
É importante esclarecer que o estabelecimento de mecanismos de planificação e coordenação democráticos, e outros espaços de controlo social, não implicam a proibição das empresas estabelecerem relações horizontais de intercâmbio. A descentralização é fundamental para que elas possam actuar com flexibilidade e celeridade e ter uma gestão que satisfaça efectivamente as necessidades sociais. Não se trata de lhes proibir que tentem aumentar os seus lucros, pois é evidente que tal não é possível nem conveniente, se se quer que elas sejam auto-financiadas e que os seus trabalhadores recebam uma remuneração adequada. O que se pretende é conseguir, através da planificação democrática e um quadro regulador, que estabeleçam um sistema de incentivos coerente, que a lógica das relações de intercâmbio horizontais que guiará o funcionamento das empresas não seja a maximização dos lucros dos seus colectivos ou administradores, mas que eles interiorizem o interesse social, que tenham em conta as necessidades materiais e espirituais dos grupos sociais em que a sua actividade se repercute.
Na medida em que os governos locais atinjam uma genuína articulação dos interesses sociais nos seus territórios, os representem fidedignamente nas estratégias, planos e orçamentos, e os implementem através de políticas e instituições, o seu controlo sobre as empresas será mais legítimo. Assim, se estas sabem que as suas contribuições serão utilizadas na satisfação de procuras sociais ou, melhor ainda, se os seus representantes puderem participar em decisões como as de utilizar e controlar a sua aplicação, através de uma prestação de contas realmente transparente, entenderão melhor a repercussão das suas actividades e ser-lhes-á mais incómodo fugir aos impostos e a outras responsabilidades sociais.
Considerações finais
O cerne da dificuldade em avaliar a pertinência de empresas não estatais na economia cubana e o papel que elas podem desempenhar na sua relação com o Estado está na necessidade de definir princípios essenciais que deverão caracterizar o socialismo cubano. Deverão encontrar-se respostas para perguntas como as seguintes: compreende a justiça social inerente a todo o projecto socialista que os trabalhadores tenham igualdade de oportunidades de se desenvolverem como seres humanos plenos e não serem reduzidos a factor de produção do processo produtivo? Exige-se ou não que a actividade empresarial seja orientada por interesses sociais? Por outras palavras, o que preocupa a sociedade cubana não é apenas o aumento da oferta de bens e serviços para satisfação da procura do consumo, mas que essa oferta seja acessível à maioria das pessoas, que se priorize as necessidades mais importantes, e que tenha como resultado postos de trabalho dignos, que se permita aos trabalhadores desenvolverem-se até à plenitude e satisfazer as suas necessidades materiais e espirituais?
Se a resposta às perguntas anteriores for afirmativa, a empresa não estatal é útil e conveniente para a construção socialista, sobretudo na medida em que a sua gestão seja controlada não só pelo colectivo de trabalhadores, mas também – de forma mais directa ou indirecta, conforme for mais eficaz – pelos grupos sociais que recebam influência das suas decisões. Só assim, sob controlo social, «unidas e guiadas por um plano», por uma estratégia de desenvolvimento local se lhes garante e facilita a satisfação dos interesses sociais. Isto implica, basicamente, uma gestão democrática da economia local pelas comunidades, através de instituições e procedimentos que elas determinem.
Ainda a nível local, alcançar este controlo social não será de modo algum um empecilho, nem se poderá avançar de forma linear: haverá êxitos e erros, avanços e recuos. É necessária uma forte vontade política e tempo para que os funcionários dos governos locais, os trabalhadores e os cidadãos desenvolvam as capacidades e atitudes da auto-gestão democrática: tomada de decisões por consenso, sistematização para implementar as acções acordadas, responsabilidade pelas decisões e acções realizadas. Será preciso evitar que os funcionários dos governos locais abusem do seu poder através de uma efectiva fiscalização, e sobretudo, através do seu controlo pelos próprios cidadãos e pelos meios de comunicação. Mas estes hábitos e competências só podem desenvolver-se na prática. Será, indubitavelmente, um processo de aprendizagem de novos métodos e de uma considerável mudança cultural.
O mais fácil – numa perspectiva dos que se sabem entre os vencedores – seria «liberalizar», dar rédea solta ao interesse individual, na contratação de trabalho assalariado permanente e das relações mercantis. Mas uma parte não desprezível dos cubanos, educados nos valores éticos da justiça e da solidariedade, e conscientes do nosso direito de viver dignamente – o que implica contribuir com o melhor de nós para a sociedade – estamos dispostos a fazê-lo melhor: a socializar ou democratizar em vez de só liberalizar. Defendemos a oportunidade de auto-gerir as nossas empresas e governos locais para que a actividade económica, e toda a actividade social de uma forma geral, contribuam para a satisfação das nossas necessidades, para o nosso desenvolvimento pleno como seres humanos. Se acontecer o contrário, passaremos a ser apenas instrumentos para a maximização dos lucros de uns poucos.
O actual processo de redução dos encargos salariais do Estado e de expansão de empresas não estatais apresenta enormes perigos. Mas é também uma oportunidade para promover a criação de novas formas de organização do trabalho que não só criem empregos mais produtivos para satisfazerem as necessidades de consumo e proporcionarem receitas tributárias que promovam o desenvolvimento local. É também, se a isso nos propusermos, uma conjuntura propícia à criação de espaços onde se promovam as capacidades e atitudes democráticas, a criatividade e os valores solidários indispensáveis à construção de uma ordem social que gire à volta das pessoas e não da abundância material, e que as novas gerações sintam como sua.
Só democratizando ou socializando a economia, materializando a propriedade social sobre ela, poderemos avançar para uma sociedade que tenha como horizonte o desenvolvimento humano e não só a redistribuição da riqueza. Se não, corremos o risco de – com o pretexto de criar benefícios materiais – a lógica do lucro se converter em natural e inevitavelmente chocar com a intenção redistributiva, e que assim, um dia, o mais «racional» seja abandonar o horizonte socialista.
Notas
[1] Existem formas de propriedade privada simples (auto-emprego ou emprego familiar, sem contratação de força de trabalho assalariado permanente) e não simples (empresas com contratação de força de trabalho assalariado permanente).
[2] A cooperativa é uma forma da propriedade colectiva: nem privada nem estatal. Veja-se Jesús Cruz Reyes y Camila Piñeiro Harnecker, «Una introducción a las cooperativas», em Camila Piñeiro Harnecker, ed., Cooperativas y socialismo: una mirada desde Cuba, Editorial Caminos, La Habana, 2011, p. 34.
[3] Quando surge a possibilidade do trabalho por conta própria em 1993, não se permitia a contratação de trabalhadores que não fossem familiares por quem possuía a licença. Portanto, era — ao menos formalmente — um tipo de auto-emprego, de emprego individual ou familiar: uma forma privada simples de organização do trabalho. Com as regulamentações de Outubro de 2010 (Gaceta Oficial, n. 11 y 12, La Habana, 2010), ao permitir-se e inclusive exigir-se a contratação de trabalhadores de forma permanente para várias actividades, a conta-própria deixa de representar um modo de auto-emprego pois nalguns casos se converte em formas privadas não simples.
[4] José Alejandro Rodríguez, «Casi se duplican los trabajadores por cuenta propia», Juventud Rebelde, La Habana, 4 de Março de 2011.
[5] «Información sobre el reordenamiento de la fuerza de trabajo», La Habana, 2010 citado por Carmelo Mesa-Lago, «El desempleo en Cuba: de oculto a visible», Espacio Laical, a. 6, n. 4, La Habana, Outubro de 2010, pp. 59-66.
[6] Lina Pedraza, «Intervención en el Sexto Período Ordinario de Sesiones de la Séptima Legislatura de la Asamblea del Poder Popular», 15 de Dezembro de 2010.
[7] Ver Camila Piñeiro Harnecker, ed., ob. cit., pp. 26-30; «Riesgos de la expansión de empresas no estatales en la economía cubana y recomendaciones para evitarlos», disponível em www.odiario.info/?p=2350.
[8] El Proyecto de lineamientos de la política económica y social, del Partido Comunista de Cuba (PCC), aparecido en noviembre de 2010, sirviu de base para os debates de preparación para o VI Congreso do PCC que teve lugar em Abril de 2011.
[9] Leticia Martínez Hernández, «Trabajo por cuenta propia: mucho más que una alternativa», Granma, La Habana, 24 de Setembro de 2010.
[10] Delineamento exposto nos manuais de economia política soviéticos, onde se reduziu a propriedade social — identificada pelos clássicos do marxismo como característica essencial da sociedade pós capitalista — a propriedade estatal.
[11] Karl Marx, «La nacionalización de la tierra» [1872], disponível em Marxists Internet Archive, www.marxists.org, p. 308.
[12] Ainda que não seja impossível que os proprietários individuais cedam o controlo da sua gestão mediante arrendamento, isto dependerá das decisões que essas pessoas tomem. Por isso, é recomendável que sejam as instituições que representem interesses sociais (ministérios ou governos locais, regionais) que deverá ter a propriedade legal pelo menos desses meios de produção estratégicos.
[13] Leticia Martínez Hernández y Yaima Puig Meneses, «Sesionó reunión ampliada del Consejo de Ministros», Granma, La Habana, 1 de marzo de 2011.
[14] Según Alcides López, enquanto desapareceram apenas 136 CPA desde a sua criação (uma média de três anuais), dissolveram-se 474 UBPC, uma média de vvinte e quatro anuais. Ver a sua tese de doutoramento «Propuesta de un Sistema Integrado de Gestión para las UBPC», Universidad de La Habana, enero de 2011.
[15] Avelino Fernández Peiso, «Notas características del marco legal del ambiente cooperativo cubano», em Camila Piñeiro Harnecker, ed., ob. cit., p. 366.
[16] Isto verifica-se se se propuser incluir no mesmo sindicato trabalhadores contratados, por conta-própria e cooperativas que os contratam, e em delineamentos como o de Idalmys Álvarez. Directora de Emprego do Ministério do Trabalho e Segurança Social: «[Na] contratação de trabalhadores, autorizada para 83 das opções laborais não estatais […] não se cria uma tradicional relação de subordinação entre empregador e empregado, pois ao serem ambos trabalhadores por conta-própria acordam os termos da contratação» (Ver José Alejandro Rodríguez, ob. cit.). A pesar disso, publicaram-se no Granma cartas que inclusive demonstram que algumas UBPCdeixaram de pagar salários a trabalhadores contratados. A Central de Trabalhadores de Cuba disse estar a zelar pelo respeito dos interesses dos trabalhadores contratados.
[17] Mondragón é uma cooperativa de terceiro grau, com mais de cem cooperativas, cuja actividade a torna no sétimo grupo empresarial mais importante de Espanha. Ver www.mcc.es.
[18] Jaroslav Vanek, The Labor-managed Economy: Essays by Jaroslav Vanek, Cornell University Press, Ithaca, 1977, p. 208; Pat Devine, Democracy and Economic Planning, Polity Press, Cambridge, 1988, pp. 95-6.
[19] Sam Dolgoff, ed., The Anarchists Collectives: Workers’ Self-management in the Spanish Revolution 1936-1939, Free Life Editions, Nueva York, 1974.
[20] Ver Camila Piñeiro Harnecker, ed., ob. cit., pp. 71-190.
[21] Juan Guillermo Espinosa y Andrew Zimbalist, Economic Democracy: Workers’ Participation in Chilean Industry 1970-1973, Academic Press, Nueva York, 1978, p. 171; John Bonin y Louis Putterman, Economics of Cooperation and Labor-Managed Economy, Harwood Academic Publishers, Nueva York, 1987, p. 6; Jaroslav Vanek, ob. cit., p. 167 y Gregory Dow, Governing the Firm, Cambridge University Press, Nueva York, 2003, pp. 8-15, 95-101, 176-8, indicam as principais deficiências da empresa capitalista, e explicam como estas derivam fundamentalmente da sua gestão não democrática em consequência do seu controlo privado. David I. Levine y Laura D. Tyson («Participation, Productivity, and the Firm’s Environment», en Alan S. Blinder, ed., Paying for Productivity: A Look at the Evidence, The Brookings Institution, Washington, DC, 1990, pp. 183-244) demonstram empiricamente que a participação dos trabalhadores na gestão das suas empresas pode dar lugar a aumentos de produtividade.
[22] A injustiça da relação de trabalho assalariado não reside realmente no montante do salário, mas no carácter não democrático da gestão que ela estabelece em que o trabalhador cede a sua capacidade de participação substantiva. Ver Camila Piñeiro Harnecker, «Riesgos de la expansión…», ed. cit.
[23] Como necessidade «básica» inclui-se normalmente a alimentação, educação, saúde, higiene, transporte e roupa, entre outros. No entanto, a definição de um bem ou serviço como «básico» dependerá das aspirações e hábitos culturais das pessoas e das condições de acesso a elas que se tenha.
[24] Por «relações mercantis» não se compreende qualquer forma de intercâmbio horizontal, mas aquelas onde os preços e outras decisões de intercâmbio são tomadas — ao menos em teoria — de forma bilateral entre o vendedor e o comprador e cada parte procura maximizar o seu interesse individual, sem ter em conta o social. É possível, mediante instituições de coordenação ou planificação democrática, alcançar relações de intercâmbio horizontais que não sejam mercantis mas «socializadas».
[25] Inclusive a teoria económica neoclássica reconhece que as leies de oferta e procura não se verificam quando os produtos são dificilmente substituíveis como os de consumo básico.
[26] Camila Piñeiro Harnecker, «Principales desafíos de las cooperativas en Venezuela», Cayapa: Revista de Economía Social Venezolana, a. 8, n. 15, Caracas, enero-junio de 2008, pp. 54-5.
[27] Camila Piñeiro Harnecker, «Conciencia social y planificación democrática en las cooperativas venezolanas», Temas, n. 54, La Habana, abril-junio de 2009, p. 22.
[28] Ver Robin Hahnel, Economic Justice and Democracy: From Competition to Cooperation, Routledge, Nueva York, 2005, p. 355; Pat Devine, ob. cit., p. 13; Ellen T. Comisso, Workers’ Control under Plan and Market, Yale University Press, New Haven, 1979, p. 110.
[29] Para compreender esta diferença é necessário perceber que nem todas as necessidades humanas podem ser satisfeitas de forma individual através de receitas monetárias. Há outras, tanto materiais como espirituais, relacionadas com a realização pessoal e com as relações que se estabelecem com outros seres humanos
[30] Ver Pat Devine, ob. cit., pp. 73-4, 88-91, 220-1, y Robin Hahnel, ob cit., pp. 94, 97-8.
* A autora é professora, investigadora e consultora de empresas do Centro de Estudos de Economia Cubana, Universidade de Havana.
Este estudo foi publicado na revista cubana Temas, nº 67, Julho-Setembro de 2011
Tradução de José Paulo Gascão
Foto: Cerebral
Fonte: http://diarioliberdade.org/

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