terça-feira, 8 de dezembro de 2009

As laranjas e os Sem Terra


Por Jornal Sem-Terra
ENTRANDO NA ESTRADA de terra que sai da cidade de Iaras, no centro-oeste de São Paulo, logo se vê uma placa que anuncia: aquele território é do governo federal. Ali mesmo a paisagem começa a ficar estranha. É um oceano de eucaliptos. Quem já viu uma monocultura assim, entende. Não se vê gente trabalhando, não se ouvem barulhos de vida animal, são quilômetros de árvores sem floresta. No meio da monocultura, há alguns assentamentos e acampamentos Sem Terra. Literalmente encurralados pelos pinus, pela laranja, pela cana e gado.
A região é de terras griladas, ou seja, tomadas irregularmente do Estado por fazendeiros. Apenas na área onde está a fazenda usada pela Cutrale, há 30 mil hectares de posse legal da União. Mas a União não cumpre sua função de retomar as terras para a Reforma Agrária. Até a Justiça Federal deu posse do terreno ao Incra, em 2007. Cerca de 30% da área foi desapropriada, e 18 famílias foram assentadas. Com a saída da empresa, outras 400 famílias poderiam ter seu direito à terra garantido. Terra que, afinal de contas, é patrimônio público.
A ocupação da fazenda Capim, no final de setembro, tinha como objetivo pressionar para a liberação das terras. Não foi a primeira vez que as 450 famílias acampadas na região recorreram à ocupação para chamar a atenção das autoridades. Mas foi a primeira vez que todos os setores dominantes agiram de forma orquestrada para dar repercussão mundial à ação. Um helicóptero filmou um trator destruindo alguns pés de laranja. E armou-se o circo.
A quantidade de laranja derrubada corresponde a 0,7% dos 1 milhão de pés existentes na fazenda. Mas o ato foi repetido à exaustão pelas redes de televisão até passar para os espectadores a mensagem de que Sem Terra destrói produção de alimentos. “Nós não somos contra a laranja. Somos contra a empresa usar terras públicas parafazer o que quer. A imprensa não vem nos acampamentos mostrar o que acontece”, analisa Légas (os sobrenomes forma omitidos para preservar a identidade dos entrevistados), da frente de massa da região.
E por que não mostram?
A afirmação de Légas faz sentido. Por semanas, senadores, deputados, ruralistas e outras pessoas levantaram a voz contra o “vandalismo” dos Sem Terra. Forjaram a destruição de maquinários, furto de bens da empresa, como 15 mil litros de combustível. “Isso foi invenção da cabeça deles. Por que não nos revistaram? O que nós faríamos com o combustível aqui?”, indaga Cristina, acampada na região com seus dois filhos.
“A Globo pensa diferente da classe trabalhadora”, resume Légas. Afinal, nenhum jornalista achou importante o depoimento de um acampado da região. Como era Maria Cícera Neves, a companheira que foi atropelada na marcha Campinas-São Paulo, em agosto. Ela ficou nove anos acampadaali. Seus netos ainda estão.
Assim como está Juciara, de 12 anos. Sua família foi uma das 18 assentadas em Zumbi dos Palmares. Mas ainda não chegou lá água encanada, luz elétrica ou recursos para a produção. Sua mãe trabalha na colheita de laranja para outra transnacional da região. Juciara precisa se deslocar mais de 20 km para chegar na escola. Isso quando o ônibus chega até o assentamento. E precisa dormir cedo, já que não existe luz elétrica.
É pelo direito de produzir e viver com dignidade que as famílias seguem em luta. “Não estamos aqui para fazer vandalismo, como eles dizem. A Cutrale acha que tem mais direito sobre essas terras do que todos que estão aqui, mas nós não achamos isso. Da minha parte, eu volto lá e ocupo novamente”, completa Cristina.
A realidade da Cutrale
A Cutrale mantém um dos maiores monopólios alimentícios do mundo. Detém cerca de 30% do mercado global de suco de laranja e possui clientes como Parmalat, Nestlé e Coca-Cola. Em relação à última empresa, a Cutrale, segundo revela o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, é sua fornecedora exclusiva.
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) lembra, em boletim, que a empresa é alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por liderar um cartel formado por quatro empresas que dominam o setor. As outras três seriam a Citrosuco, do grupo holandês Fischer; a Coinbra- Frutesp, do grupo francês Louis Dreyfus, e a Citrovita, do grupo Votorantim.Trata-se das maiores produtoras de suco do país e respondem por 90% da produção nacional. Entretanto, a Cutrale, sozinha, responde por mais de 60%. Essas quatro indústrias detêm mais de 50 milhões de pés de laranja e, como destaca Dr. Rosinha, impõem seus preços aos demais produtores.
O monopólio, além de padronizar os preços, não permite a geração de empregos. Atualmente, apesar de existirem plantações de laranja por todo o Brasil, “restaram somente os grandes e médios produtores”, e “o número de trabalhadores no setor é reduzidíssimo porque as plantas são altamentetecnificadas”, revela Umbelino.
Fundada há 40 anos, a Cutrale, conforme explica o geógrafo, sempre agiu de modo a verticalizar a produção. “Ela desenvolveu o processo de monopólio dentro de seu histórico de produção de suco, comprando unidades pequenas e as fechando”, conta.
Umbelino lembra que, enquanto havia competição, as indústrias sucocítricas negociavam com seus fornecedores por intermédio do governo estadual. A Cutrale foi ganhando força e provocou a criação de associações de citricultores que a enfrentavam. As organizações racharam e a empresa conseguiu enfraquecer as entidades menores.
Atualmente, segundo o geógrafo, a Cutrale planta 10% de sua produção como forma de garantir sua produção de sucos, no caso de haver possíveis problemas com o fornecimento de laranjas. Os donos da empresa, que teriam fortuna acumulada equivalente a 5 bilhões de dólares, segundo informações do deputado Dr. Rosinha, são réus em processos por crime de formação de cartel e posse ilegal de armas de fogo. A Cutrale também já foi autuada por causar diversos impactos ambientais.
Doações da empresa
Quatro deputados federais que assinaram o requerimento favorável à criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) contra o MST receberam doações da Sucocítrico Cutrale.
Arnaldo Madeira (PSDB/SP) recebeu, em setembro de 2006, R$ 50 mil em doações da empresa. Carlos Henrique Focesi Sampaio, também do PSDB paulista, e Jutahy Magalhães Júnior (PSDB/BA), obtiveram cada um R$ 25 mil para suas respectivas campanhas. Nelson Marquezelli (PTB/SP) foi beneficiado com R$ 40 mil no mesmo período.
Os quatro parlamentares que votaram favoravelmente à CPI integram a lista dos 55 candidatos beneficiados pela empresa em 2006. A Cutrale possui 30 fazendas em São Paulo e Minas Gerais, totalizando 53.207 hectares. Destas, seis fazendas com 8.011 hectares são classificadas pelo Incra como improdutivas. A área grilada de Iaras nem entra na conta.
Por conta do monopólio da Cutrale no comércio de suco e da imposição dos preços, agricultores que plantam laranjas foram obrigados a destruir entre 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais. Em reportagem de 2003, uma revista denunciou que a empresa Cutrale tem subsidiária nas Ilhas Cayman, como forma de aumentar seus lucros.
(JOANA TAVARESSETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST(Com informações do Brasil deFato e da Radioagência NP))

Fonte: MST

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