A maior parte dos participantes da Cúpula da Terra da ONU em Johannesburgo concordou que usando algum variante dos métodos da economia de mercado capitalista poder-se-ia resolver a crise ambiental. Mas isso é verdade?
Quando o governo dos EUA abandonou o acordo de Kyoto para reduzir o aquecimento global, milhões de ativistas ambientais por todo o mundo se indignaram. A mensagem era alta e clara: os interesses das corporações multinacionais – representadas pela Casa Branca – vêm antes do iminente desastre ambiental causado pela emissão de gases poluentes ligados ao efeito estufa (gases-estufa). A política descarada de Bush de defesa dos lucros das companhias americanas colocou em questão a credibilidade dos acordos internacionais entre poderes capitalistas rivais e provocou um debate entre os ambientalistas de esquerda sobre o caminho a seguir.
Porém, virtualmente, todos os participantes na recente Cúpula da Terra concordaram que usar métodos do mercado capitalista era o único meio possível de evitar a crise ambiental que o mundo enfrenta. Esse consenso reúne tanto verdes radicais quanto George Bush, que diferem apenas sobre o tipo de ferramentas de mercado a se usar ou quanto o estado deve se envolver na implementação e fiscalização das suas operações. Para avaliar se qualquer tipo de abordagem de mercado pode enfrentar a escala do problema, é necessário olhar alguns detalhes das diferentes soluções em oferta.
Direitos de propriedade, autorizações de comércio, e eco-taxas
O método clássico usado pela escola neo-liberal para lidar com os danos ambientais é a abordagem dos “direitos de propriedade”, que se baseia em negociações diretas entre as partes afetadas para resolver a questão. Isso requer que os direitos de propriedade para o uso de recursos ambientais sejam definidos e possuídos por alguém. É fácil ver as dificuldades práticas disso. Por exemplo, é difícil de ver qual sistema de posse privada poderia ser imposto à estratosfera e, mesmo se fosse, o número de pessoas afetadas por seu mal-funcionamento chega aos bilhões – todos os quais procurariam a compensação do proprietário, tornando o método impraticável.
Esta dificuldade prática em usar a abordagem dos direitos de propriedade atingiu até mesmo alguns defensores resolutos do livre mercado e um sistema alternativo baseado em controlar a poluição através do mecanismo de preço foi desenvolvido, trata-se do chamado princípio de ‘fazer o poluidor pagar’. A rota preferida desse é imaginada como o comércio da autorização de poluição, definida pelo governo em um preço que reflete os custos ambientais e cobrindo uma área geográfica específica. Deixando de lado no momento o fiasco da experiência de autorização de comércio de Kyoto, não é difícil ver que esse plano também seria ineficiente. Por exemplo, o custo da construção de barragens contra inundações em Bangladesh em 20 anos, necessário por causa do aquecimento global devido às emissões das corporações americanas hoje, não seria incluído no preço de permissão, significando que o poluidor não está realmente ‘pagando’ tudo.
Uma alternativa ao sistema de permissão é a introdução de uma eco-taxa, embora esta seja considerada como uma idéia perigosamente “socialista” pelos neo-liberais quando comparada ao livre comércio de permissões. Porém, o principio é o mesmo, que pelo aumento do preço dos recursos poluidores, haverá um incentivo criado para usá-los menos e procurar substitutos. A evidência para mostrar que isto funciona é comparando a experiência dos EUA e alguns outros países capitalistas avançados. Os preços de energia nos EUA estão em 3º lugar dentre aqueles países como Noruega, enquanto suas emissões de carbono são cerca de 3 vezes maiores por unidade do PNB (citado em The North, the South and the Environment, Editado por V Bhaskar e A Glynn, Earthscan, 1995 p139). O mecanismo de taxas parece funcionar.
Contudo, a questão não é tão simples, quando examinada detalhadamente. A França, por exemplo, tem uma performance de gases-estufa relativamente boa porque ela introduziu a energia nuclear numa escala massiva, que por coincidência não produz gases-estufa. Isso foi feito por razões políticas, não porque o preço do combustível fóssil era alto – o que questiona, portanto, a ligação entre alto custo dos combustíveis fósseis e a baixa emissão de poluição. Além disso, a evidência mostra que os fatores econômicos que ajudam a criar a sustentabilidade como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologia não-poluidora, não serão promovidos a um tamanho significativo por meio do ajustamento de preços pelas eco-taxas.
Mesmo que as taxas pudessem desempenhar algum papel na redução da poluição, há a questão da escala a ser considerada. O custo para os EUA para cortes significativos nos gases -estufa são de $400bilhões por ano (em torno de 3.5% do PIB e similar ao seu orçamento de defesa), mostra que para tal programa ser efetivo o aumento de taxas deveria ser enorme, atingindo de forma significativa os lucros dos grandes negócios. É significativo que nos países escandinavos, onde alguma forma de eco-taxa foi implementada, as companhias foram especificamente excluídas do pagamento e toda a carga é posta nos indivíduos. Outra conseqüência das eco-taxas é a de que os pobres são atingidos mais duramente por sua introdução, porque o custo de se aquecer e cozinhar, normalmente fornecido por combustíveis fósseis, toma uma proporção enorme de sua renda. Num nível diferente, este efeito regressivo também se aplica às taxas de congestionamento, como às propostas pelo prefeito de Londres, Ken Livingstone, para promover o uso do transporte público.
Análise Custo-benefício
A análise custo-benefício é uma ferramenta que tem sido usada para avaliar riscos ambientais e alcançar uma decisão racional sobre investimento futuro, dando valor a diferentes efeitos ambientais usando uma medida comum, isto é, dinheiro. Custos e benefícios que cairão sobre futuras gerações são descontados em uma taxa percentual acordada para chegar a uma ‘rede de valor atual’. Deste modo, os valores podem ser facilmente comparados e um balanço objetivo de custos e benefícios criado. Mas, seu sucesso depende da definição clara do que custos e benefícios são e de todas as partes envolvidas concordarem com estas definições. Onde lucros estão em jogo é mais fácil dizer do que fazer.
Em termos capitalistas, os riscos devem ser expressos em termos de dinheiro e probabilidades de futuros eventos adversos claramente determinados. Por exemplo, numa análise custo-benefício do aquecimento global, o número de mortes que podem resultar devido à mudança climática no futuro foi estimado. Calculou-se que 22.923 pessoas podem morrer nos países capitalistas avançados e 114.804 (ambos quadros muito conservadores) no resto do mundo. O próximo estágio na análise foi calcular um valor em dinheiro destas vidas, que resultou num quadro de $1.480.000 por cidadão ‘capitalista avançado’ e $ 131.000 por qualquer outro. É difícil ver o resultado deste tipo de análise se tornar a base de um acordo mútuo baseado em justiça e imparcialidade. Quando isso não pode ser feito, que é o usual, os riscos ambientais são efetivamente ignorados usando um sistema de desconto ordinário.
Usando este método, foi calculado que o custo de um acidente nuclear, 500 anos no futuro, custando £10 bilhões em preços atuais para as futuras gerações, seria de 0,25 libra, descontados os 5%. Em outras palavras, se a análise custo-benefício foi feita agora sobre construir uma estação de energia, 0,25 libra iriam para a coluna de custos para permitir um acidente futuro. Olhando a questão de outro modo, se um fundo de compensação fosse criado agora para alcançar os custos deste futuro acidente, seria necessário investir apenas 0,25 libra para levantar a soma exigida, devido aos trabalhos de juros combinados para tão longo período. A rede de custos atuais é claramente dependente da taxa de juros usada, mas não há acordo sobre qual deveria ser. Isto não é surpreendente, visto que é difícil prever taxas de juros das próximas 5 semanas, para não falarmos de 500 anos. Como um expert disse, "pela escolha de um parâmetro de valores apropriados quase qualquer política de abatimento (ambiental) pode ser justificada".
Coações sobre o capitalismo
Todas estas teorias capitalistas para obter sustentabilidade – direitos de propriedade, permissões de comércio ou eco-taxas – permanecem enquanto tal, teorias. As razões pelas quais nenhuma delas jamais foi implementada numa escala significativa são muito mais importantes do que críticas individuais que podem ser feitas a cada uma delas. Os elementos pensantes da classe capitalista internacionalmente percebem que um abismo se aproxima, então por que não podem tomar realmente uma ação decisiva?
A contradição central do capitalismo do início do século XX até o presente tem sido sua incapacidade em resolver as necessidades conflitantes da produção dirigida para o lucro e a existência dos estados-nações. Em sua busca por lucro, os capitalistas são forçados a procurar novos mercados além de suas fronteiras à medida que seu próprio mercado se torna saturado, levando-os ao conflito com rivais de outros países que estão sob pressões similares. Em termos abstratos, os rivais podem cooperar para mais eficientemente explorar o resto do mundo se o mercado se expandisse continuamente, mas isto nunca é o caso com o capitalismo, já que a falência sempre segue o boom. Quando o mercado cai, as tensões crescem entre os rivais internacionais e as grandes corporações olham uma vez mais para seus governos para proteger seus lucros. O ciclo ocorrerá de novo na queda que se avizinha.
Porém, qualquer solução genuína para a crise ambiental, precisa ser internacional – visto que todas as ameaças sérias, como aquecimento global, redução da camada de ozônio ou contaminação por lixo nuclear tóxico, afeta todo o planeta em grandes partes dele. Os principais países capitalistas responsáveis pela maior parte da poluição nunca cooperarão significativamente se os lucros de ‘suas’ multinacionais forem ameaçados, especialmente numa recessão. Este é o problema fundamental que está no coração da crise ambiental.
O fiasco do protocolo de Kyoto demonstra a incapacidade do sistema capitalista para enfrentar a crise. Kyoto pretendia enfrentar o aquecimento global reduzindo as emissões de gases-estufa numa quantidade pequena para voltar ao nível de 1990 – o que em si é um objetivo modesto. A justificativa foi a de que isto era o máximo que era politicamente viável, mas mesmo este pequeno passo à frente, feito numa época de boom econômico, provou ser totalmente inaceitável para os EUA. O protocolo foi fixado então para que nenhuma redução atual nos gases estufa dos países capitalistas avançados (PCAs) ocorresse. Ao invés disso, um sistema de comércio de permissões foi introduzido – o preferido mecanismo de ‘livre mercado’ – em que os PCAs podem comprar os direitos de poluir de outros países que estão abaixo de sua cota. Isso foi possível porque, muito convenientemente, o ano-base em que os cálculos se basearam foi 1990, justamente antes da recessão econômica na antiga União Soviética e Leste Europeu que causou a queda da sua produção de gases-estufa em 50%. Isso significa que os estados do Leste Europeu tem uma enorme ‘reserva’ de permissões para vender aos PCAs, provavelmente a preços muito razoáveis considerando sua situação desesperada.
Porque o Congresso americano votou unanimemente para rejeitar este acordo quase que totalmente cosmético? Provavelmente não foi porque o preço imediato era inaceitável, visto que eles alcançaram um consenso, embora atrasado, na questão do ozônio que incorria em custos para as companhias dos EUA. Foi porque eles viam isso como o um calçado apertado, onde, eventualmente, cortes significativos seriam feitos. Como os EUA produzem 25% de todos os gases-estufa, quase 2 vezes mais que seus principais rivais na UE, seus lucros seriam afetados desproporcionalmente por estes cortes. A lição aqui é que se apenas sacrifícios pequenos são necessários, e eles podem ser distribuídos entre rivais capitalistas, como no caso da redução de CFC, então acordos limitados podem ser feitos (ainda que seja duvidoso que mesmo isto seria aplicado em condições de recessão). Contudo, se os lucros estão seriamente sob ameaça, então mesmo o acordo limitado é impossível e isso particularmente se aplica ao poder dominante mundial, os EUA, o maior perdedor potencial.
Intervenção estatal direta
A intervenção estatal direta para reduzir a poluição, embora operando ainda dentro da estrutura de uma sociedade dirigida pelo mercado, tem sido descartada como uma opção pelos alquimistas neo-liberais dominantes – que a rotulam desdenhosamente como ‘comando e controle’. Alguns comentaristas pró-capitalistas pensam em começar a reconsiderar esta atitude, porque pensam que a intervenção direta pode de fato funcionar, em contraste com a teorização neo-liberal. Uma estratégia que eles propõem é impor um dispositivo legalmente aplicável para controlar as emissões, mas outras opções poderiam também incluir medidas mais radicais. Por exemplo, dirigir a produção para setores não-poluidores, restringir a escolha de consumo para produtos ecológicos ou prescrever que a energia deva ser produzida por recursos renováveis.
Na medida em que a crise ambiental se aprofundar, a atração desta abordagem irá crescer, especialmente para aqueles na esquerda ou ativos no movimento verde que podem ver a impotência das idéias baseadas puramente no mercado. Embora a intervenção estatal possa ter um efeito se fosse aplicada em todos os maiores países poluidores em larga-escala por um longo prazo, a questão é: ela será aplicada? É possível que um país individual comece a implementar medidas ambientais em pequena escala, como a Alemanha agora ou a Escandinávia. Contudo, logo que o nível de investimento pelo estado ameaçar os lucros com altos impostos, tal como será necessário se as medidas forem suficientemente amplas para serem efetivas, os grandes negócios temerão que sua competividade internacional seja solapada. Visto que no contexto do capitalismo, a prioridade do governo de cada país é proteger os interesses das companhias multinacionais baseadas dentro de suas fronteiras, qualquer programa ambiental significativo será então abandonado.
A rivalidade imperialista irá impedir a cooperação internacional que é essencial para fazer progresso, pois o meio ambiente será ameaçado como um ‘bem livre’ pelas multinacionais que dominam a produção e continuará a ser explorado por um custo pequeno para eles mesmos.
Socialismo e o meio ambiente
A Terra está claramente no caminho para uma catástrofe ecológica. Este caminho será marcado por, entre muitos outros exemplos, destruição de grandes áreas do globo habitável devido ao aquecimento global, a degradação química da atmosfera levando a uma epidemia de câncer e o legado do problema do lixo tóxico para as futuras gerações, por mais de 100.000 anos.
A responsabilidade por esta situação repousa sobre o capitalismo, um sistema controlado pela infame ‘mão invisível’ das forças do mercado, e dirigido pelo lucro. A economia de mercado tem uma necessidade inerente de crescimento permanente, impulsionada pela competição e pela busca por lucro, mas ao mesmo tempo, aparentemente de forma paradoxal, sofrendo de quedas regulares na produção. Estas tendências levam ao desperdício e a degradação ambiental, feitas pela natureza anárquica e imprevisível da economia de mercado. A alternativa é um sistema social baseado na necessidade e não no lucro, o que teria enormes vantagens inerentes do ponto de vista de economizar energia. Por exemplo, evitaria a duplicação de recursos, obsolescência planejada e destruição de fábricas e maquinaria em larga-escala – características do sistema capitalista de lucros.
Eliminando estas características do sistema, haverá um impacto significativo no aumento da eficiência do uso de energia e portanto reduzir a poluição. Um sistema socialista, evitando o desperdício inerente do capitalismo, oferecerá a esmagadora vantagem ambiental em fornecer um consciente controle democrático através do planejamento.
De acordo com a maioria dos ativistas ambientais a redução do aquecimento global e outras ameaças ambientais a níveis sustentáveis não é apenas uma questão técnica, mas está fortemente associada à questão de reduzir ou reverter o crescimento econômico.
Visto que isso tem grandes implicações para a possibilidade de abolir a pobreza pelo mundo, que é um pré-requisito para a construção do socialismo, uma estratégia diferente precisa ser explorada. Um aspecto importante deste debate – que é apenas o inicio a ser considerado – é propor uma alternativa ao sistema de mercado, cuja busca por lucro é a primeira causa da destruição insustentável do ambiente. Embora o colapso da União Soviética e a degradação do meio ambiente no Leste Europeu durante o período stalinista pareceu desacreditar as idéias de planejamento como alternativa ao capitalismo, o uso planejado de recursos, comparado à anarquia do ‘livre empreendimento’, será essencial para enfrentar o problema de aquecimento global e outras ameaças. Tal economia planificada, se democraticamente controlada, é uma alternativa tanto ao capitalismo e à perversão do socialismo praticado na antiga URSS.
Texto Original Publicado em:
http://www.sr-cio.org/index.php?option=com_content&view=article&id=133:pode-o-capitalismo-ser-verde&catid=38:meioambiente&Itemid=63
Quando o governo dos EUA abandonou o acordo de Kyoto para reduzir o aquecimento global, milhões de ativistas ambientais por todo o mundo se indignaram. A mensagem era alta e clara: os interesses das corporações multinacionais – representadas pela Casa Branca – vêm antes do iminente desastre ambiental causado pela emissão de gases poluentes ligados ao efeito estufa (gases-estufa). A política descarada de Bush de defesa dos lucros das companhias americanas colocou em questão a credibilidade dos acordos internacionais entre poderes capitalistas rivais e provocou um debate entre os ambientalistas de esquerda sobre o caminho a seguir.
Porém, virtualmente, todos os participantes na recente Cúpula da Terra concordaram que usar métodos do mercado capitalista era o único meio possível de evitar a crise ambiental que o mundo enfrenta. Esse consenso reúne tanto verdes radicais quanto George Bush, que diferem apenas sobre o tipo de ferramentas de mercado a se usar ou quanto o estado deve se envolver na implementação e fiscalização das suas operações. Para avaliar se qualquer tipo de abordagem de mercado pode enfrentar a escala do problema, é necessário olhar alguns detalhes das diferentes soluções em oferta.
Direitos de propriedade, autorizações de comércio, e eco-taxas
O método clássico usado pela escola neo-liberal para lidar com os danos ambientais é a abordagem dos “direitos de propriedade”, que se baseia em negociações diretas entre as partes afetadas para resolver a questão. Isso requer que os direitos de propriedade para o uso de recursos ambientais sejam definidos e possuídos por alguém. É fácil ver as dificuldades práticas disso. Por exemplo, é difícil de ver qual sistema de posse privada poderia ser imposto à estratosfera e, mesmo se fosse, o número de pessoas afetadas por seu mal-funcionamento chega aos bilhões – todos os quais procurariam a compensação do proprietário, tornando o método impraticável.
Esta dificuldade prática em usar a abordagem dos direitos de propriedade atingiu até mesmo alguns defensores resolutos do livre mercado e um sistema alternativo baseado em controlar a poluição através do mecanismo de preço foi desenvolvido, trata-se do chamado princípio de ‘fazer o poluidor pagar’. A rota preferida desse é imaginada como o comércio da autorização de poluição, definida pelo governo em um preço que reflete os custos ambientais e cobrindo uma área geográfica específica. Deixando de lado no momento o fiasco da experiência de autorização de comércio de Kyoto, não é difícil ver que esse plano também seria ineficiente. Por exemplo, o custo da construção de barragens contra inundações em Bangladesh em 20 anos, necessário por causa do aquecimento global devido às emissões das corporações americanas hoje, não seria incluído no preço de permissão, significando que o poluidor não está realmente ‘pagando’ tudo.
Uma alternativa ao sistema de permissão é a introdução de uma eco-taxa, embora esta seja considerada como uma idéia perigosamente “socialista” pelos neo-liberais quando comparada ao livre comércio de permissões. Porém, o principio é o mesmo, que pelo aumento do preço dos recursos poluidores, haverá um incentivo criado para usá-los menos e procurar substitutos. A evidência para mostrar que isto funciona é comparando a experiência dos EUA e alguns outros países capitalistas avançados. Os preços de energia nos EUA estão em 3º lugar dentre aqueles países como Noruega, enquanto suas emissões de carbono são cerca de 3 vezes maiores por unidade do PNB (citado em The North, the South and the Environment, Editado por V Bhaskar e A Glynn, Earthscan, 1995 p139). O mecanismo de taxas parece funcionar.
Contudo, a questão não é tão simples, quando examinada detalhadamente. A França, por exemplo, tem uma performance de gases-estufa relativamente boa porque ela introduziu a energia nuclear numa escala massiva, que por coincidência não produz gases-estufa. Isso foi feito por razões políticas, não porque o preço do combustível fóssil era alto – o que questiona, portanto, a ligação entre alto custo dos combustíveis fósseis e a baixa emissão de poluição. Além disso, a evidência mostra que os fatores econômicos que ajudam a criar a sustentabilidade como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologia não-poluidora, não serão promovidos a um tamanho significativo por meio do ajustamento de preços pelas eco-taxas.
Mesmo que as taxas pudessem desempenhar algum papel na redução da poluição, há a questão da escala a ser considerada. O custo para os EUA para cortes significativos nos gases -estufa são de $400bilhões por ano (em torno de 3.5% do PIB e similar ao seu orçamento de defesa), mostra que para tal programa ser efetivo o aumento de taxas deveria ser enorme, atingindo de forma significativa os lucros dos grandes negócios. É significativo que nos países escandinavos, onde alguma forma de eco-taxa foi implementada, as companhias foram especificamente excluídas do pagamento e toda a carga é posta nos indivíduos. Outra conseqüência das eco-taxas é a de que os pobres são atingidos mais duramente por sua introdução, porque o custo de se aquecer e cozinhar, normalmente fornecido por combustíveis fósseis, toma uma proporção enorme de sua renda. Num nível diferente, este efeito regressivo também se aplica às taxas de congestionamento, como às propostas pelo prefeito de Londres, Ken Livingstone, para promover o uso do transporte público.
Análise Custo-benefício
A análise custo-benefício é uma ferramenta que tem sido usada para avaliar riscos ambientais e alcançar uma decisão racional sobre investimento futuro, dando valor a diferentes efeitos ambientais usando uma medida comum, isto é, dinheiro. Custos e benefícios que cairão sobre futuras gerações são descontados em uma taxa percentual acordada para chegar a uma ‘rede de valor atual’. Deste modo, os valores podem ser facilmente comparados e um balanço objetivo de custos e benefícios criado. Mas, seu sucesso depende da definição clara do que custos e benefícios são e de todas as partes envolvidas concordarem com estas definições. Onde lucros estão em jogo é mais fácil dizer do que fazer.
Em termos capitalistas, os riscos devem ser expressos em termos de dinheiro e probabilidades de futuros eventos adversos claramente determinados. Por exemplo, numa análise custo-benefício do aquecimento global, o número de mortes que podem resultar devido à mudança climática no futuro foi estimado. Calculou-se que 22.923 pessoas podem morrer nos países capitalistas avançados e 114.804 (ambos quadros muito conservadores) no resto do mundo. O próximo estágio na análise foi calcular um valor em dinheiro destas vidas, que resultou num quadro de $1.480.000 por cidadão ‘capitalista avançado’ e $ 131.000 por qualquer outro. É difícil ver o resultado deste tipo de análise se tornar a base de um acordo mútuo baseado em justiça e imparcialidade. Quando isso não pode ser feito, que é o usual, os riscos ambientais são efetivamente ignorados usando um sistema de desconto ordinário.
Usando este método, foi calculado que o custo de um acidente nuclear, 500 anos no futuro, custando £10 bilhões em preços atuais para as futuras gerações, seria de 0,25 libra, descontados os 5%. Em outras palavras, se a análise custo-benefício foi feita agora sobre construir uma estação de energia, 0,25 libra iriam para a coluna de custos para permitir um acidente futuro. Olhando a questão de outro modo, se um fundo de compensação fosse criado agora para alcançar os custos deste futuro acidente, seria necessário investir apenas 0,25 libra para levantar a soma exigida, devido aos trabalhos de juros combinados para tão longo período. A rede de custos atuais é claramente dependente da taxa de juros usada, mas não há acordo sobre qual deveria ser. Isto não é surpreendente, visto que é difícil prever taxas de juros das próximas 5 semanas, para não falarmos de 500 anos. Como um expert disse, "pela escolha de um parâmetro de valores apropriados quase qualquer política de abatimento (ambiental) pode ser justificada".
Coações sobre o capitalismo
Todas estas teorias capitalistas para obter sustentabilidade – direitos de propriedade, permissões de comércio ou eco-taxas – permanecem enquanto tal, teorias. As razões pelas quais nenhuma delas jamais foi implementada numa escala significativa são muito mais importantes do que críticas individuais que podem ser feitas a cada uma delas. Os elementos pensantes da classe capitalista internacionalmente percebem que um abismo se aproxima, então por que não podem tomar realmente uma ação decisiva?
A contradição central do capitalismo do início do século XX até o presente tem sido sua incapacidade em resolver as necessidades conflitantes da produção dirigida para o lucro e a existência dos estados-nações. Em sua busca por lucro, os capitalistas são forçados a procurar novos mercados além de suas fronteiras à medida que seu próprio mercado se torna saturado, levando-os ao conflito com rivais de outros países que estão sob pressões similares. Em termos abstratos, os rivais podem cooperar para mais eficientemente explorar o resto do mundo se o mercado se expandisse continuamente, mas isto nunca é o caso com o capitalismo, já que a falência sempre segue o boom. Quando o mercado cai, as tensões crescem entre os rivais internacionais e as grandes corporações olham uma vez mais para seus governos para proteger seus lucros. O ciclo ocorrerá de novo na queda que se avizinha.
Porém, qualquer solução genuína para a crise ambiental, precisa ser internacional – visto que todas as ameaças sérias, como aquecimento global, redução da camada de ozônio ou contaminação por lixo nuclear tóxico, afeta todo o planeta em grandes partes dele. Os principais países capitalistas responsáveis pela maior parte da poluição nunca cooperarão significativamente se os lucros de ‘suas’ multinacionais forem ameaçados, especialmente numa recessão. Este é o problema fundamental que está no coração da crise ambiental.
O fiasco do protocolo de Kyoto demonstra a incapacidade do sistema capitalista para enfrentar a crise. Kyoto pretendia enfrentar o aquecimento global reduzindo as emissões de gases-estufa numa quantidade pequena para voltar ao nível de 1990 – o que em si é um objetivo modesto. A justificativa foi a de que isto era o máximo que era politicamente viável, mas mesmo este pequeno passo à frente, feito numa época de boom econômico, provou ser totalmente inaceitável para os EUA. O protocolo foi fixado então para que nenhuma redução atual nos gases estufa dos países capitalistas avançados (PCAs) ocorresse. Ao invés disso, um sistema de comércio de permissões foi introduzido – o preferido mecanismo de ‘livre mercado’ – em que os PCAs podem comprar os direitos de poluir de outros países que estão abaixo de sua cota. Isso foi possível porque, muito convenientemente, o ano-base em que os cálculos se basearam foi 1990, justamente antes da recessão econômica na antiga União Soviética e Leste Europeu que causou a queda da sua produção de gases-estufa em 50%. Isso significa que os estados do Leste Europeu tem uma enorme ‘reserva’ de permissões para vender aos PCAs, provavelmente a preços muito razoáveis considerando sua situação desesperada.
Porque o Congresso americano votou unanimemente para rejeitar este acordo quase que totalmente cosmético? Provavelmente não foi porque o preço imediato era inaceitável, visto que eles alcançaram um consenso, embora atrasado, na questão do ozônio que incorria em custos para as companhias dos EUA. Foi porque eles viam isso como o um calçado apertado, onde, eventualmente, cortes significativos seriam feitos. Como os EUA produzem 25% de todos os gases-estufa, quase 2 vezes mais que seus principais rivais na UE, seus lucros seriam afetados desproporcionalmente por estes cortes. A lição aqui é que se apenas sacrifícios pequenos são necessários, e eles podem ser distribuídos entre rivais capitalistas, como no caso da redução de CFC, então acordos limitados podem ser feitos (ainda que seja duvidoso que mesmo isto seria aplicado em condições de recessão). Contudo, se os lucros estão seriamente sob ameaça, então mesmo o acordo limitado é impossível e isso particularmente se aplica ao poder dominante mundial, os EUA, o maior perdedor potencial.
Intervenção estatal direta
A intervenção estatal direta para reduzir a poluição, embora operando ainda dentro da estrutura de uma sociedade dirigida pelo mercado, tem sido descartada como uma opção pelos alquimistas neo-liberais dominantes – que a rotulam desdenhosamente como ‘comando e controle’. Alguns comentaristas pró-capitalistas pensam em começar a reconsiderar esta atitude, porque pensam que a intervenção direta pode de fato funcionar, em contraste com a teorização neo-liberal. Uma estratégia que eles propõem é impor um dispositivo legalmente aplicável para controlar as emissões, mas outras opções poderiam também incluir medidas mais radicais. Por exemplo, dirigir a produção para setores não-poluidores, restringir a escolha de consumo para produtos ecológicos ou prescrever que a energia deva ser produzida por recursos renováveis.
Na medida em que a crise ambiental se aprofundar, a atração desta abordagem irá crescer, especialmente para aqueles na esquerda ou ativos no movimento verde que podem ver a impotência das idéias baseadas puramente no mercado. Embora a intervenção estatal possa ter um efeito se fosse aplicada em todos os maiores países poluidores em larga-escala por um longo prazo, a questão é: ela será aplicada? É possível que um país individual comece a implementar medidas ambientais em pequena escala, como a Alemanha agora ou a Escandinávia. Contudo, logo que o nível de investimento pelo estado ameaçar os lucros com altos impostos, tal como será necessário se as medidas forem suficientemente amplas para serem efetivas, os grandes negócios temerão que sua competividade internacional seja solapada. Visto que no contexto do capitalismo, a prioridade do governo de cada país é proteger os interesses das companhias multinacionais baseadas dentro de suas fronteiras, qualquer programa ambiental significativo será então abandonado.
A rivalidade imperialista irá impedir a cooperação internacional que é essencial para fazer progresso, pois o meio ambiente será ameaçado como um ‘bem livre’ pelas multinacionais que dominam a produção e continuará a ser explorado por um custo pequeno para eles mesmos.
Socialismo e o meio ambiente
A Terra está claramente no caminho para uma catástrofe ecológica. Este caminho será marcado por, entre muitos outros exemplos, destruição de grandes áreas do globo habitável devido ao aquecimento global, a degradação química da atmosfera levando a uma epidemia de câncer e o legado do problema do lixo tóxico para as futuras gerações, por mais de 100.000 anos.
A responsabilidade por esta situação repousa sobre o capitalismo, um sistema controlado pela infame ‘mão invisível’ das forças do mercado, e dirigido pelo lucro. A economia de mercado tem uma necessidade inerente de crescimento permanente, impulsionada pela competição e pela busca por lucro, mas ao mesmo tempo, aparentemente de forma paradoxal, sofrendo de quedas regulares na produção. Estas tendências levam ao desperdício e a degradação ambiental, feitas pela natureza anárquica e imprevisível da economia de mercado. A alternativa é um sistema social baseado na necessidade e não no lucro, o que teria enormes vantagens inerentes do ponto de vista de economizar energia. Por exemplo, evitaria a duplicação de recursos, obsolescência planejada e destruição de fábricas e maquinaria em larga-escala – características do sistema capitalista de lucros.
Eliminando estas características do sistema, haverá um impacto significativo no aumento da eficiência do uso de energia e portanto reduzir a poluição. Um sistema socialista, evitando o desperdício inerente do capitalismo, oferecerá a esmagadora vantagem ambiental em fornecer um consciente controle democrático através do planejamento.
De acordo com a maioria dos ativistas ambientais a redução do aquecimento global e outras ameaças ambientais a níveis sustentáveis não é apenas uma questão técnica, mas está fortemente associada à questão de reduzir ou reverter o crescimento econômico.
Visto que isso tem grandes implicações para a possibilidade de abolir a pobreza pelo mundo, que é um pré-requisito para a construção do socialismo, uma estratégia diferente precisa ser explorada. Um aspecto importante deste debate – que é apenas o inicio a ser considerado – é propor uma alternativa ao sistema de mercado, cuja busca por lucro é a primeira causa da destruição insustentável do ambiente. Embora o colapso da União Soviética e a degradação do meio ambiente no Leste Europeu durante o período stalinista pareceu desacreditar as idéias de planejamento como alternativa ao capitalismo, o uso planejado de recursos, comparado à anarquia do ‘livre empreendimento’, será essencial para enfrentar o problema de aquecimento global e outras ameaças. Tal economia planificada, se democraticamente controlada, é uma alternativa tanto ao capitalismo e à perversão do socialismo praticado na antiga URSS.
Texto Original Publicado em:
http://www.sr-cio.org/index.php?option=com_content&view=article&id=133:pode-o-capitalismo-ser-verde&catid=38:meioambiente&Itemid=63
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