domingo, 15 de julho de 2018

Sílex, a primeira matéria-prima

Sílex, mostrando a fractura conchoidal característica. Notar a crosta (patine) acastanhada clara, de opala e hidróxido de ferro, no cortex. Imagem recolhida em «ancientpoint.com»
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DESDE sempre a natureza ofereceu ao homem tudo o que ele necessita para viver, - a água, o ar, os produtos vegetais e animais de que se alimenta e, ainda, as rochas e os minerais. Do sílex, no Paleolítico Antigo, ao actualíssimo “coltan”, passando pelo barro, pelos minérios de ouro, cobre, estanho, ferro e muitos outros, o homem teve artes de, ao longo do tempo, retirar da geodiversidade tudo o que soube utilizar ou transformar em seu proveito.
De raiz latina, sílex é o nome de uma rocha sedimentar essencialmente siliciosa, ou seja, um silicito, como se diz na moderna nomenclatura petrográfica, e é étimo das palavras silício, o elemento químico, sílica, o dióxido de silício (SiO2) e silicon, um material bem conhecido em cirurgia reconstrutiva. Na origem, significou, também, pedra e calhau. Sendo pedra, o seu uso pelos nossos remotos antepassados, na produção de utensílios vários, deu nome ao período da Pré-história referido por Idade da Pedra. 
 Artefacto de sílex. Imagem obtida em «sylvie-tribut-astrolog.com»
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Em termos populares é a pederneira, isto é, a pedra capaz de produzir centelhas ou faíscas quando percutida ente si ou pelo ferro. Em virtude dessa capacidade recebeu, também, o nome de pedra-de-fogo, tendo sido utilizado, sobretudo, nos séculos XVII e XVIII, em peças de artilharia, mosquetes, bacamartes e pistolas.
O sílex foi descrito pelos autores franceses como uma silicificação no seio de um calcário de granularidade muito fina e pouco coeso do Cretácico superior (que se pode ver nas brancas e escarpadas arribas francesa e inglesa que ladeiam o Canal da Mancha) a que se dá o nome de cré e que é interpretado como um produto da diagénese e, portanto, posterior à sedimentação do referido calcário.
Arribas de cré com leitos de sílex na Normandia, França. Imagem obtida em «lerelaisduboneur.com.»
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Pormenor do cré, na base da arriba, com interstratificação de nódulos de sílex negro. Imagem obtida em «ruedeslumieres.morkitu.org»
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No decurso deste processo, a sílica gera nódulos ou concreções (de alguns centímetros a alguns decímetros) distribuídos segundo as juntas de estratificação, desenhando cordões e, ainda, ao longo de fracturas que permitem a progressão da sílica.
Com sílica quase a 100%, o sílex é uma rocha muito compacta, homogénea, dura mas frágil, com fractura conchoidal característica, particularidadehabilmente aproveitada pelos nossos antepassados mais remotos. A expressão Idade da Pedra Lascada, corrente em muitos textos, alude a este tipo de fractura igualmente própria do quartzo macrocristalino (nomeadamente, o hialino e o defumado), do jaspe, do vidro vulcânico (obsidiana) e do quartzito.
O sílex do cré é essencialmente constituído por quartzo microcristalino (com 8 a 20 μm), habitualmente referido por calcedonite, alguma opala, rara argila, vestígios de calcite, de óxidos de ferro, responsáveis pelas tonalidades amarelada, acastanhada ou avermelhada que podem exibir, e de substâncias carbonosas que, quando em quantidade suficiente, lhe conferem a cor negra muito comum. Na periferia das concreções, ou nódulos, forma-se uma delgada crosta (patine), essencialmente de opala, finamente porosa, de aspecto pulverulento e, por vezes, penetrada por calcite.
Todas as características do sílex indicam origem a partir de uma lama ou vasa predominantemente carbonatada (carbonato de cálcio), biogénica, contendo, à mistura, uma certa percentagem de restos esqueléticos siliciosos (de opala), em especial, espículas de espongiários, a que se associam restos de radiolários em menor quantidade. Numa fase precoce tem lugar a dissolução dos referidos restos siliciosos, seguida de migração e precipitação da correspondente sílica sob a forma de cristobalite, no seio do sedimento ainda não consolidado, gerando um material do tipo porcelanito. Numa fase tardia, a cristobalite recristaliza sob a forma de calcedonite, com segregação do carbonato de cálcio.
Inicialmente usado para designar os nódulos siliciosos ocorrentes em rochas mais antigas do que o cré do Cretácico superior, o termo inglês chert, o mais divulgado entre os geólogos dos quatro cantos do mundo, abarca, praticamente, todos os silicitos litificados. Entre nós, este vocábulo tem sido usado com a grafia cherte e está na base de expressões, correntes entre os petrógrafos, como chertificado e chertificação, em substituição de silicificado e silicificação.
Os autores mais recentes têm vindo a distinguir neste tipo litológico dois conjuntos, com base no modo de ocorrência. Assim, tem-se dado relevo, por um lado, aos que ocorrem sob a forma de estratos, conhecidos pela expressãobedded cherts e, por outro, aos limitados a acidentes descontínuos, sob a forma de concreções ou nódulos, no seio de outras rochas, divulgados comonodular cherts. Os primeiros incluem, entre os mais comuns, o jaspe, o lidito e o ftanito, sendo os segundos representados pelo sílex do cré, ou flint, o seu sinónimo em inglês.
Não há uniformidade entre os diversos autores no uso da nomenclatura dos silicitos, uma situação que, aliás, se repete, com maior ou menor evidência, em toda a petrografia sedimentar. Os autores anglo-saxónicos preferem o termo chert, que abrange o material a que franceses e nós (por influência destes, nos primórdios da nossa investigação geológica) chamamos sílex. A tendência actual vai no sentido da internacionalização e generalização do chert, reservando-se sílex e flint como nomes da matéria-prima mais usada nos artefactos pré-históricos.
Os calcários do Cretácico superior (Cenomaniano) da região de Lisboa e arredores exibem, com relativa frequência, nódulos e outras acumulações de sílex que foram exploradas na Pré-história. Dois destes afloramentos, classificados como geomonumentos pela Câmara Municipal de Lisboa, podem ser vistos nesta cidade, na Avenida Infante Santo. O Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Geológico, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) têm nos seus acervos abundantes testemunhos desta actividade dos nossos longínquos avós.
Notas
Calcedonite - variedade microcristalina de quartzo. Normalmente branca leitosa. A sua textura porosa, torna-a susceptível de alojar impurezas responsáveis pelas cores que pode apresentar. O termo radica emKhalkedon, antiga localidade junto a Istambul, por onde este material transitava na Antiguidade. Entre as calcedonites distinguem-se, com valor gemológico, ágatas, cornalina, sarda, plasma, prásio, crisoprásio e ónix. O mesmo que calcedónia.

Coltan - nome abreviado do mineral columbite-tantalite o columbo-tantalite, uma solução sólida de columbite(FeMn)Nb2O6 e tantalite (FeMn)Ta2O6, de onde se extraem os elementos nióbio ou colúmbio e tântalo, dois óxidos que só muito raramente ocorrem puros. Usado no fabrico de computadores, telemóveis e outros equipamentos electrónicos.
Cré – calcário marinho (90% ou mais de carbonato de cálcio), de grão muito fino, poroso e algo friável, essencialmente formado por cocólitos (estruturas calcárias nanométricas de algas unicelulares – cocolitoforídeos) e, por vezes, foraminíferos planctónicos.
Cristobalite – mineral polimorfo de sílica que, no domínio sedimentar, forma as pequeníssimas esférulas que edificam a opala. O nome evoca San Cristobal, no México.
Ftanito – pelito microcristalino, cinzento a negro (grafitoso), geralmente resultante de metamorfismo de baixo grau sobre vasas radiolaríticas antigas, depositadas em ambientes marinhos profundos. O mesmo que xisto silicioso.
Jaspe – silicito calcedonítico ou microquartzítico impregnado de óxidos de ferro, de coloração variável entre o vermelho, o castanho e o amarelado, raramente verde. Corresponde, muitas vezes, à silicificação de vasas radiolaríticas. O nome radica no étimo hebreu antigo, iaschpeh, que terá passado no latim a iaspis.
Lidito – silicito negro, usado como “pedra-de-toque” pelos ourives, descrito na região de Lydia, na Ásia Menor. Corresponde a um radiolarito chertificado com impregnação de matérias carbonosas.
Opala – não sendo um mineral no sentido mineralógico do termo, é um material amorfo essencialmente constituído por esférulas de cristobalite e água. Pode também constituir o material de substituição epigénica de outros minerais (calcite, gesso ou glauberite) ou de fósseis. O termo deriva, provavelmente do sânscrito,upala, pedra preciosa. Entre as variedades desta pedra distingue-se a opala comum, não preciosa, e uma vasta gama de opalas iridescentes com valor gemológico.
Porcelanito – rocha sedimentar siliciosa de aspecto semelhante a porcelana, constituído por cristobalite, com 4 a 9% de água. Representa uma fase intermédia entre a opala e o quartzo.
Fonte: http://sopasdepedra.blogspot.com

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