Por Pepe Escobar, Asia Times Online
Ninguém menos que Zbigniew Brzezinski, eminente guru de política exterior dos EUA e homem que deu à ex-URSS “seu Vietnã”, trovejou pelo New York Times que a reunião dos presidentes Barack Obama e Hu Jintao é “o mais importante encontro de alto-nível EUA-China desde a viagem histórica de Deng Xiaoping, há mais de 30 anos”.
O Dr. Zbig bem poderia ter expandido a hipérbole até as mudanças geopolíticas de alcance cósmico desses recentes 30, para não dizer 40 anos, se se considera o encontro histórico entre Richard “Dick, o Escamoso” Nixon e o Grande Timoneiro Mao Tse Tung em 1972, em Pequim.
Mas é realmente graças ao Pequeno Timoneiro Deng e sua política visionária de “atravessar o rio sentindo as pedras”, vendida às massas proletárias como rasteiro “enriquecer traz glória!”, que a China está onde as coisas acontecem no início desse século 21.
O que nos traz de volta à atual reunião da cúpula G-G, Google-GM. Sim, para as massas globais que labutam de sol a sol, trata-se exatamente disso. A China é como Google. Não se pode viver sem ela. Se alguém procura alguma coisa, qualquer coisa, clica Google. E os EUA são como a General Motors. Com tanto para ostentar, do prático (Hyundai) ao glamuroso (Aston Martin), quem, em pleno juízo, quererá comprar carro da GM? (OK, empresários bem-sucedidos em Chengdu, sim, compram Buicks made-in-China, mas esse é outro assunto.)
Ninguém jamais conseguirá exagerar o escambo enlouquecido que se instalou há semanas nos domínios de todos os presidentes que servem em Wall Street, para garantir um assento no jantar oficial – imperial – na Casa Branca, em homenagem a Hu. Já é um dos movimentos que definiram o jovem século – troncudos defensores anglo-saxões do laissez faire transformados em ardentes defensores do capitalismo autoritário à moda chinesa. O que mais poderiam fazer? Afinal, a China salvou o turbo-capitalismo ocidental – o que serve à perfeição aos planos do Pequeno Timoneiro. Para não dizer que a China controla 21% – e a conta continua a aumentar – de toda a dívida pública dos EUA, e o Banco Central chinês nada de braçada em 25% das reservas do mundo.
Hu por seu lado agiu – e de que outro modo poderia ter agido? – imperialmente; os dois nomes que encabeçam sua lista de convidados são os prefeitos de San Francisco e Oakland, os primeiros dois sino-americanos a governar metrópoles norte-americanas. Quantos norte-americanos puro-sangue matariam para sentar àquela mesa. Afinal, 44% deles, segundo pesquisa Pew recentemente divulgada, acreditam que o PIB chinês já ultrapassou o dos EUA (pode acontecer a qualquer momento, entre 2018 e 2027). A percepção já faz a realidade.
Não se acanhe, bronzeie-se na minha luz[1]
O Dr. Zbig acerta no fundamental, sobre as relações EUA-China, ao alertar sobre “a deriva rumo a uma escalada na demonização recíproca”. Acerta também ao denunciar a deterioração da infraestrutura nos EUA, para ele “simples sintoma do retrocesso dos EUA de volta ao século 20”. Mas pode-se apostar e ganhar caixas de Moët, na certeza de que nenhum daqueles presidentes de Wall Street que disputam à unha as migalhas que caiam da mesa de Hu perdeu alguma hora de sono, tentando achar meios para revitalizar a economia doméstica, inventar empregos e recompor a infraestrutura – para nem falar do investimento e da educação – nos EUA.
Como efeito colateral da crise financeira provocada por Wall Street, a China embarcou em muitos projetos de infraestrutura. Diferente da China – onde o governo central realmente governa – Washington continua esperando que os bancos norte-americanos emprestem. E os bancos, como todo mundo sabem, não estão nem aí.
Apesar de todas as platitudes usuais da imprensa sobre um relacionamento “tenso”, não haverá qualquer conversação sobre a desvalorização competitiva do yuan. O secretário do Tesouro Tim Geithner em pessoa já admitiu que Pequim desvalorizou o yuan em cerca de 10% ao ano, em valor real.
Nem Obama terá espaço e condições para pressionar a China na questão da Coreia do Norte. A Coreia do Sul pode resolver querer a unificação. O Japão teme mais a reunificação, que a peste – imaginem uma Coreia unificada, poderosa, dinâmica, unida, que rapidamente empurraria o Japão para o escanteio da irrelevância global. Pequim quer que tudo permaneça exatamente como está.
E há também a resposta chinesa à doutrina do Pentágono, de “dominação de pleno espectro” – os novos bombardeiros J-20 chineses, de tecnologia stealth [‘invisíveis’], cruzando o céu azul-inverno da cabeça de Robert ‘El Supremo’ Gates do Pentágono, semana passada. Gates imediatamente entrou em modo preventivo e declarou, para os autos, que os chineses não dominarão a tecnologia antes de 2020. Mas não faz diferença – como tampouco faz qualquer diferença o frenesi jornalístico, de que haveria ‘divergências’ entre o partido e o exército na China.
Qualquer técnico especialista em Relações Públicas de Hollywood admitiria que a foto do J-20 chinês foi montada. Foi operação cuidadosamente coordenada, co-produção entre o Partido Comunista Chinês e o Exército do Povo. E, como Mestre de Cerimônias, quem lá estava, senão Xi Jinping, certo de que será o próximo líder chinês, depois que Hu deixar o cargo em 2012. Quando você tem o USS George Washington fungando a todo momento no seu litoral, melhor arranjar logo algum stealth. E o próximo sucesso chinês arrasa-quarteirão é o porta-aviões agendado para 2014.
John Ikenberry de Princeton define os EUA como um “leviatã liberal”. E sobra o quê, para a China? Seria algum “leviatã autoritário”?
Seja como for, o que se ouve em Washington é que a equipe do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca – coordenada pelo Conselheiro de Segurança Nacional Thomas Donilon – está suando a camisa, fazendo o possível para arranjar alguma estratégia racional para a questão China. Mas é pouco provável que algum esboço, que circunscreva todas as candentes questões em que se envolveu esse Grupo de Dois, venha a emergir do contato de cúpula.
Ian Morris, professor de história e classicismo em Stanford, abre seu esplêndido livro Why the West Rules – For Now [Por que o Ocidente governa – Por Enquanto] (New York: Farrar, Straus & Giroux
[2]) com um relato ficcional de uma reverência da rainha Vitória, em 1848, a Qiying, enviado do Imperador Daoguang, nas docas da “East India” em Londres – prestando uma última homenagem à suserania imperial. Claro que a história decidiu por outra via. Mas, diriam os chineses, aproveitando a deixa dos executivos de Wall Street que salivam à volta de Hu, esperemos uns anos e depois conversaremos. Até lá, o mundo continuará a seguir a trilha de Google, não da GM.
NOTAS
[1] Orig. “Feel free to bask in my glow”. É fala do rei Julien, dos Lêmures, em Madagascar (2005, desenho de animação).
[2] Resenha no New York Times, 12/12/2010, em http://www.nytimes.com/2010/12/12/books/review/Schell-t.html (em inglês).
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Ninguém menos que Zbigniew Brzezinski, eminente guru de política exterior dos EUA e homem que deu à ex-URSS “seu Vietnã”, trovejou pelo New York Times que a reunião dos presidentes Barack Obama e Hu Jintao é “o mais importante encontro de alto-nível EUA-China desde a viagem histórica de Deng Xiaoping, há mais de 30 anos”.
O Dr. Zbig bem poderia ter expandido a hipérbole até as mudanças geopolíticas de alcance cósmico desses recentes 30, para não dizer 40 anos, se se considera o encontro histórico entre Richard “Dick, o Escamoso” Nixon e o Grande Timoneiro Mao Tse Tung em 1972, em Pequim.
Mas é realmente graças ao Pequeno Timoneiro Deng e sua política visionária de “atravessar o rio sentindo as pedras”, vendida às massas proletárias como rasteiro “enriquecer traz glória!”, que a China está onde as coisas acontecem no início desse século 21.
O que nos traz de volta à atual reunião da cúpula G-G, Google-GM. Sim, para as massas globais que labutam de sol a sol, trata-se exatamente disso. A China é como Google. Não se pode viver sem ela. Se alguém procura alguma coisa, qualquer coisa, clica Google. E os EUA são como a General Motors. Com tanto para ostentar, do prático (Hyundai) ao glamuroso (Aston Martin), quem, em pleno juízo, quererá comprar carro da GM? (OK, empresários bem-sucedidos em Chengdu, sim, compram Buicks made-in-China, mas esse é outro assunto.)
Ninguém jamais conseguirá exagerar o escambo enlouquecido que se instalou há semanas nos domínios de todos os presidentes que servem em Wall Street, para garantir um assento no jantar oficial – imperial – na Casa Branca, em homenagem a Hu. Já é um dos movimentos que definiram o jovem século – troncudos defensores anglo-saxões do laissez faire transformados em ardentes defensores do capitalismo autoritário à moda chinesa. O que mais poderiam fazer? Afinal, a China salvou o turbo-capitalismo ocidental – o que serve à perfeição aos planos do Pequeno Timoneiro. Para não dizer que a China controla 21% – e a conta continua a aumentar – de toda a dívida pública dos EUA, e o Banco Central chinês nada de braçada em 25% das reservas do mundo.
Hu por seu lado agiu – e de que outro modo poderia ter agido? – imperialmente; os dois nomes que encabeçam sua lista de convidados são os prefeitos de San Francisco e Oakland, os primeiros dois sino-americanos a governar metrópoles norte-americanas. Quantos norte-americanos puro-sangue matariam para sentar àquela mesa. Afinal, 44% deles, segundo pesquisa Pew recentemente divulgada, acreditam que o PIB chinês já ultrapassou o dos EUA (pode acontecer a qualquer momento, entre 2018 e 2027). A percepção já faz a realidade.
Não se acanhe, bronzeie-se na minha luz[1]
O Dr. Zbig acerta no fundamental, sobre as relações EUA-China, ao alertar sobre “a deriva rumo a uma escalada na demonização recíproca”. Acerta também ao denunciar a deterioração da infraestrutura nos EUA, para ele “simples sintoma do retrocesso dos EUA de volta ao século 20”. Mas pode-se apostar e ganhar caixas de Moët, na certeza de que nenhum daqueles presidentes de Wall Street que disputam à unha as migalhas que caiam da mesa de Hu perdeu alguma hora de sono, tentando achar meios para revitalizar a economia doméstica, inventar empregos e recompor a infraestrutura – para nem falar do investimento e da educação – nos EUA.
Como efeito colateral da crise financeira provocada por Wall Street, a China embarcou em muitos projetos de infraestrutura. Diferente da China – onde o governo central realmente governa – Washington continua esperando que os bancos norte-americanos emprestem. E os bancos, como todo mundo sabem, não estão nem aí.
Apesar de todas as platitudes usuais da imprensa sobre um relacionamento “tenso”, não haverá qualquer conversação sobre a desvalorização competitiva do yuan. O secretário do Tesouro Tim Geithner em pessoa já admitiu que Pequim desvalorizou o yuan em cerca de 10% ao ano, em valor real.
Nem Obama terá espaço e condições para pressionar a China na questão da Coreia do Norte. A Coreia do Sul pode resolver querer a unificação. O Japão teme mais a reunificação, que a peste – imaginem uma Coreia unificada, poderosa, dinâmica, unida, que rapidamente empurraria o Japão para o escanteio da irrelevância global. Pequim quer que tudo permaneça exatamente como está.
E há também a resposta chinesa à doutrina do Pentágono, de “dominação de pleno espectro” – os novos bombardeiros J-20 chineses, de tecnologia stealth [‘invisíveis’], cruzando o céu azul-inverno da cabeça de Robert ‘El Supremo’ Gates do Pentágono, semana passada. Gates imediatamente entrou em modo preventivo e declarou, para os autos, que os chineses não dominarão a tecnologia antes de 2020. Mas não faz diferença – como tampouco faz qualquer diferença o frenesi jornalístico, de que haveria ‘divergências’ entre o partido e o exército na China.
Qualquer técnico especialista em Relações Públicas de Hollywood admitiria que a foto do J-20 chinês foi montada. Foi operação cuidadosamente coordenada, co-produção entre o Partido Comunista Chinês e o Exército do Povo. E, como Mestre de Cerimônias, quem lá estava, senão Xi Jinping, certo de que será o próximo líder chinês, depois que Hu deixar o cargo em 2012. Quando você tem o USS George Washington fungando a todo momento no seu litoral, melhor arranjar logo algum stealth. E o próximo sucesso chinês arrasa-quarteirão é o porta-aviões agendado para 2014.
John Ikenberry de Princeton define os EUA como um “leviatã liberal”. E sobra o quê, para a China? Seria algum “leviatã autoritário”?
Seja como for, o que se ouve em Washington é que a equipe do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca – coordenada pelo Conselheiro de Segurança Nacional Thomas Donilon – está suando a camisa, fazendo o possível para arranjar alguma estratégia racional para a questão China. Mas é pouco provável que algum esboço, que circunscreva todas as candentes questões em que se envolveu esse Grupo de Dois, venha a emergir do contato de cúpula.
Ian Morris, professor de história e classicismo em Stanford, abre seu esplêndido livro Why the West Rules – For Now [Por que o Ocidente governa – Por Enquanto] (New York: Farrar, Straus & Giroux
[2]) com um relato ficcional de uma reverência da rainha Vitória, em 1848, a Qiying, enviado do Imperador Daoguang, nas docas da “East India” em Londres – prestando uma última homenagem à suserania imperial. Claro que a história decidiu por outra via. Mas, diriam os chineses, aproveitando a deixa dos executivos de Wall Street que salivam à volta de Hu, esperemos uns anos e depois conversaremos. Até lá, o mundo continuará a seguir a trilha de Google, não da GM.
NOTAS
[1] Orig. “Feel free to bask in my glow”. É fala do rei Julien, dos Lêmures, em Madagascar (2005, desenho de animação).
[2] Resenha no New York Times, 12/12/2010, em http://www.nytimes.com/2010/12/12/books/review/Schell-t.html (em inglês).
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