Entrevista do sacerdote e intelectual europeu François Houtart, que esteve de passagem por Buenos Aires e a concedeu ao jornal Clarín. François traça uma análise da atual crise na Europa através do peso do Estado e compara os problemas do Mercosul com a União Européia. Destaco, pessoalmente, sua citação sobre as assimetrias em nosso continente, assim como um nascente movimento de direita crescendo nos países da região. Boa leitura.
Entrevista: Horacio Bilbao
Tradução: Bruno Moreno
A última crise do capitalismo abre brechas e desigualdades sociais como há muito não acontecia na Europa. Qual é o verdadeiro poder de Bruxelas para acalmar as águas?
–As políticas dos últimos anos fizeram com que nossos Estados diminuíssem suas intervenções no campo social. Isso tende a aumentar com a crise. Mas são muitos os fatores que batem forte neste modelo da pós-guerra, que era um modelo keynesiano de distribuição de riqueza. O principal é que as bases da União Européia são econômicas. Não foi construida sobre um projeto político ou humanístico. E, neste sentido, a crise a afeta de maneira profunda. A UE continua com suas políticas de privatização de serviços públicos e impondo medidas fiscais regressivas. Assim, a única jogada forte nos últimos tempos foi para salvar o sistema financeiro. E agora que os bancos estão ganhando dinheiro novamente, tudo continua igual, com a diferença de que existe uma grande crise de desemprego. Mas a UE não tem meios para enfrentar isto e em alguns casos não quer fazer isso. Claro que diante de casos como o da Grécia ou Espanha, tem que sair para ajudar, porque sua fraqueza ficaria totalmente evidenciada.
-Estas contradições foram forjando fenômenos medulares, como o crescimento dos movimentos de direita e a crise da social-democracia, que também se inclinou para a direita. Há tempo e razões para se voltar àquelas políticas keynesianas ou neo-keynesianas?
–Existe um discurso neo-keynesiano articulado pela social-democracia ou pela Democracia cristão nos países em que último partido não é totalmente de direita. Mas essas propostas vão de encontro com suas políticas. Existe uma contradição enorme entre esse discurso de voltar ao Estado e, por exemplo, a onda privatizadora que continua pelos quatro cantos. Estamos todos mergulhados nessa contradição.
-É o cerne da União?
–É muito difícil para um país tomar decisões por si só. Agora estamos na União e existem essas orientações que os governos devem aplicar. Mas tem uma exceção, momentaneamente, e é em relação ao déficit fiscal. A regra de Maastricht dita 3 por cento, mas já temos vários países que estão em 6, 7, 8 por cento, sem falar da Grécia, que supera 10% e que praticamente vivia dos subsídios da UE. Essa liberdade foi dada para que o déficit se alargasse, mas fizeram isso para salvar os bancos. Então as possibilidades de voltar a um Estado regulador são muito escassas. Contando que existem muitas propostas que pedem uma mudança de paradigma e não uma volta ao keynesianismo.
-Com a esquerda atomizada e os movimentos sociais quase ausentes, ficou mais improvável que nunca…
–Exatamente. Em curto prazo, não há esperanças. Mas dá pra pensar que se estas contradições continuarem se aprofundando, este modelo não vai poder continuar. Atualmente existe uma enorme abstenção política, de mais de 50 por cento, o que significa que a direita tem todo o espaço, ou pelo menos maior, tanto no parlamento quanto na Comissão Européia. E existe essa desorientação da social-democracia, que não faz nada além do feijão com arroz. E a crise dos movimentos sociais na Europa é grande, não têm o dinamismo que mostram na América Latina.
-É com essa União Européia com a que o Mercosul avança em um tratado de livre comércio. Qual é a sua opinião sobre essa possibilidade? É muito diferente ao que era proposto com a ALCA?
–Os tratados que estão em discussão com a UE não são tão diferentes as dos TLC. A lógica fundamental é a mesma. A liberalização do mercado significa dar mais peso aos que têm mais poder econômico. O Mercosul tem mais peso que os países individuais, mas a lógica ainda é a mesma. Neste último tratado, existe um equilíbrio mais próximo, mas com a ALCA não havia nenhuma possibilidade.
-Mercosul, Unasul, Alba… nossos países não encontram o caminho para harmonizar posições e isto parece mais difícil agora que a região está ficando mais heterogênea. Por quê?
–A única possibilidade de ser um ator na economia mundial é caminhando de mãos dadas. Mas o mundo ainda é unipolar, com Estados Unidos, Europa e Japão como principais atores, e com os BRICS (Brasil, India, China e África do Sul) crescendo. E para a união latino-americana, que teria um peso específico neste cenário, ainda falta muito. O primeiro problema é o distanciamento entre os regimes de direita e os que são mais ou menos de esquerda.
-Essa brecha está aumentando?
–É um distanciamento que os Estados Unidos e alguns poderes europeus tentam e vão tentar aumentar. Já estamos vendo um princípio de reconquista da direita na América Latina. E vai ser muito difícil entrar de acordo em políticas comuns, como por exemplo o “Sucre” (a moeda comum do Alba). Por outro lado, temos a diferença de peso entre os países da região. Brasil é uma potência que tende a ser sub-imperialista, tentando impor seus interesses. O capital brasileiro comprou a indústria cervejeira da Bélgica e se comporta pior que os capitalistas europeus.
-Como se opôr a essas tentativas de distanciamento?
–A região depende muito das eleições locais. Por exemplo, se o PRD tivesse vencido no México em vez do Calderón, haveria uma possibilidade, pelo menos para uma pequena mudança. E por isso também é lamentável o que aconteceu com o Polo Democrático na Colômbia, minado pelas divisões internas e pelas brigas entre seus integrantes para chegar ao poder. Se um dia a Colômbia passasse a um regime de centro-esquerda, mudaria toda a conjuntura latino-americana.
-As fórmulas assistencialistas para redistribuir riqueza produzem uma mudança verdadeira?
–Da Bolívia ao Brasil, eu acho, existe uma vontade de redistribuir esta riqueza, mas que batem no problema de como fazer isso. Você pode fazer como no Brasil, que tem uma política puramente assistencialista, desvinculada de uma mudança estrutural, ou voce pode fazer como a Bolivia vem tentando, buscando uma mudança nas estruturas sociais. É preciso vincular as duas coisas. Não se deve apenas buscar assistir, como o Brasil faz, cuja política está sendo eficaz porque milhões de pessoas estão saindo da miséria mais absoluta. É preciso tentar combinar isso com uma participação popular, para que as pessoas sejam atores e não clientes.
-Em foruns sociais e encontros alternativos, cada vez mais jovens se vinculam com a política através do ambientalismo. Qual o teor desse compromisso?
–Os movimentos ambientalistas são um ponto de partida. Útil para poder mostrar e entender que tudo isso é fruto de uma lógica econômica. A destruição da natureza e geração de energia através da agricultura não são problemas isolados e não podem ser resolvidos se não colocarmos o problema do modelo econômico. Pode ser o ponto de partida para um processo de conscientização.
-O que resta para os jovens com preocupações tão básicas quanto as alimentares?
–Milagres não existem. A conscientização sempre é fruto de uma análise da realidade e de um julgamento sobre esta realidade, que servirá de base à ação. Esses três processos são inevitáveis. Não podemos pensar em uma ação coletiva forte e eficaz se não existe uma consciência do real, e sem uma reflexão ética do real. É preciso implicar todo o sistema educativo, os meios de comunicação de massa, os movimentos sociais, para começar a provocar este tipo de processo.
-Que exemplo daria aqui na América Latina?
–Sem dúvidas o trabalho dos Sem-Terra no Brasil tem muito disso. Eles aplicam esta metodologia de ver, julgar, agir, para transformar as pessoas em atores da mudança social. Os movimentos indigenistas da Bolívia também estão percorrendo o mesmo caminho.
-E qual é o caminho que os sacerdotes do Terceiro Mundo estão percorrendo hoje em dia?
–Agora são muito menos que antes, parecem os veteranos, porque o novo clero também é bastante conservador. Mas não desapareceram totalmente. E até me animo a dizer que existe uma certa renovação da Teologia da Libertação e das comunidades de base que no Equador, por exemplo, começaram a trabalhar em um centro de formação. Na Colômbia, também existe uma reconstrução do movimento, e de um compromisso social, político e cristão em função da realidade atual. É muito difícil porque a Igreja, como instituição, caminha no sentido contrário. Após a visita dos bispos brasileiros ao Papa, este voltou a condenar de maneira muito dura a Teologia da Libertação. Estão fechados a este tipo de pensamento, de compromisso e de espiritualidade, mas não conseguiram matá-la. Está ressurgindo em alguns países, embora sem a força que teve no passado.
-Alguns movimentos políticos também não têm a força do passado. Sandinismo e orteguismo, para dar um exemplo, que o senhor conhece bem de perto. É parte do mesmo?
–Isso é simplificar demais. Há dois anos, antes das eleições, eu escrevi um artigo no “La Jornada”. Lá, perguntava: Ainda existe uma esquerda na Nicaragua? E a resposta era não. Mas o partido que mais se aproxima da esquerda é a Frente Sandinista, o que me valeu muitas críticas. O sandinismo ainda tem uma base social bastante grande, e a política desenvolvida por Ortega nestes dois anos tiveram alguns efeitos positivos, como o crédito aos camponeses, a campanha de alfabetização, a gratuidade da saúde e educação. Obviamente podemos criticar os dirigentes, e a crítica à Ortega é muito forte. Porém isso é mais forte dentro da burguesia sandinista e os intelectuais do que da massa popular. Se nós, os cristãos, esperamos que os anjos façam as revoluções, vamos esperar até o fim do mundo. Então somos críticos, mas nos comprometemos com as coisas que avançam, mantendo nosso espírito dialético. A realidade não muda de maneira linear.
-Diferentemente de um passado revolucionário anti-clerical, agora o senhor tem a seu lado líderes cristãos, como Chávez e Correa…
–Sim, claro, sempre que vejo o Chávez ele me diz: “Francois, benção. Preciso da sua benção.” (risos). Ele tem uma fé um pouco popular, mas inquebrantável. E é a mesma coisa com Correa, a quem conheço muito bem porque passou um ano comigo em minha casa de Lovaina. Inclusive em Cuba desapareceu esse espírito antirreligioso, que era mais o fruto do influxo soviético. Já em 86, o Comitê Central do partido me convidou a dar um curso sobre Sociologia da religião durante 15 dias a responsáveis da ideologia do partido. E o partidão publicou o meu curso.
-Como os convenceu?
-Tomei uma posição e lhes disse: “Se vocês são marxistas, não podem ser dogmáticos. O marxismo é uma ferramenta de análise da realidade”. E vimos a realidade, analisamos o fator religioso através da história em várias sociedades e várias religiões para chegar à conclusão de que sim, de que em muitos casos a religião funcionava como o ópio do povo, mas também vimos que em muitos outros casos tinha sido uma motivação para um compromisso social e também revolucionário.
Entrevista: Horacio Bilbao
Tradução: Bruno Moreno
A última crise do capitalismo abre brechas e desigualdades sociais como há muito não acontecia na Europa. Qual é o verdadeiro poder de Bruxelas para acalmar as águas?
–As políticas dos últimos anos fizeram com que nossos Estados diminuíssem suas intervenções no campo social. Isso tende a aumentar com a crise. Mas são muitos os fatores que batem forte neste modelo da pós-guerra, que era um modelo keynesiano de distribuição de riqueza. O principal é que as bases da União Européia são econômicas. Não foi construida sobre um projeto político ou humanístico. E, neste sentido, a crise a afeta de maneira profunda. A UE continua com suas políticas de privatização de serviços públicos e impondo medidas fiscais regressivas. Assim, a única jogada forte nos últimos tempos foi para salvar o sistema financeiro. E agora que os bancos estão ganhando dinheiro novamente, tudo continua igual, com a diferença de que existe uma grande crise de desemprego. Mas a UE não tem meios para enfrentar isto e em alguns casos não quer fazer isso. Claro que diante de casos como o da Grécia ou Espanha, tem que sair para ajudar, porque sua fraqueza ficaria totalmente evidenciada.
-Estas contradições foram forjando fenômenos medulares, como o crescimento dos movimentos de direita e a crise da social-democracia, que também se inclinou para a direita. Há tempo e razões para se voltar àquelas políticas keynesianas ou neo-keynesianas?
–Existe um discurso neo-keynesiano articulado pela social-democracia ou pela Democracia cristão nos países em que último partido não é totalmente de direita. Mas essas propostas vão de encontro com suas políticas. Existe uma contradição enorme entre esse discurso de voltar ao Estado e, por exemplo, a onda privatizadora que continua pelos quatro cantos. Estamos todos mergulhados nessa contradição.
-É o cerne da União?
–É muito difícil para um país tomar decisões por si só. Agora estamos na União e existem essas orientações que os governos devem aplicar. Mas tem uma exceção, momentaneamente, e é em relação ao déficit fiscal. A regra de Maastricht dita 3 por cento, mas já temos vários países que estão em 6, 7, 8 por cento, sem falar da Grécia, que supera 10% e que praticamente vivia dos subsídios da UE. Essa liberdade foi dada para que o déficit se alargasse, mas fizeram isso para salvar os bancos. Então as possibilidades de voltar a um Estado regulador são muito escassas. Contando que existem muitas propostas que pedem uma mudança de paradigma e não uma volta ao keynesianismo.
-Com a esquerda atomizada e os movimentos sociais quase ausentes, ficou mais improvável que nunca…
–Exatamente. Em curto prazo, não há esperanças. Mas dá pra pensar que se estas contradições continuarem se aprofundando, este modelo não vai poder continuar. Atualmente existe uma enorme abstenção política, de mais de 50 por cento, o que significa que a direita tem todo o espaço, ou pelo menos maior, tanto no parlamento quanto na Comissão Européia. E existe essa desorientação da social-democracia, que não faz nada além do feijão com arroz. E a crise dos movimentos sociais na Europa é grande, não têm o dinamismo que mostram na América Latina.
-É com essa União Européia com a que o Mercosul avança em um tratado de livre comércio. Qual é a sua opinião sobre essa possibilidade? É muito diferente ao que era proposto com a ALCA?
–Os tratados que estão em discussão com a UE não são tão diferentes as dos TLC. A lógica fundamental é a mesma. A liberalização do mercado significa dar mais peso aos que têm mais poder econômico. O Mercosul tem mais peso que os países individuais, mas a lógica ainda é a mesma. Neste último tratado, existe um equilíbrio mais próximo, mas com a ALCA não havia nenhuma possibilidade.
-Mercosul, Unasul, Alba… nossos países não encontram o caminho para harmonizar posições e isto parece mais difícil agora que a região está ficando mais heterogênea. Por quê?
–A única possibilidade de ser um ator na economia mundial é caminhando de mãos dadas. Mas o mundo ainda é unipolar, com Estados Unidos, Europa e Japão como principais atores, e com os BRICS (Brasil, India, China e África do Sul) crescendo. E para a união latino-americana, que teria um peso específico neste cenário, ainda falta muito. O primeiro problema é o distanciamento entre os regimes de direita e os que são mais ou menos de esquerda.
-Essa brecha está aumentando?
–É um distanciamento que os Estados Unidos e alguns poderes europeus tentam e vão tentar aumentar. Já estamos vendo um princípio de reconquista da direita na América Latina. E vai ser muito difícil entrar de acordo em políticas comuns, como por exemplo o “Sucre” (a moeda comum do Alba). Por outro lado, temos a diferença de peso entre os países da região. Brasil é uma potência que tende a ser sub-imperialista, tentando impor seus interesses. O capital brasileiro comprou a indústria cervejeira da Bélgica e se comporta pior que os capitalistas europeus.
-Como se opôr a essas tentativas de distanciamento?
–A região depende muito das eleições locais. Por exemplo, se o PRD tivesse vencido no México em vez do Calderón, haveria uma possibilidade, pelo menos para uma pequena mudança. E por isso também é lamentável o que aconteceu com o Polo Democrático na Colômbia, minado pelas divisões internas e pelas brigas entre seus integrantes para chegar ao poder. Se um dia a Colômbia passasse a um regime de centro-esquerda, mudaria toda a conjuntura latino-americana.
-As fórmulas assistencialistas para redistribuir riqueza produzem uma mudança verdadeira?
–Da Bolívia ao Brasil, eu acho, existe uma vontade de redistribuir esta riqueza, mas que batem no problema de como fazer isso. Você pode fazer como no Brasil, que tem uma política puramente assistencialista, desvinculada de uma mudança estrutural, ou voce pode fazer como a Bolivia vem tentando, buscando uma mudança nas estruturas sociais. É preciso vincular as duas coisas. Não se deve apenas buscar assistir, como o Brasil faz, cuja política está sendo eficaz porque milhões de pessoas estão saindo da miséria mais absoluta. É preciso tentar combinar isso com uma participação popular, para que as pessoas sejam atores e não clientes.
-Em foruns sociais e encontros alternativos, cada vez mais jovens se vinculam com a política através do ambientalismo. Qual o teor desse compromisso?
–Os movimentos ambientalistas são um ponto de partida. Útil para poder mostrar e entender que tudo isso é fruto de uma lógica econômica. A destruição da natureza e geração de energia através da agricultura não são problemas isolados e não podem ser resolvidos se não colocarmos o problema do modelo econômico. Pode ser o ponto de partida para um processo de conscientização.
-O que resta para os jovens com preocupações tão básicas quanto as alimentares?
–Milagres não existem. A conscientização sempre é fruto de uma análise da realidade e de um julgamento sobre esta realidade, que servirá de base à ação. Esses três processos são inevitáveis. Não podemos pensar em uma ação coletiva forte e eficaz se não existe uma consciência do real, e sem uma reflexão ética do real. É preciso implicar todo o sistema educativo, os meios de comunicação de massa, os movimentos sociais, para começar a provocar este tipo de processo.
-Que exemplo daria aqui na América Latina?
–Sem dúvidas o trabalho dos Sem-Terra no Brasil tem muito disso. Eles aplicam esta metodologia de ver, julgar, agir, para transformar as pessoas em atores da mudança social. Os movimentos indigenistas da Bolívia também estão percorrendo o mesmo caminho.
-E qual é o caminho que os sacerdotes do Terceiro Mundo estão percorrendo hoje em dia?
–Agora são muito menos que antes, parecem os veteranos, porque o novo clero também é bastante conservador. Mas não desapareceram totalmente. E até me animo a dizer que existe uma certa renovação da Teologia da Libertação e das comunidades de base que no Equador, por exemplo, começaram a trabalhar em um centro de formação. Na Colômbia, também existe uma reconstrução do movimento, e de um compromisso social, político e cristão em função da realidade atual. É muito difícil porque a Igreja, como instituição, caminha no sentido contrário. Após a visita dos bispos brasileiros ao Papa, este voltou a condenar de maneira muito dura a Teologia da Libertação. Estão fechados a este tipo de pensamento, de compromisso e de espiritualidade, mas não conseguiram matá-la. Está ressurgindo em alguns países, embora sem a força que teve no passado.
-Alguns movimentos políticos também não têm a força do passado. Sandinismo e orteguismo, para dar um exemplo, que o senhor conhece bem de perto. É parte do mesmo?
–Isso é simplificar demais. Há dois anos, antes das eleições, eu escrevi um artigo no “La Jornada”. Lá, perguntava: Ainda existe uma esquerda na Nicaragua? E a resposta era não. Mas o partido que mais se aproxima da esquerda é a Frente Sandinista, o que me valeu muitas críticas. O sandinismo ainda tem uma base social bastante grande, e a política desenvolvida por Ortega nestes dois anos tiveram alguns efeitos positivos, como o crédito aos camponeses, a campanha de alfabetização, a gratuidade da saúde e educação. Obviamente podemos criticar os dirigentes, e a crítica à Ortega é muito forte. Porém isso é mais forte dentro da burguesia sandinista e os intelectuais do que da massa popular. Se nós, os cristãos, esperamos que os anjos façam as revoluções, vamos esperar até o fim do mundo. Então somos críticos, mas nos comprometemos com as coisas que avançam, mantendo nosso espírito dialético. A realidade não muda de maneira linear.
-Diferentemente de um passado revolucionário anti-clerical, agora o senhor tem a seu lado líderes cristãos, como Chávez e Correa…
–Sim, claro, sempre que vejo o Chávez ele me diz: “Francois, benção. Preciso da sua benção.” (risos). Ele tem uma fé um pouco popular, mas inquebrantável. E é a mesma coisa com Correa, a quem conheço muito bem porque passou um ano comigo em minha casa de Lovaina. Inclusive em Cuba desapareceu esse espírito antirreligioso, que era mais o fruto do influxo soviético. Já em 86, o Comitê Central do partido me convidou a dar um curso sobre Sociologia da religião durante 15 dias a responsáveis da ideologia do partido. E o partidão publicou o meu curso.
-Como os convenceu?
-Tomei uma posição e lhes disse: “Se vocês são marxistas, não podem ser dogmáticos. O marxismo é uma ferramenta de análise da realidade”. E vimos a realidade, analisamos o fator religioso através da história em várias sociedades e várias religiões para chegar à conclusão de que sim, de que em muitos casos a religião funcionava como o ópio do povo, mas também vimos que em muitos outros casos tinha sido uma motivação para um compromisso social e também revolucionário.
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