sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Em defesa da Cutrale, polícia aterroriza militantes do MST

Ação policial de busca e apreensão de militantes do MST que ocuparam terras griladas da transnacional traumatizou seus familiares

Por Eduardo Sales de Lima enviado a Borebi (SP)

“Não vai levantar não, vagabundo? O senhor usa droga?”. Eram 5 horas da manhã, quando a porta de lona e madeira de Gentil Alves, um senhor de 78 anos, era arrancada por quatros homens. Sozinho em seu “barraco”, ele viu toda a roupa de sua família ser jogada e revirada no chão.
“Um magrinho falou: 'o véio não deve não, daqui um dia, nós volta'. Fiquei tremendo de medo”, recorda-se Seu Gentil, camponês que possui um lote de 6 alqueires no assentamento Loiva Lourdes, em Borebi, no interior do estado de São Paulo. Ele e sua mulher, dona Nair, de 66 anos, moram com a neta e a bisneta de 6 meses. Ele foi um, entre tantos, que foi surpreendido com a chamada Operação Laranja, da Polícia Civil de São Paulo, investigação que desencadeou as detenções de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) devido à destruição de pés de laranja da transnacional Cutrale, ocorrida em outubro do ano passado.
Na manhã do dia 26 de janeiro, a operação que envolveu cerca de 150 policiais no cumprimento de mandados de busca e apreensão invadiu vários outros barracos. A procura de militantes resultou em nove presos. Além do assentamento onde vive seu Gentil, também o Zumbi dos Palmares sofreu as investidas da operação, coordenada por Benedito Antônio Valencise, delegado seccional de Bauru. Com 20 mandados de prisão, sete pessoas terminaram detidas por mais de duas semanas; os outros 13 não foram encontrados.

Cadeias diferentes
Para entidades de defesa de direitos humanos, a gigantesca ação policial foi considerada desnecessária e oportunista, visto que todos detidos tinham residência fixa e trabalhavam. Questionado pelo fato de não ter intimado as pessoas, Valencise argumenta que o sigilo era fundamental e está dentro da lei. “Às vezes, a pessoa não está e a intimação fica com o vizinho. A partir daí, surge uma grande divulgação e a pessoa, com medo, talvez não vá depor. Quando fomos prender o Miguel [Serpa], ele tentou fugir. Quer dizer, se eu o intimasse, será que ele iria comparecer ou iria fugir?”, questiona.
Mas isso não é o que pensa o deputado estadual Simão Pedro (PT). “A polícia não pode ser utilizada como instrumento político-partidário de uma força política”, dispara, referindo-se ao governador José Serra, do PSDB. “Por que prender pessoas que já estavam à disposição da polícia, têm endereço fixo, são réus primários e se dispuseram a colaborar?”, questiona o deputado.
Uma das ações mais criticadas da ação policial foi a separação dos militantes em quatro cadeias diferentes da região. O delegado seccional de Bauru explica que o objetivo era, tão somente, o bem-estar deles. “A nossa unidade prisional aqui é em Duartina. Lá, a cadeia supera a sua capacidade. Então dividimos. Mais para garantir total assistência à visita de advogados e de pessoas ligadas a direitos humanos”, explica Valencise.

Bandeiras e cartilhas
O delegado Valencise assegura que não houve nenhum tipo de violência quando ocorreu o cumprimento dos mandados busca, apreensão e prisão nos assentamentos. “Graças a Deus, não houve qualquer tipo de violência, não houve um tiro sequer e não houve qualquer tipo de agressão. A Rosimeire sequer foi algemada. Foi colocada na viatura, no mesmo compartimento, junto conosco, para que não houvesse nenhum tipo de problema”, detalha o delegado.
Na casa de Rosimeire Serpa, vereadora em Iaras pelo Partido dos Trabalhadores (PT), antes de a terem levado, juntamente com seu marido, Miguel Serpa, os policiais apreenderam celulares, bandeiras do MST, do PT, livros e cartilhas das duas organizações. O que chamou a atenção de Rosimeire foi a irritação de alguns policiais com o fato de existir uma biblioteca na sala de sua casa.
Se o tratamento dado à vereadora do PT em Iaras foi respeitoso, a experiência de outros assentados foi bem diferente. Paulo Rogério Beraldo, 22 anos, reside no assentamento Loiva Lourdes. Quando os policiais invadiram sua casa, às 6h da manhã do dia 26 de janeiro, assustaram toda a sua família.
Ele e sua mãe, Catarina de Castro, estavam prontos para acender o fogo da lenha quando repararam uma movimentação de pessoas atrás das árvores mais próximas da casa, uma pequena construção de madeira com paredes de lonas e teto de telhado.

“Filho-da-puta”
“ Eles perguntaram se havia arma. Quiseram saber onde estavam as notas fiscais do gerador e da motoserra”, conta a mãe de Paulo. Naquele momento de estresse com a prisão de seu filho, dona Catarina, nervosa, não conseguia encontrar a nota do gerador de energia que havia comprado. Alguns assentados do Loiva Lourdes destacaram que os policiais de Valencise apreenderam objetos estranhos às necessidades de investigação de furto: de documentos médicos a papéis que identificam os lotes dos assentados perante o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Questionado pela reportagem sobre o gerador que comprovadamente pertence à família de Catarina, Valencise pondera que, em relação àquilo que se apreende e não se comprova de imediato a procedência, é feita uma verificação. “Se não for comprovado o furto, pode ter certeza que será devolvido ao poder de quem se encontrava”, afirma. Entretanto, desde o dia 26 de janeiro, a casa da mãe de Paulo vive sem energia elétrica.
Algemado, o rapaz de 22 anos foi levado à delegacia de Promissão. Ficou detido na mesma cela que Anselmo Alves Villas Boas, conhecido como Gaúcho. A esposa de Gaúcho, Nair, conta como a polícia “chegou” em sua casa, no assentamento Zumbi dos Palmares. “Eles chegaram gritando, chamando ele de filho-da-puta. Chegaram a jogar gás pimenta no barraco. Então meu marido pediu para que não fizessem esse escândalo”, lembra.

“De tanto medo”
As famílias que tiveram suas casas invadidas estão traumatizadas. “Eu quero uma resposta, estou me sentindo muito pressionada. Não consigo mais ficar dentro de casa”, desabafa Nair, já emendando que “não é por isso que a gente vai parar. Eu vou continuar lutando”.
Maria José Bezerra, esposa de outro camponês que ficou preso durante os 16 dias – seu Máximo Albino, de 60 anos –, lembra que seus netos foram acordados com armas apontadas para suas cabeças. Após a investida policial, nenhuma criança sai de casa, “de tanto medo”, lembra a mulher, que vive no assentamento Zumbi dos Palmares. De acordo com ela, enquanto permanecia preso, o marido estava deprimido e sem vontade de se alimentar.
O advogado Jorge Soriano sugere um retrocesso na histórica da democracia brasileira. “Infelizmente, a polícia ainda tem imbuído, em seu atos, resquícios da ditadura militar. Ela ainda se acha superior e no direito de constranger ou retirar direitos dos cidadãos. Não precisava. Bastaria bater na porta da casa”, conclui o advogado dos ex-detidos.
*Correção feita em 22/02/2010

Leia mais:

A íntima greve de fome de Rose - A prisão injusta e a impossibilidade de produzir seu alimento foram as principais motivações da militante.

O crime: lutar por justiça social - Fragilidade de provas contra militantes que ocuparam a área da transnacional de laranja em outubro de 2009 reforça caráter político das prisões.

Cutrale atrai holofotes para sua grilagem - Área usada pela transnacional e ocupada pelo MST no ano passado pertence à União há cem anos.

ONU pede mais que Bolsa-Família contra desigualdade

Relatório admite avanços no Brasil, mas critica sistema tributário e distribuição de terras 'desiguais'

Por Jamil Chade - CORRESPONDENTE GENEBRA
Se o governo brasileiro conseguiu obter avanços no combate à fome nos últimos anos, a erradicação do problema só será atingida por meio de amplas reformas estruturais de distribuição de renda e de terras no País. O alerta faz parte de um raio x completo da situação da fome no Brasil feito pela ONU. Em 30 páginas, a entidade insinua que, por enquanto, os programas sociais brasileiros vêm lidando com os sintomas da pobreza, e não suas causas.

De acordo com o relatório, o que o governo dá com uma mão, estaria tirando com outra, porque parte importante dos programas destinados à classe mais pobre é financiado exatamente por essa parcela da população por meio de um sistema tributário "desigual".

O levantamento observa que o próximo presidente terá de criar uma nova estratégia de combate à fome, acelerar a reforma agrária e demarcação de terras indígenas, promover uma reforma tributária, ampliar programas de ajuda alimentar, garantir que projetos do PAC não tenham impacto social e até usar parte dos lucros do pré-sal. O levantamento foi realizado pelo relator da ONU contra a Fome, Olivier de Schutter, e será debatido na plenária da entidade em março.

Apesar das críticas, a entidade admite os avanços "impressionantes" obtidos pelo Brasil desde 2002 em combater a pobreza e fome. A entidade diz, por exemplo, que a má nutrição infantil foi reduzida em 73% entre 2002 e 2008 e a morte de crianças em 45%. O problema, adverte, é a forma pela qual o programa é financiado. "Os programas implementados apenas serão efetivos se os recursos forem suficientes", alerta.

Segundo a ONU, uma reforma tributária terá de ocorrer para garantir um sistema mais justo. O relator indica que enquanto a camada mais pobre da população paga o equivalente de 46% de sua renda em impostos indiretos, a camada mais rica destina apenas 16%. "O relator conclui que, enquanto programas sociais desenvolvidos sob o Fome Zero tem uma abrangência impressionante, eles são fundamentalmente financiados pelas mesmas pessoas que pedem o benefício", afirma o documento. "O sistema tributário regressivo limita seriamente o impacto redistributivo desses programas .".

Outro desafio apontado pelo relatório é a desigualdade de acesso à terra. Para a ONU, o País parece "incapaz de lidar de forma efetiva". Cerca de 2,4 milhões de propriedades ocupam 2,5% do território agrícola nacional. Já 47 mil fazendas ocupam 43%.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo ( 26.02.2010 )

Pelo Direito à Dignidade para o Povo que vive em Áreas de Mananciais e arredores, no Extremo Sul de São Paulo

Estamos vivendo uma situação de verdadeira calamidade! Devido ao descaso do “poder público” e à ambição das elites dessa cidade, em nossas comunidades (Pq. Cocaia I/Jd. Toca, Jd. Lucélia/V. Nascente, Recanto Cocaia/Jd. Tangará, Jd. Prainha, entre outras), localizadas no extremo sul de São Paulo, ocorrem diariamente tragédias: enchentes, deslizamentos de terra e desabamento de casas. As perdas são incalculáveis; são muitas pessoas perdendo móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas, perdendo seus empregos, já que não é possível sair para o trabalho sabendo que qualquer chuva pode causar uma desgraça em nossa casa. São muitas as crianças doentes, infectadas por uma água imunda, pegando sarna, leptospirose, e várias outras enfermidades.

Estamos todos traumatizados pelo desespero de vermos nossa vida e a vida de nossos familiares em risco, a cada chuva. Uma situação que não é possível traduzir em palavras...
E isso tudo numa região muito carente de infra-estrutura e serviços públicos. Em várias comunidades, como é o caso do Jd. Prainha e do Recanto Cocaia, por exemplo, padecemos com a falta de asfaltamento, de saneamento básico, de atendimento médico, de creches, de escolas próximas, e por aí vai.
Como se isso não bastasse, dezenas de comunidades que se localizam próximas à Represa Billings estão sendo despejadas, e outras tantas estão sob ameaça de despejo, por conta do “Programa Mananciais”, da “Operação Defesa das Águas” e de outros processos que visam atender aos interesses da especulação imobiliária. Todos sabemos que a região dos mananciais abrange uma área enorme, que inclui o Autódromo de Interlagos, regiões habitadas por ricos, grandes casas noturnas, que, é óbvio, permanecerão intocadas. As áreas ameaçadas são apenas a de comunidades pobres, compostas por milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras, que não tiveram opção, a não ser comprar seu pedaço de chão em loteamentos precários, resultado de uma articulação entre grandes proprietários, políticos, burocratas, imobiliárias e membros do aparelho judiciário. Esta história não se vê nas telas da TV, que mostram apenas uma versão distorcida e mentirosa da nossa realidade, alimentando preconceitos dos quais somos vítimas no dia-a-dia, repetidos por nossos patrões que muitas vezes nem imaginam que o funcionário ali ao seu lado vive naquela comunidade atingida pelas enchentes, ou ameaçada de despejo.
A necessidade de preservação do meio ambiente – com o que estamos de pleno acordo – pode e deve ser feita respeitando os direitos da população pobre. Portanto, nós, moradores de comunidades carentes, ameaçadas de despejo e vítimas das enchentes, exigimos do poder público a garantia de nosso direito à moradia digna e aos serviços públicos fundamentais.
Quando muito, diante da nossa atual tragédia, a resposta do Estado tem sido os albergues, as passagens para o “Norte”, os cheques-despejos (cada hora num valor, mas sempre muito baixos) disfarçados de “auxílio-aluguel”. Ao contrário, exigimos a construção de um projeto participativo e popular de reurbanização de nossas comunidades que una a preservação ambiental à garantia de moradia e de outros direitos sociais assegurados a nós, pelo menos na teoria, pela Constituição. E, de imediato, exigimos uma SOLUÇÃO EMERGENCIAL às tantas famílias que têm perdido tudo o que construíram com tanto esforço, e cuja própria vida está ameaçada, em função da segregação social, da falta de planejamento urbano, e da ganância dos que se dizem “poderosos”.
Apelamos à solidariedade de todos os que apóiam a luta do povo da periferia. Porém, aproveitamos para lembrar que temos convicção sobre os nossos objetivos, que não estamos pedindo favor, mas lutando pelo que é direito nosso, e que não cairemos no canto da sereia de oportunistas que quiserem tirar proveito de nossa tragédia. Alertamos também que a maneira como os políticos e o “poder público”, em todos os níveis de governo, se posicionarem frente à nossa situação será lembrada – e cobrada - pela via eleitoral, e principalmente por meio de nossa organização cotidiana.
São Paulo, fevereiro de 2010
Rede de Comunidades do Extremo Sul da Cidade de São Paulo
http://redeextremosul.wordpress.com/

(Vídeo) Zapatistas: 16 anos construindo a autonomia


Fonte: http://passapalavra.info/?p=19444

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Lula aprofunda política do estado mínimo e propõe congelamento salarial para o funcionalismo

Projeto de Lei 549/2010 - Lula aprofunda política do estado mínimo e propõe congelamento salarial para o funcionalismo

Paulo Barela - Oposição ASSIBGE-SN
Membro da Secretaria Executiva da Conlutas


No crepúsculo do ano passado, o governo Lula conseguiu aprovar no Senado Federal o PLS-611/2007 (antigo PLP-001/2007), que restringe os recursos orçamentários para despesas com pessoal e estabelece novos limites de gastos com o funcionalismo na Lei de Responsabilidade Fiscal. Leia-se: limitação de verbas para reajuste no salário do funcionalismo (congelamento salarial), redução de novas contratações para o quadro de pessoal (concursos públicos) e em investimentos na máquina administrativa.
A limitação corresponde a um gasto máximo com pessoal, não superior a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) somado a 2,5%, ou ao percentual de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o que for menor. Se aprovado, o PLS 611/07, agora como PLP-549/2010, impedirá qualquer reajuste, já que os limites propostos no projeto são inferiores ao crescimento vegetativo das folhas, com progressões, reposição de servidores que se aposentam e outras despesas. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados e, se aprovado, vai para sanção presidencial. Caso rejeitado ou alterado volta para o Senado para nova apreciação.
No Brasil, os governos, a imprensa e a classe dominante – empresários, banqueiros e latifundiários – costumam responsabilizar os servidores públicos pelos problemas econômicos do país e, invariavelmente, atribuem-lhes a culpa pelo déficit nas contas publicas e no sistema previdenciário. No entanto, seja em relação ao número de trabalhadores desse setor em comparação ao total da população, e mesmo na média salarial, se relacionada aos países desenvolvidos da Europa e América do Norte – como nos mostram as tabelas e gráficos abaixo – é possível observar, com toda a clareza, que essa ladainha não passa de propaganda enganosa para desmoralizar o funcionalismo público diante da população. O objetivo, é claro, levar a cabo medidas que congelam seus salários e reduzem seu efetivo, a partir de medidas ditas de “austeridade”.


Brasil tem menos servidores públicos que a Média Internacional
O IPEA tem feito estudos a fim de montar uma radiografia do Emprego Público no Brasil. Comparando-se os resultados disponíveis até agora com o resto dos países do mundo, desenvolvidos ou não, os resultados são esclarecedores e surpreendentes.


O gasto público nos países organizados absorve uma quantidade de recursos nunca menor do que cerca de 45% do Produto Interno Bruto e, em muitos países, esse percentual é bem superior a 50% do PIB. No Brasil, o setor público, incluído a União, os Estados e os Municípios, absorve cerca de 20% a 25% do PIB. Quando nos referimos aos gastos de pessoal, os números são ainda mais conclusivos, como podemos observar na tabela que segue. Ainda que os números sejam do final da década 90, por falta de um estudo comparativo mais atualizado, o fato relevante é a espantosa discrepância verificada entre os gastos com pessoal no Brasil e vários países do mundo.

Porém, em uma tabela mais recente, referenciada no ano de 2008, mas que restringe a análise comparativa à apenas alguns países da Europa, podemos ter uma idéia mais clara do comportamento dos gastos com pessoal brasileiro em relação aos mesmos gastos no continente europeu.


Dez anos de congelamento salarial e precarização do trabalho público
O projeto, aprovado sorrateiramente pelo Senado, traz como conseqüência, não apenas o arrocho salarial e a precarização das relações de trabalho – prejuízo inegável e irreparável para os trabalhadores públicos – mas também aprofunda a já combalida e frágil prestação de serviços à população pobre brasileira, que necessita desses mesmos serviços. É a política do Estado Mínimo, idealizada pelo neoliberalismo a partir de Collor, no início da década de 90 e levada às últimas conseqüências por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos na Presidência da República. No entanto, para surpresa da maioria dos funcionários públicos desse país, Lula seguiu a cartilha de seus antecessores e aprofundou essa política, aplicando o mesmo receituário à serviço dos interesses das oligarquias empresariais de nosso país, do FMI e do imperialismo.
Para bem ilustrar essa análise, tomemos o exemplo do estudo feito pelo economista Washigton Lima ¹, que elaborou um cálculo retroativo desde 2000 até 2009, portanto por dez anos, utilizando os critérios do projeto. Nesse estudo, Lima comprova que a folha de pagamento da União seria reduzida em R$ 38,8 bilhões, passando de R$ 153,1 bilhões, que foi o valor liquidado em 2009, para R$ 114,2 bilhões. Ou seja, o valor da remuneração de cada servidor, ativo ou inativo, deveria diminuir em mais de um quarto ou, mais precisamente, em 25,37%. Significa afirmar hoje, que se um servidor ganha R$ 1.000,00, sua remuneração deveria ser de R$ 746,31 se o PLS-611/07 (ou PLP-549/10) tivesse sido aplicado nos últimos dez anos. Evidentemente, esse é um cálculo que considera a involução média dos salários da União, não considerando, portanto, as variáveis entre os Três Poderes, entre si, e também em relação às Três Esferas.


Conlutas apóia o calendário da CNESF e aponta unidade nas três esferas
A derrota sofrida pelos servidores no Senado foi apenas uma batalha em meio a guerra que a CNESF – Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais, sindicatos, federações e associações representativas já começam a desenvolver para derrubar o projeto. No último dia 09 de fevereiro, a CNESF realizou sua primeira reunião neste ano e aprovou uma série de medidas para promover a mobilização dos servidores na luta contra o projeto. Faixas, adesivos, cartazes e cartas-abertas estão sendo confeccionados para dar ampla divulgação ao conteúdo perverso da proposta do governo. Ao mesmo tempo, o calendário de mobilização aprovado aponta para ações nos estados e em Brasília e uma grande plenária nacional do funcionalismo federal em 14 de março.
As medidas da reunião estão corretas, mas também é fundamental e necessário construir a unidade entre as organizações das três esferas do funcionalismo público para ampliar essas ações no Congresso Nacional e fortalecer a luta na base das categorias, promovendo atos públicos e mobilizações unitárias para exigir de Lula a retirada desse nefasto projeto e pressionar os parlamentares na Câmara dos Deputados contra sua aprovação.
A CONLUTAS esteve na reunião da CNESF em Brasília e vai estar na vanguarda das ações contra a aprovação do PLP-549/2010. No mesmo sentido, as entidades e oposições da CONLUTAS, representativas das três esferas do funcionalismo público, devem incorporar em suas pautas de discussão, a mobilização e elaboração de um calendário de luta conjunto para enfrentar a proposta do governo Lula, mas que também é apoiada por prefeitos e governadores.
- Exigir de Lula a retirada imediata do PLP-549/2010;- Total apoio ao calendário de mobilização da CNESF e unidade das três esferas (municipais, estaduais e federais) para derrotar essa proposta de arrocho salarial- Desenvolver ações na Câmara de Deputados pela não aprovação do projeto.
¹ Em entrevista, por email, concedida ao jornalista Hélcio Duarte Filho, do Luta Fenajufe Notícias.
São Paulo, 12 de fevereiro de 2010.

Paulo Barela - Oposição ASSIBGE-SN - Membro da Secretaria Executiva da Conlutas

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Por Breno Altma

As circunstâncias históricas levaram Cuba a restringir liberdades. Mas seu sistema político deveria ser analisado sem endeusamento do modelo liberal, no qual a existência de direitos formais não representa garantias para um funcionamento democrático baseado na participação popular.

O novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, em entrevista ao jornalistaFernando Rodrigues (Folha de S.Paulo), no último dia 11/02, respondeuafirmativamente à pergunta que faz as vezes de título desse artigo. Comressalvas de contexto, identificando no longo bloqueio norte-americano uma das causas do que chamou de "fechamento político", Dutra assumiu a mesma definição dos setores conservadores quando abordam a natureza do regime político existente na ilha caribenha.Essa discussão é um capítulo importante na agenda da contra-ofensiva àhegemonia do pensamento de direita. Afinal, a possibilidade do socialismofoi estabelecida pelos centros hegemônicos não apenas como economicamente inviável e trágica, mas também como intrinsecamente autoritária.
Quando o colapso da União Soviética permitiu aos formuladores do campovitorioso declarar o capitalismo e a economia de livre-mercado como o finalda história, de lambuja também fixaram o sistema político vigente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos como a única alternativa democrática aceitável.Não foram poucos os quadros de esquerda que assumiram esse conceito como universal e abdicaram da crítica ao funcionamento institucional dos países capitalistas. Alguns se arriscaram a ir mais longe, aceitando esse modelo como paradigma para a classificação dos demais regimes políticos.Na tradição do liberalismo, base teórica da democracia ocidental, aidentificação e a quantificação da democracia estão associadas ao grau deliberdade existente. Quanto mais direitos legais, mais democrático seria osistema de governo. No fundo, democracia e liberdade seriam apenasdenominações diferentes para o mesmo processo social.Pouco importa que o exercício dessas liberdades seja arbitrado pelo podereconômico. As disputas eleitorais e a criação de veículos de comunicação,por exemplo, são determinadas em larga escala pelos recursos financeiros de que dispõem os distintos setores políticos e sociais.
No modelo democrático-liberal, afinal, os direitos formais permitem o acessoirrestrito das classes proprietárias ao poder de Estado, que podem usaramplamente sua riqueza para mercantilizar a política e seus instrumentos,especialmente a mídia. Basta acompanhar o noticiário político para se darconta do caráter cada vez mais censitário da democracia representativa.A revolução cubana ousou ter entre suas bandeiras a criação de outro tipo de modelo político, no qual a democracia é concebida essencialmente como participação popular. Ao longo de cinco décadas, mesmo com as dificuldades provocadas pelo bloqueio norte-americano, forjou uma rede de organismos que mobilizam parcelas expressivas de sua população.A maioria dos cubanos participa de reuniões de células partidárias, do comitê de defesa da revolução de sua quadra, dos sindicatos de sua categoria, além de outras organizações sociais que fazem parte do mecanismo decisório da ilha.
Não são somente eleitores que delegam a seus representantes a tarefa de legislar e governar, ainda que também votem para deputados - o regime cubano é uma forma de parlamentarismo. Esse tipo de participação talvez explique porque Cuba, mesmo enfrentando enormes privações, não seguiu o mesmo curso de seus antigos parceiros socialistas. O modelo cubano não nasceu expurgando seus opositores ou instituindo omono-partidarismo. Poderia ter se desenvolvido com maior grau de liberdade, mas teve que se defender de antigos grupos dirigentes que se decidiram pela sabotagem e o desrespeito às regras institucionais como caminhos para derrotar a revolução vitoriosa. Na outra ponta, as diversas agremiações que apoiavam a revolução (além do Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel, o Diretório Revolucionário 13 de Março e o Partido Socialista Popular) foram se fundindo em um só partido, o comunista, oficialmente criado em 1965.
Os círculos contra-revolucionários, patrocinados pelo governo democrata deJohn Kennedy, organizaram a invasão da Baía dos Porcos em 1961. Aliaram-se a CIA em algumas dezenas ou centenas de tentativas para assassinar Fidel Castro e outros dirigentes cubanos. Associados a seguidas administrações norte-americanas, criaram uma situação de guerra e passaram a operar como braços de um país estrangeiro que jamais aceitou a opção cubana pela soberania e a independência.A restrição das liberdades foi a salvaguarda de uma nação ameaçada, vítima de uma política de bloqueio e sabotagem que já dura meio século.
Os Estados Unidos dispõem de diversos planos públicos, para não falar dos secretos, cujo objetivo é financiar e apoiar de todas as formas a oposição cubana.Vamos combinar: já imaginaram, por exemplo, o que ocorreria se um setor do Partido Democrata recebesse dinheiro cubano, além de préstimos do serviço de inteligência, para conquistar a Casa Branca?Claro que o ambiente de guerra e a redução das liberdades formais impedem o desenvolvimento pleno do modelo político fundado pela revolução de 1959. Vícios de burocratismo e autoritarismo estão presentes nas instâncias de poder. Mas ainda nessas condições adversas, o governo cubano veio institucionalizando interessante sistema de participação popular.
O contrapeso ao modelo de partido único, opção tomada para blindar a revolução sob permanente ataque, é um sistema de organizações não-partidárias que exercem funções representativas na cadeia de comando do Estado.A Constituição de 1976, reformada em 1992, estabeleceu o ordenamentojurídico do modelo. Um dos principais ingredientes foi a criação do PoderPopular, com suas assembléias locais, municipais, provinciais e nacional. Seus representantes são eleitos em distritos eleitorais, em voto secreto euniversal. Os candidatos são obrigatoriamente indicados por organizaçõessociais, em um processo no qu
al o Partido Comunista não pode apresentarnomes - aliás, ao redor de 300 dos 603 membros da Assembléia Nacional não são filiados comunistas.O Poder Popular é quem designa o Conselho de Estado e o Conselho deMinistros, principais instâncias executivas do país, além de aprovar as leise principais planos administrativos. Seus integrantes não são profissionaisda política: continuam a desempenhar suas atividades profissionais e sereúnem, em âmbito nacional, duas vezes ao ano para deliberar sobre asprincipais questões.
A Constituição também prevê mecanismos de consulta popular. Dispondo desse direito, o dissidente Oswaldo Payá, líder do Movimento Cristão deLibertação, reapresentou à Assembléia Nacional do Poder Popular, em 2002, uma petição com 10 mil assinaturas para que fosse organizado referendo que modificasse o sistema político e econômico na ilha. O governo reuniu 800 mil registros para propor outro plebiscito, que tornava o socialismo cláusula pétrea da Constituição. Teve preferência pelaquantidade de assinaturas. Cerca de 7,5 milhões de cubanos (65% doeleitorado), apesar do voto em referendo ser facultativo, votaram pelaproposta defendida por Fidel Castro.
Tratam-se apenas de algumas indicações e exemplos de que o novo presidente petista pode ter sido um pouco apressado em suas declarações. As circunstâncias históricas levaram Cuba a restringir liberdades. Mas seu sistema político deveria ser analisado com menos preconceito, sem endeusamento do modelo liberal, no qual a existência de direitos formais amplos não representa garantias para um funcionamento democrático baseado na participação popular.
Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi (http://www.operamundi.com.br/)

Blowback: o legado da CIA no Irã, Afeganistão e Paquistão

Por Argemiro Ferreira
O mínimo que se pode dizer é que no Irã, Afeganistão e Paquistão os EUA colhem hoje o que a CIA plantou com a colaboração de gente como o deputado Charlie Wilson. Osama Bin Laden foi treinado pela CIA para atacar os russos; gostou e atacou depois o World Trade Center em Nova York. E as bombas atômicas do Paquistão (real) e do Irã (hipotética) devem-se, ao menos em parte, à igual cortesia da CIA. A situação atual destes três países reflete o passado irresponsável da espionagem dos EUA.

A imagem do herói no cavalo branco a salvar a mocinha das garras do vilão, seja este assaltante de banco ou índio em defesa de suas terras invadidas, é recorrente na ficção de Hollywood. O deputado Charlie Wilson morreu, aos 76 anos, no dia 10 de fevereiro, certo de que era herói na vida real. Motivo: no Congresso injetou bilhões de dólares para financiar os que lutavam contra os russos no Afeganistão. Ao morrer do coração Wilson já estava aposentado. Mas ele representou o Texas por 14 mandatos sucessivos na Câmara. Um livro (“Charlie Wilson’s War - The Extraordinary Story of the Largest Covert Operation in History”, de George Crile) e um filme (“Charlie Wilson’s War”, de Mike Nichols, com Tom Hanks no papel-título) o retrataram como herói.A semana marcou ainda o 31° aniversário da revolução dos aiatolás do Irã, ocorrida apenas alguns meses antes da invasão do Afeganistão. Os iranianos derrubaram o regime do xá Reza Pahlevi, instalado em 1953 graças a golpe planejado pela mesma CIA que usou as verbas secretas do deputado Wilson para recrutar e armar os radicais islâmicos do lado paquistanês da fronteira com o Afeganistão.
O mínimo que se pode dizer é que no Irã, Afeganistão e Paquistão os EUA colhem hoje o que a CIA plantou com a colaboração de gente como o deputado Wilson. Osama Bin Laden foi treinado pela CIA para atacar os russos; gostou e atacou depois o World Trade Center em Nova York. E as bombas atômicas do Paquistão (real) e do Irã (hipotética) devem-se, ao menos em parte, à igual cortesia da CIA.
A lambança atual no Afeganistão (largamente nas mãos dos radicais islâmicos usados pela CIA a partir de 1979), no Paquistão (onde a CIA instalou acampamentos para os ataques aos russos no país vizinho e encorajou o sonho paquistanês da bomba nuclear islâmica) e no Irã (que se nega hoje a abandonar o enriquecimento de urânio) reflete o passado irresponsável da espionagem dos EUA. No Irã o golpe da CIA instalou o xá no lugar do premier nacionalista Mohamed Mossadegh, anulou a nacionalização do petróleo e com faustosa coroação em 1967 impôs a ficção do “trono de 2.500 anos”. As corporações anglo-americanas ganharam mais um quarto de século para explorar o petróleo do Irã, já que a CIA ainda concebeu a tenebrosa Savak, serviço secreto celebrizado pelas câmaras de tortura. Ainda naquela década de 1950 o Irã foi premiado pelo governo do presidente Eisenhower com relações muito especiais - que incluiram “acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos”, deixando o país com alguma base para, em seguida à revolução dos aiatolás, assustar os EUA com a disposição de ampliar o programa nuclear e rumar para o enriquecimento de urânio.
Para o Irã submisso de Reza Pahlevi, nada era bom demais: além de favorecer o desenvolvimento nuclear, Washington ainda dotou o país de armas sofisticadas e modernizou a máquina da repressão - tudo pago com a receita do petróleo, que regalou nos EUA as indústrias bélica, aeronáutica, nuclear e de segurança. Só que hoje, tomado pelos rebeldes radicalizados nas câmaras de tortura, o Irã é outro. De tal forma o Irã do xá era criatura da CIA que, no final de 1973, o presidente Nixon concluiu que ninguém melhor para ser embaixador em Teerã do que o próprio diretor da central de espionagem, Richard Helms - “dada a intimidade dele com o xá”, explicou.
Como se fosse o posto final de uma carreira de sucesso na CIA, dirigida por Helms durante quase sete anos, antes dos três que passou no Irã. Com a contribuição do deputado Charlie Wilson, anticomunista meio fanático, o capítulo Afeganistão-Paquistão foi ainda mais vivo, excitante e insólito - ou “colorful”, para usar adjetivo talvez mais apropriado à conduta do parlamentar excêntrico que quando não estava “salvando o mundo” da suposta “ameaça vermelha” dedicava-se ao consumo de álcool e drogas com prostitutas de luxo.
Ele ficou obviamente encantado com os relatos do livro e do filme que o tornaram celebridade. Seu papel pode ter sido singular pelo conhecimento de sutilezas do processo legislativo na Câmara, onde integrava a comissão de verbas (appropriations) e sua subcomissão sobre operações no exterior - além de cultivar contatos na comissão que supervisiona a espionagem.
Não só estava familiarizado com mecanismos e artifícios para ocultar a destinação de recursos. Também revelara-se mestre na troca de favores com colegas interessados em abocanhar verbas para projetos de seus distritos eleitorais. Certos especialistas acham que hoje teria mais dificuldades: o processo legislativo sofreu reformas depois, reduzindo - em nome da transparência - a prática do sigilo. O fato é que Wilson começou por canalizar uma verba de US$ 5 milhões para os radicais do Afeganistão. E, no fim da década de 1980, aqueles recursos elevavam-se a nada menos de US$ 750 milhões por ano. Pode ter sido ajudado por pertencer ao partido da oposição (Democrata) numa década dominada por governos republicanos (Reagan e Bush I) obstinados em estender ainda mais as ações militares dos EUA pelo mundo.
No Afeganistão e Paquistão, sabe-se hoje, a lambança foi bipartidária - devido a uma armadilha do governo do presidente democrata Jimmy Carter. Seu assessor de segurança nacional na Casa Branca, Zbigniew Brzezinski, confessaria 20 anos depois ter atraído a URSS para a idéia de invadir o Afeganistão. A invasão veio a 24 de dezembro de 1979, após seis meses de ajuda crescente da CIA aos rebeldes radicais.Em entrevista à revista francesa “Nouvel Observateur”, em 1998, Brzezinski vangloriou-se de seu papel: “Carter assinou a 3 de julho de 1979 a primeira diretiva (à CIA) para a ajuda secreta aos opositores do regime pro-soviético de Kabul.
Naquele dia eu tinha enviado nota ao presidente na qual expliquei que, na minha opinião, tal ajuda americana iria levar a uma intervenção militar soviética”.Quando o jornalista perguntou se a ação clandestina dos EUA tivera a intenção de provocar a invasão russa, Brzezinski amenizou: “Não provocamos os russos para que invadissem, mas ampliamos conscientemente a probabilidade de que isso viesse a ocorrer”. No dia em que os russos cruzaram a fronteira, disse, escreveu de novo a Carter: “Agora temos a oportunidade de dar aos soviéticos o Vietnã deles”.Brzezinski contestou, assim, a tese republicana que atribui a Reagan a glória pelo fim da URSS. “Durante quase 10 anos a URSS amargou guerra insuportável - um conflito que trouxe a desmoralização e, afinal, a dissolução do império soviético”, alegou. Mas o exagero é comparável ao do mérito republicano.
O desfecho, após meio século, deveu-se aos dois partidos e muita gente mais - inclusive os que erraram na própria URSS. As avaliações atuais tentam ignorar os efeitos negativos das ações da espionagem. Ao financiar, treinar e armar (até com mísseis Stinger, capazes de destruir aviões em vôo) os radicais que batizou de “combatentes da liberdade” a CIA extremou as ambições deles.
Hoje ela os repudia como “terroristas”, indiferente ao fato de que aprenderam na CIA a pensar o impensável - como atacar o coração do império americano. Com os russos fora do Afeganistão os EUA deixaram o país para os radicais que a CIA diplomou em terrorismo. Com armas como o Stinger, os talibãs tomaram o poder e ficaram até 2001. Bin Laden, saudita de nascimento, ainda dirige de lá a rede al-Qaeda, que opera no mundo a partir do território afegão.
E a CIA ainda tenta “recomprar” Stinger mas nem sabe quantos distribuiu - a estimativa vai de 500 a 2.000.O deputado Wilson, ao invés de herói, foi cúmplice das trapalhadas. Livro e filme dizem que atuava com assistência da CIA.
A culpa dos EUA e sua agência ia mais longe na relação promíscua com o general-ditador paquistanês Zia-ul-Haq, que em troca do apoio à operação na fronteira afegã obteve luz verde e deu carta branca ao construtor da bomba atômica islâmica, o cientista Abdul Qadeer Khan. No desdobramento, a receita da bomba-A do Paquistão foi parar no Irã, Coréia do Norte, Líbia e talvez outros.
Assim, além de fazer a “guerra (sem fronteiras) ao terrorismo” e lutar no Afeganistão contra os que antes chamava de “combatentes da liberdade”, os EUA hoje têm de vigiar o Dr. Khan, o serviço secreto (ISI) do Paquistão, os progressos nucleares do Irã e da Coréia do Norte e sabe-se-lá-mais-o-que.
A própria CIA adotou a expressão “blowback” para designar os efeitos opostos ao que pretendia em cada uma de suas operações clandestinas. A palavra apareceu pela primeira vez em relatório secreto de 1954 sobre o golpe da CIA no Irã. O “blowback” da derrubada de Mossadegh foi a tirania de 25 anos e a revolução (antiamericana) dos aiatolás. Já no Afeganistão os ataques do 11/9 nos EUA tendem a ficar como exemplo maior.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O crime: lutar por justiça social




Falta de revista a carros de militantes que ocuparam a área da transnacional de laranja em outubro de 2009 teria sido premeditada para fortalecer acusação de furto qualificado

Por Eduardo Sales de Lima
enviado a Bauru, Avaí, Borebi, Lençóis Paulista, e Promissão (SP)


Depois de 16 dias, os sete integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estavam presos desde 26 de janeiro devido à destruição de parte do laranjal da transnacional Cutrale ocorrida no ano passado receberam a liberdade mediante concessão de habeas corpus pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, da 3ª Câmara Criminal do TJ/SP.
A prisão temporária (depois preventiva) dos militantes – moradores dos assentamentos Zumbi dos Palmares, no município de Iaras, e Loiva Lourdes, em Borebi, região central do estado de São Paulo – havia sido pedida porque eles supostamente ameaçariam o transcorrer do inquérito.
Fato é que, sobretudo nos últimos meses, o MST se transformou em sinônimo de quebradeira e invasão de propriedade. A luta social equiparou-se ao crime. O chefe da Operação Laranja – investigação da Polícia Federal que desencadeou as detenções – e da seccional Bauru, delegado Benedito Valencise, enxerga diferente. “Muito se fala que se tenta criminalizar um movimento social; mas [no caso Cutrale] houve a vítima”, defende, referindo-se à derrubada de três mil árvores da Cutrale e a furtos supostamente efetuados pelos militantes sem-terra, em 6 de outubro de 2009. Segundo a empresa, os trabalhadores rurais furtaram peças de tratores e fertilizantes.
“Premeditado”
Segundo o delegado, 20 pessoas foram indiciadas por esbulho (privar alguém da posse de algo), formação de quadrilha e furto. Mas todas essas acusações, segundo um dos advogados dos presos do MST, Jorge Antônio Soriano Moura, são extremamente frágeis, o que fortaleceria o caráter político das prisões. “Você tira o furto, que não houve; aqueles tratores já estavam lá depenados. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça [STJ] tem jurisprudência que qualquer ação do MST não configura formação de quadrilha. Resta o quê? Esbulho em terra pública não se configura. O dano é um termo circunstanciado. Separa duas cestas básicas, resolveu”, explica.
Para ele, quando o delegado de Agudos e responsável pelo inquérito que criminaliza o MST, Jader Biazon, enquadrou o furto na acusação, seu objetivo foi tratar a questão política da reforma agrária como crime comum, utilizando de artifícios no mínimo suspeitos. “Por que a polícia não revistou nenhum caminhão dos militantes do movimento saindo da fazenda da Cutrale? A polícia tem total autonomia de fazer isso, por que não fez?”, questiona o advogado.
De acordo com ele, o fato de a polícia não ter recebido ordens para revistar os sem-terra no momento em que houve a reintegração de posse na fazenda grilada pela Cutrale foi premeditado “para depois acusarem que nesses caminhões foram transportadas objetos da empresa, para ter onde se pegar na classificação de crime comum”, avalia Jorge.
Por seu lado, o delegado Valencise assegura que foram furtadas peças de tratores, baterias de tratores, fertilizantes, agrotóxicos, e que os objetos, com as marcas e o número de lotes, foram encontradas no dia 26 de janeiro, com o mandado de busca e apreensão. “Isso é uma prova indiscutível de que o material foi subtraído; e se fosse só no reconhecimento da vítima, mesmo assim merecia credibilidade, porque a vítima é séria”, pontua o chefe da Operação Laranja.
Teatro
O advogado Jorge Soriano reforça que o caráter “estritamente político” das prisões pôde ser observado em vários outros pontos. “Forçaram a barra”, destaca. A prisão temporária dos sete trabalhadores, prorrogada e depois convertida em prisão preventiva, somou 16 dias. A juíza da Comarca de Lençois Paulista (SP), Ana Lúcia Graça Lima Aiello, afirmou que, soltos, os militantes “não deixariam correr normalmente a colheita de provas”.
Jorge desconstrói esse argumento. Ele lembra que os mandados de busca e apreensão foram expedidos no dia 10 de dezembro de 2009, mas cumpridos apenas no dia 26 de janeiro, quase 45 dias depois. “Nesse período, o inquérito não parou, uma prova cabal de que eles [os acusados] não atrapalharam as investigações durante esse período, e que, portanto, não deveriam estar presos”, afirma.
Depois, ele lembra que os depoimentos colhidos pela polícia foram “quase ‘control c, control v’ [referência aos comandos dos computadores para copiar e colar um texto]” do escrivão que os registrou. Desconfiado dessa situação, o advogado defende que é impossível que mais de duas pessoas consigam fazer a mesma frase final de forma idêntica.
Espetacularização
Mas, o pior, segundo ele, estava por vir. O delegado Jader Biazon, presidente do inquérito, o teria escondido e dificultado o acesso aos autos para que fosse criado um clamor público, um apoio da sociedade às prisões. Sem titubear, o advogado afirma que, além disso, uma escrivã de Agudos foi orientada pelo promotor Henrique Ribeiro Varonês e pela juíza Ana Júlia para esconder o inquérito dos advogados do MST, durante alguns dias, “ferindo o direito de defesa”, segundo ele. A reportagem do Brasil de Fato foi até a comarca de Lençois Paulista (SP), onde se localiza a Comarca da juíza, mas ela se recusou a nos receber.
Assim, depois de todas essas irregularidade, a função de “espetacularizar” a situação teria ficado a cargo do maior canal de tevê do país. “A Rede Globo soltava, a cada dia, uma parte da fita [em que Miguel Serpa, um dos detidos, organizava as pessoas na fazenda] para poder substanciar mais o pedido de prisão; porque, sob o ponto de vista jurídico, o pedido de prisão se baseia em questões muito frágeis Toda essa movimentação fez com que a juíza se sentisse muito tranquila na decisão que tomou”, afirma Jorge.
Gilmar Mauro, integrante da direção nacional do MST, resumiu, em audiência pública na Câmara dos Vereadores de Bauru (SP), ocorrida no dia 8: “Houve uma clara articulação entre a Rede Globo e a Polícia Militar daqui de estigmatizar o MST. No final, eles [setores conservadores locais, como a polícia civil, militar, justiça] é que estão sendo 'laranjas' dos grandes grupos econômicos”.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Grécia: A greve de 10 de Fevereiro de 2010



por KKE
Dezenas de milhares de trabalhadores e empregados, tanto do sector privado como do público, responderam ao apelo à greve da Frente Militante de Todos os Trabalhadores (PAME), uma frente de sindicados de classe na Grécia. O PAME efectuou comícios de massa em 66 cidades por todo o país, ao mesmo tempo que 300 sindicatos primários e secundários (sindicatos, centros sindicais, federações industriais) do sector público e privado decidiram participar da greve.


O êxito da greve foi mais uma resposta às medidas anti-povo anunciadas pelo governo social-democrata do PASOK tais como redução de salários e pensões, aumento da idade de reforma. Os trabalhadores viraram as costas ao apelo do governo ao compromisso "a fim de salvar o país" da crise. Eles mostraram que a Grécia não está em perigo de bancarrota e que o grande capital é o responsável pelos défices e pelas dívidas.

Foi o grande capital que antes e durante a crise fez lucros fabulosos chantageando os estratos trabalhadores e populares e colocando o fardo da crise sobre os seus ombros. A 24 de Fevereiro seguir-se-á outra grande greve e mobilização. Desde a madrugada de 10 de Fevereiro milhares de trabalhadores e estudantes juntaram-se na linhas de piquetes nos portões das fábricas e outros locais de trabalho. Grandes unidades industriais, companhias multinacionais, estaleiros de construção e o maior porto da Grécia, no Pireu, congelaram.

A árdua batalha de preparar a greve, os piquetes, a denúncia do compromisso das forças conduzidas pelo patronato e do sindicalismo amarelo que controla as confederações de trabalhadores do sector privado (GSEE ) e do sector público (ADEDY) fortaleceram a classe trabalhadora na Grécia. Também deve ser observado que o GSEE continuou as suas tácticas de rompimento de greves e não organizou a greve, apoiando portanto o governo.

Por outro lado, o ADEDY apelou a uma greve em 10 de Fevereiro e organizou um comício no centro de Atenas, embora com escassa participação. Em contrapartida, dezenas de milhares participaram no comício de massa do PAME em Atenas o qual foi feito junto ao Parlamento grego. Apesar da chuva, o povo trabalhador condenou a política anti-trabalho, anti-povo e o ataque do bloco negro constituído pelo governo juntamente com o patronato, a UE e os partidos da plutocracia que instam a classe trabalhadora a fazer os "sacrifícios" que a UE e o governo pedem.
Vasilis Stamoulis, presidente da federação sindical dos trabalhadores da indústria têxtil fez um discurso no comício. Representantes do movimento dos camponeses do All Peasants' Militant Rally [PASY] e do Pan-Hellenic Coordination Committee dos auto-empregados também fizeram uma saudação. Uma delegação do CC do KKE (Partido Comunista Grego) encabeçada pela secretária-geral do CC, Aleka Papariga, participou do comício. Após o comício de massa seguiu-se uma marcha de protesto nas ruas centrais de Atenas até o Ministério do Trabalho. Os protestatários tornaram claro que não farão qualquer sacrifício para a plutocracia e exigiram:
  • Emprego estável para todos;
  • 7 horas de trabalho por dia, 5 dias por semana;
  • salário mínimo de 1400 euros;
  • reforma aos 55 anos para as mulheres e de 60 para os homens, aos 50 e 55 para as ocupações de risco;
  • medidas para protecção substancial dos desempregado e das suas famílias e não cupons de caridade para os supermercados;
  • 1120 euros de subsídio de desemprego para todo o período do desemprego sem quaisquer condições ou pré requisitos;
  • plenos cuidados de saúde e farmacêuticos;
  • tributação drástica das grandes empresas em 45%.
  • Abolição de todos as isenções e privilégios fiscais.

Declaração da secretária-geral do CC do KKE, Aleka Papariga, no comício do PAME:
"Não prestem atenção ao que eles estão a dizer! O resgate de banqueiros, industriais e comerciantes grossistas é a única coisa com que eles se preocupam. "Eles trarão medidas ainda piores a menos que o povo trabalhador trave esta onda de medidas, a menos que desafiem os ditames do governo. "Por isso, bloqueio a estas medidas, levantamento e luta constante! Novos golpes estão a vir na segurança social e na tributação. Bloqueio ao seu avanço! Não acreditem neles! Virem-lhes as costas!"

O original encontra-se em http://inter.kke.gr/News/2010news/2010-02-strike

Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 14 de fevereiro de 2010

CPI do MST ou do agronegócio?



CPI do MST ou do agronegócio?
Por Egydio Schwade
A CPI do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), é a maior iniqüidade que o Congresso Nacional já produziu, pois não há outra necessidade maior neste país do que a Reforma Agrária que o MST a duras penas vem realizando e que o Estado, há mais de 50 anos, se impôs, por lei.

Tem sim, uma CPI muito urgente de se fazer, que é a CPI do agronegócio. Terras públicas griladas ou irregularmente privatizadas; biodiversidade em grandes extensões destruídas; terra exposta ao sol, à erosão e envenenada que levará anos e fortunas para ser recuperada; alimentos cultivados em meio a nuvens de veneno, contaminando trabalhadores que os produzem; alimentos envenenados levados ao comércio, nacional e internacional, sem ética, forçando os consumidores a ingerirem produtos envenenados e transgênicos. Eis o agronegócio, um sistema de produção iníquo, financiado pelo Governo e que mereceria uma CPI Parlamentar. Mas como esta é utópica em um Congresso dominado pelos donos do agronegócio, uma CPI-Popular se torna necessária conduzida pelo FSM (Fórum Social Mundial), juntamente entidades nacionais de comprovada representatividade e idoneidade, como CONIC, CNBB e OAB...

1º. Capitulo: Levantamento nacional da grilagem de terras da União e sua Privatização.
Alguns exemplos.
Nos anos de 1940, o Governo transferiu irregularmente à Aracruz Celulose, no Espírito Santo, 40.000 ha. de terras tituladas aos índios Tupiniquim em 1611. Onde os indígenas praticavam uma agricultura variada e sustentável e onde caçavam e coletavam animais e frutos de subsistência na mata atlântica nativa, o conglomerado multinacional Aracruz Celulose S/A depredou a floreta e esparramou plantações de eucalipto, impossibilitando a vida, ou seja, o abrigo e a sobrevivência de homens, animais e da diversidade vegetal.
Semelhantemente, no interior paulista o Estado brasileiro privatizou as terras Kaingang para o agronegócio. Este em poucos anos sobrepôs à floresta nativa dos índios, o "deserto verde" da monocultura de cafezais, laranjais e canaviais. A falada Cutrale é apenas um exemplo.
O sul do Mato Grosso do Sul foi, desde tempos imemoriais, habitat dos Guarani e, até recentemente, coberto por extensas florestas, ricas em madeiras de lei e biodiversidade. Essas terras foram privatizadas, primeiro a madeireiros e depois a fazendeiros monocultores que hoje mantêm os índios Guarani reprimidos por milícias de jagunços armados.
Outro caso exemplar de grilagem de terras ocorreu no final dos anos 60 e início dos anos 70, quase simultaneamente, no Noroeste de Mato Grosso, no Nordeste do Pará e no Norte do Amazonas. Foi levado a cabo por dois irmãos paulistas, Fernando e Sérgio Vergueiro, respectivamente, advogado e Engenheiro-agrônomo que se especializaram nesse tipo de atividade em cursos de extensão na Southwestern Louisiania University e de administração de empresas de crédito imobiliário na USAID, excelente ambiente para especialização em grilagem de terras, pois os norte-americanos são conhecidos profissionais no assunto.
Em 1967, aproveitando o mais novo programa do Governo Militar, o dos "Ïncentivos Fiscais", os irmãos Vergueiro fizeram a sua primeira investida no Noroeste de Mato Grosso, entre os rios Sangue e Arinos, em terras dos índios Irantxe, Beiços-de-Pau e Rikbaktsa, onde implantaram as fazendas Agropecuária Agrosan, frequentemente acusada por uso de mão-de-obra escrava, a Membeca e outras. Até 25-01-71 já haviam realizado 43 projetos de grilagem de terras na Amazônia e naquele ano de 1971 ambicionavam conseguir realizar outros 40, conforme o jornal BANAS-25-1-71, incentivador desse tipo de ação ilegal. Com os lucros adquiridos, através dos "incentivos fiscais" (na ordem de Cr$ 352,5 milhões) expandiram entre 1967 e 1971 o seu escritório de São Paulo para Cuiabá, Belém, Brasília e Manaus. As terras eram escolhidas e demarcadas do alto de aviões e depois tituladas nos fóruns locais. Assim só no mês de maio de 1970, demarcaram 53 "fazendas" de 3.000 ha. cada uma, em terras dos índios Waimiri-Atroari, no hoje município de Presidente Figueiredo/AM. O resultado está aí, povos indígenas perderam suas terras e centenas de agricultores esperando os seus títulos há mais de 20 anos.
Em Roraima 7 povos indígenas lutaram 32 anos para reaver as terras da Reserva Raposa Serra do Sol griladas por fazendeiros com a colaboração de políticos, funcionários corruptos da FUNAI e membros do Judiciário local.
As terras dos ladrões públicos, Daniel Dantas e Nagi Nahas, no Pará, objeto de Reforma Agrária, esperam há meses pela decisão óbvia do Governo Federal.
Finalmente, sobre a origem do latifúndio da representante maior do agronegócio no Congresso, Kátia Abreu e Presidente da Confederação Nacional de Agricultura-CNA, órgão máximo do agronegócio, se lê em Carta Capital, 25-11-2009: "sob o título ‘Kátia Abreu, a rainha do latifúndio improdutivo’, o repórter Leandro Fortes descreve como a senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura, ‘com a espada da lei nas mãos e a aquiescência de eminências do Poder Judiciário, tem se dedicado a investir contra trabalhadores sem-terra’, na verdade em causa própria.
Beneficiária de um esquema de favores, por parte das autoridades locais, a senadora, de discurso aparentemente modernizador e legalista, é investigada pelo Ministério Público Federal por ter conseguido transformar terras antes produtivas em áreas onde nada se planta ou se cria. Na prática, a musa do agronegócio, diz a reportagem, estaria agindo como os acumuladores tradicionais de terras que atentam contra a modernização capitalista do setor rural brasileiro.
A história tem início em 1999, quando amigos do governador Siqueira Campos, entre eles a senadora, o irmão dela e demais da entourage, 47 ao todo, foram contemplados com a distribuição de 105 mil hectares, declarados de "utilidade pública" pelo Executivo, por suposta improdutividade. Os felizardos, inscritos na lista da federação de agricultura do Estado, cuja presidência era então ocupada por Kátia Abreu, pagaram pela benesse o preço simbólico de R$ 8,00 por hectare, o que permitiu à senadora apropriar-se de cerca de 1,2 mil hectares.
Ocorre que em partes das terras cedidas por Siqueira Campos a Kátia Abreu, no município de Campos Lindos, vivia o agricultor Juarez Vieira Reis, que embora tivesse nascido no local e lá trabalhado por 50 anos no cultivo da terra, foi dela expulso num ato classificado pelo Ministério Público Federal do Tocantins de "grilagem pública". Deu-se, assim, uma revolução agrária às avessas, ou seja, a terra antes cultivada por Reis com arroz, feijão, milho, mandioca, melancia e abacaxi, converteu-se, em mãos de Kátia Abreu, num latifúndio improdutivo, uma vez que nos 1,2 mil hectares declarados de sua propriedade não há o menor sinal de atividade agrícola ou pecuária.
Reis não se deu por vencido. Tinha a favor dele documentos de propriedade, um deles datado de 6 de setembro de 1958 e originário da Fazenda de Goiás, antes da divisão do Estado. O documento reconhece as terras da família em nome do pai, Mateus Reis, a partir dos recibos dos impostos territoriais de então. De posse dos papéis, Reis tentou barrar a desapropriação na Justiça.
Foi quando a senadora, apoiada na oligarquia local, partiu para a ofensiva. Ignorando a ação de usucapião em andamento desde o ano 2000, que dava respaldo legal à permanência de Reis na área, ela entrou com uma ação de reintegração de posse e, sem surpresa para ninguém, teve seu pedido deferido.
Reis foi expulso sem direito à indenização por qualquer das benfeitorias que construiu ao longo de cinco décadas de ocupação da terra, aí incluída a casa onde vivia com a família, cisternas, culturas, árvores frutíferas, pastagens, galinhas, jumentos e porcos.
Há cinco meses, Reis luta para convencer o Tribunal de Justiça de Tocantins a julgar tanto a ação de usucapião quanto o pedido de liminar impetrado há seis anos, para assegurar a volta da família à sua terra.
É preciso mostrar ao Governo Federal que não se pode legalizar uma terra grilada. Que terra roubada da União ou transferida ilegalmente à latifundiário deve ser objeto de Reforma Agrária, ou devolução à comunidade ou povo, quando se trata de terra indígena ou quilombola.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito precisaria iniciar com um exaustivo levantamento da grilagem de terras pelo latifúndio, depredador da biodiversidade e pelo trato criminoso da mãe-terra. Ninguém pode ser um dono arbitrário dos bens da terra, mas apenas administrador de um bem que pertence à vida em toda a sua diversidade.
*Indigenista
Obs: Essa postagem foi editada. O texto de Egydio Schwade foi reproduzido na integra. Todo material encontra-se publicado em: http://www.mst.org.br/.

Filme - Povos do Xingu contra a construção de Belo Monte

Cenas gravadas na Aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto/Jarina, entre os dias 28 de outubro e 4 de novembro de 2009. Nesse período, os ministros do Meio Ambiente e Minas e Energia foram convidados a ir ao Xingu para discutir os impactos da obra de construção da usina de Belo Monte na região.
Se concretizado, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo e vai causar impacto mais de 9 milhões de hectares de floresta, uma área equivalente a duas vezes a cidade do Rio.

Veja o audiovisual:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Grande mídia isolada do Brasil



Por Venício A. de Lima

Trabalhando em algumas capitais estaduais ou na Praça dos Três Poderes, em Brasília, os chamados "formadores de opinião" da grande mídia – sobretudo jornais e emissoras de TV – acabam por se isolar do cotidiano da maioria da população brasileira. Acredito que faria muito bem a eles viajar, periodicamente, pelo interior do Brasil. Não importa a região, o estado ou até mesmo as cidades visitadas. A exceção talvez seja o interior de São Paulo, área onde são distribuídos dois dos três jornalões que se consideram nacionais.

Os "formadores de opinião" deveriam aproveitar a viagem e puxar prosa com gente comum em locais como postos de gasolina, restaurantes de beira de estrada (ou não), hospedarias, botequins, museus, igrejas... E, sobretudo, ouvir. Ouvir quais são as fontes de informação preferidas, com o que se preocupa, quais informações interessam e qual a visão que essa gente comum tem do país e de seus problemas.

Exemplos: perguntado sobre o porquê de as TVs permanecerem ligadas 24h no saguão e no restaurante de um hotel de nível médio, o garçom respondeu: "É norma do hotel, mas ninguém aguenta. É só notícia ruim. Mas também ninguém presta atenção. Fica aí falando sozinha...". Ou o morador que opina sobre o serviço de som da igreja matriz que "entra no ar" várias vezes ao dia: "É bom porque dá notícia tanto boa quanto ruim e a gente pode acreditar".

Se a hybris que aflige a maioria dos jornalistas permitisse, os "formadores de opinião" constatariam que seu celebrado poder – se algum dia de fato existiu – está sendo minado pela internet, acessível através de uma avalanche de novas tecnologias e por uma consciência ainda difusa de que não se pode acreditar, sem mais, no que diz a televisão, o jornal e o rádio, nesta ordem.

Os "formadores de opinião" seriam ainda surpreendidos com a renovada valorização da mídia local, seja o velho serviço de alto-falante da igreja matriz, os barulhentos carros de som que percorrem as ruas das cidades ou as rádios comunitárias, em boa parte vinculadas a alguma denominação religiosa.

E os jornais?

Pergunte a um morador qualquer do interior do país se ele conhece – não se lê – algum de nossos jornalões que se dizem "nacionais". A grande maioria não conhece e, portanto, não lê. Procure saber qual o reparte que chega a determinada localidade do maior jornal do estado – para assinantes ou para venda avulsa. Dez exemplares (ou menos) para cidades pequenas e até médias.

Essas respostas certamente darão sentido ainda mais concreto aos impressionantes números divulgados pelo IVC no início deste mês relativos ao ano de 2009: a circulação média da Folha de S.Paulo é de 295 mil exemplares/dia e caiu 5%; do jornal O Globo, de 257 mil e caiu 8,6%; e do Estado de S.Paulo, de 213 mil e caiu 13,5% (ver "Indústria de jornais – Circulação diminui em 2009" ).

"Tudo continuará como sempre esteve"

Essas "impressões de viagem" vêm sendo confirmadas há anos e sempre recolocam a eterna questão do poder e da importância da mídia tradicional na formação da opinião pública, incluída aqui a onipresente televisão (ver, neste Observatório, "A soberania onipresente da TV" e "Lições sabidas e nem sempre lembradas").

Não é novidade a supremacia das preocupações locais sobre as regionais e as nacionais, vale dizer, das questões próximas sobre aquelas mais distantes. É apropriado transcrever um parágrafo publicado aqui mesmo no OI, dois anos atrás:

"Nada é mais importante para o cidadão comum do que aquilo que ocorre ao seu lado, com o seu vizinho; e que pode, portanto, acontecer com ele próprio. A sociabilidade é construída a partir dos temas locais e regionais. Isto potencializa o papel da rádio comunitária, da FM e dos jornais locais e regionais (quando existem). A agenda midiática nacional de entretenimento ou jornalismo (televisiva, sobretudo) interage com a temática local, mas ocupa um indisfarçável segundo plano."

Ao contrário da grande mídia que insiste em acreditar que o cidadão comum está o tempo todo "seguindo" como twitteiro o que fazem em Brasília o presidente e seus ministros; os deputados federais e os senadores, e os juízes do STF, ele, na verdade, está "seguindo" o que fazem os políticos mais próximos de sua vizinhança e parece perceber a capital federal como uma cidade de ficção, habitada por políticos necessariamente corruptos e gente diferente do resto da população do país.

Se essas "impressões" estiverem corretas, é de se esperar alguma mudança no comportamento da grande mídia?

No caso dos jornalões, certamente não. Seu crescente "isolamento" da maioria da população transformou-se em estratégia de sobrevivência no mercado. Esta é uma das razões porque seus "formadores de opinião" procuram agradar a um grupo cada vez mais reduzido de pessoas. O rádio deverá ficar cada vez mais local e regional. E a televisão onipresente, mas com a audiência em queda, parece se agarrar à espetacularização de toda a sua programação. E com isso, despenca sua credibilidade.

Novos tempos. Nova mídia. Novos atores. Novos poderes. E muitos ainda acreditam que tudo continuará como sempre esteve.
Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=576JDB002

Situação crítica no Jd. Prainha - Zona Sul de São Paulo

No Jd. Prainha, onde existem sérias carências de infra-estrutura, casas estão desabando e outras correndo o risco de desabamento. A resposta do "poder público", dez dias depois das denúncias, se deu por meio da Defesa Civil, que sem entrar nelas, interditou parcialmente algumas casas. Fora isso, falam que não podem fazer absolutamente nada. É claro que não aceitaremos esse tipo de resposta!!!
Vídeo 1

Jd. Prainha from cocaialuta on Vimeo.

Vídeo 2 - A Periferia Luta

Periferia Luta from cocaialuta on Vimeo.

Fonte: http://cocaialuta.zip.net/

Que saudade da São Paulo da garoa!

Os prejuízos causados pelas chuvas em São Paulo vêm sendo tratados pelos meios de comunicação como uma mera fatalidade, fruto de uma excepcionalidade da natureza. Em artigo escrito em 1995, o professor Ladislau Dowbor já alertava que não era mais possível dizer, a cada ano, que se tratava das maiores chuvas da história, de um fenômeno excepcional. "Na realidade, a enchente tornou-se uma companheira permanente da cidade por uma simples razão de formas de urbanização", escreveu Dowbor.

POR Ladislau Dowbor
Artigo publicado originalmente em 23 de março de 1995 no jornal O Estado de São Paulo.
Não é mais possível dizer, a cada ano, que se trata das maiores chuvas da história, de fenômeno “excepcional”. Na realidade, a enchente tornou-se uma companheira permanente da cidade por uma simples razão de formas de urbanização.São Paulo representa hoje uma mancha urbana da ordem de 1.500 quilômetros quadrados, cerca de 30 por 60 quilômetros. Isso significa que, com 100 milímetros de chuva, buscam saída 150 milhões de toneladas de água. A principal forma de escoamento consiste na simples infiltração da água no solo, aproveitando a sua permeabilidade, particularmente nas várzeas, que atuam como grandes esponjas. Acontece que, com a crescente camada de asfalto e cimento, cerca de dois terços da cidade estão impermeabilizados. Por outro lado, a ausência de cobertura vegetal e a concentração de construções aumentam a temperatura em até 10 graus em certas regiões da Cidade, favorecendo chuvas torrenciais e liquidando os bons tempos da garoa.
As empresas de loteamento destroem regularmente a cobertura vegetal, reduzindo também a filtração da água para dentro do solo. E as empreiteiras e especuladores imobiliários liquidam as várzeas.Em outros termos, construímos na Cidade um gigantesco tobogã de água e nos espantamos que mesmo chuvas médias provoquem enchentes.O fenônemo é, por sua vez, agravado pelas formas como é enfrentado. Cada bairro sujeito a enchentes batalha a canalização do seu córrego e, de bairro em bairro, provocamos a chegada mais rápida da água às partes baixas da Cidade.
Só que nas partes baixas o efeito é cada vez mais dramático, pois uma massa cada vez maior de água chega mais rapidamente.
O tobogã aumentou.
A primeira conclusão é, portanto, bastante simples: em vez de políticas em fatias, ou clientelísticas, precisamos é de um plano. E em vez de simples canalizações que aceleram o fluxo da água, precisamos proteger as várzeas, recuperar a permeabilidade do solo e melhorar a retenção de água nas areas intermediárias. Os exemplos são inúmeros. Na Suíca, para cada 100 metros quadrados construídos é preciso reservar determinada superfície verde e permeável. A cidade de Londrina está transformando suas bacias em parques, gramando as beiras de córregos, plantando árvores e multiplicando espaços de lazer. Outras cidades estão rearborizando loteamentos e encostas das bacias, para reter a água e reduzir o assoreamento.
No nosso caso, não resolvemos o problema dos córregos, entulhados e assoerados, e aumentamos o problema do Tietê. Na realidade, a equação em que, em permanência, trabalham de um lado os caminhões e as dragas, e de outro, chegam regularmente a terra carregada pelos córregos e os detritos dos paulistano é o sonho de qualquer empresa de desassoreamento.
É um fluxo de centenas de milhões de dólares.
O problema no seu conjunto é parecido com o dos carros em São Paulo. Como não há mais espaço para escoamento, abrem-se mais avenidas, o que leva a mais carros. Constatando-se que as avenidas não bastam, fazem-se elevados e túneis, que permitem que os carros chegem muito mais rapidamente a outros gargalos mais intensos. O problema do trânsito, evidentemente, exige que paremos um pouco para pensar e trabalhemos mais a concepção do metrô e outras formas de transporte coletivo, porque abrir mais espaço para carros apenas desloca o problema, não o resolve.No nosso drama da água, agora que o sol parece começar a enxugar as nossas lamentações, ao menos até o ano que vem, seria igualmente melhor trabalharmos a compreensão estrutural do problema, resgatarmos a prática do planejamento. E, sobretudo, precisamos parar de pensar que a urbanização seja uma questão de obras, de asfalto e concreto.
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Varsóvia, professor titular da PUC-SP.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Os limites do novo censo agropecuário


POR ARIOVALDO UMBELINO

O Estado brasileiro não tem controle algum sobre seu território, aliás, nunca teve. O Incra deveria fazer periodicamente o recadastramento dos imóveis, mas não faz. O último foi feito em 1992 e atualizado em 1998. Nem os órgãos públicos nem os cartórios de registro de imóveis, ou seja, ninguém neste país é capaz de informar a parte das terras ocupadas legalmente e ilegalmente, ou melhor, as griladas. Nem mesmo o Estado é capaz de informar o total das terras públicas devolutas ou não.
Nunca um censo foi realizado no Brasil com tanta tecnologia avançada disponível. Tudo foi feito para que os resultados viessem a público rapidamente. Projetou-se um censo a fim de ser instrumento para o país conhecer o campo e planejar seu futuro. Entretanto, junto com os instrumentos digitais de coleta de dados, vieram os erros. Erros grosseiros que levaram o IBGE a adiar a divulgação, inclusive dos resultados preliminares, que foram muito mais dados da produção agrícola e pecuária municipal do que resultados efetivos do Censo 2006.
A análise geral do Censo Agropecuário 2006 revela três questões principais. Pela primeira vez, o IBGE se deu ao trabalho de comparar seus dados àqueles do Incra e mostrar suas diferenças conceituais das unidades estatísticas fundantes: estabelecimentos e imóveis.
O censo apresentou dados relativos ao conjunto do território brasileiro em hectares: área territorial total do país: 851,4 milhões; área total ocupada pelos estabelecimentos: 330 milhões; área total das terras indígenas: 126 milhões; área total das unidades de conservação ambiental: 72,3 milhões; área com corpos d’água: 12 milhões; e área urbanizada: 2,1 milhões. Mas a conta não fechou, ou seja, ficaram sobrando 309 milhões de hectares.
A solução adotada pelos técnicos do IBGE foi denominar esses 36% da superfície do país de "área com outras ocupações". No entanto, se eles incluíram todas as possibilidades de ocupação de fato, ficou faltando as "terras públicas devolutas". É isto mesmo: mais de um terço da área do país está cercada, mas não pertence a quem cercou. Os "proprietários" não têm os documentos legais de propriedade destas terras. Por isso, essas terras são omitidas nos levantamentos estatísticos tanto do IBGE como do Incra.
A segunda questão envolve o volume especial sobre a denominada "agricultura familiar". Essa conceituação tem sua origem no neoliberalismo. Nasceu com a intenção de apagar da memória e da história o conceito de camponês e o campesinato como sujeito social revolucionário do século XX. A função política desse volume é induzir a análise do campo pela lógica neoliberal, que esconde a dimensão dos estabelecimentos e, portanto, os indicativos analíticos da concentrada estrutura fundiária do país. Seu alvo preferencial são os movimentos sócio-territoriais em luta pela terra. Visou assim, retirar o seu mais potente elemento revelador da desigual distribuição da terra no Brasil. Foi transferida para as estatísticas a opção ideológica feita pelo governo atual. Nada contra o estudo em si, pois ele é legitimo. A questão está em torná-lo um volume do Censo 2006.
A terceira questão sinaliza a incômoda destruição gradativa do único instrumento estatístico de série histórica longa, que o país dispõe para conhecer sua realidade agrária. Basta comparar o volume de 2006 com o de 1995/1996, para ver que os técnicos atuais do IBGE sequer zelaram pela herança deixada pelos seus antecessores.
Um censo é um instrumento estatístico, por isso tem que sempre ampliar as possibilidades de desagregação dos dados, e não o contrário. Os técnicos do IBGE trataram de esconder ao máximo possível os dados da estrutura fundiária, particularmente as variáveis por estratos de área total. Ampliaram o que é positivo, a estratificação dos minifúndios, mas zelosamente agregaram os dados dos grandes estabelecimentos escondendo os latifúndios.
Ou seja, os estratos de área maiores chegavam a até 100.000 hectares no censo de 1995/1996. Foi reduzido para 2.500 hectares e mais. Foi uma no cravo e outra na ferradura. Deixaram também de divulgar a produção de vários produtos agrícolas por estrato de área total. Assim, impediram que se pudessem fazer estudos segundo esse critério, que revela o caráter da propriedade privada da terra, exceto se os interessados resolverem comprar os dados.
Sempre dominou no campo brasileiro o princípio da ilegalidade da ocupação das terras públicas pelos latifundiários. São esses 309 milhões de hectares de terras públicas devolutas ou não que somados aos 120 milhões de hectares de terras improdutivas dos grandes imóveis indicadas no primeiro documento do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (2003) que os sem terras não se cansam de denunciar. É por isso que os latifundiários travam combate sem trégua com os sem terras. E a maior parte da mídia acompanha e faz eco, mas os dados demonstram que a história está do outro lado, do lado dos sem terras.
Ariovaldo Umbelino é professor titular de Geografia Agrária da FFLCH-USP