sexta-feira, 31 de julho de 2009

Homenagem a Manuel Marulanda

por James Petras [*]
Pedro Antonio Marín Marín, mais conhecido como Manuel Marulanda Vélez e "Tirofijo", era o líder máximo das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Foi, sem dúvida alguma, o maior camponês revolucionário da história do continente americano. Durante sessenta anos organizou movimentos camponeses e comunidades rurais e, quando todas as vias democráticas legais se lhe fecharam de forma brutal, criou o exército guerrilheiro mais poderoso da América Latina e as milícias clandestinas que o sustentavam. Em sua época de maior apogeu, entre 1999 e 2005, as FARC contavam com quase 20 mil combatentes, várias centenas de milhares de camponeses activistas e centenas de unidades de milícias comunais e urbanas. Inclusive hoje, apesar do deslocamento forçado de três milhões de camponeses como resultado das políticas de terra arrasada e os massacres do governo, as FARC têm entre 10 a 15 mil guerrilheiros em suas numerosas frentes, distribuídas por todo o país. O que faz tão importantes as conquistas de Marulanda são suas habilidades organizativas, sua agudeza estratégica e suas intransigentes posições programáticas, baseadas no apoio às exigências populares. Mais que qualquer outro líder guerrilheiro, Marulanda tinha uma compenetração sem par com os pobres das zonas campesinas, os sem-terra, os cultivadores pobres e os refugiados rurais durante três gerações. Após começar, em 1964, com dúzias de camponeses que haviam fugido de povoados devastados por uma ofensiva militar dirigida pelos EUA, Marulanda construiu metodicamente um exército guerrilheiro revolucionário sem contribuições económicas ou materiais estrangeiras. Mais que qualquer outro líder guerrilheiro, Marulanda foi um grande mestre político rural. Os extraordinários dotes organizativos de Marulanda se foram refinando através de sua íntima vinculação com o campesinato. Como havia crescido numa família de camponeses pobres, viveu entre eles cultivando e organizando-os: falava sua mesma linguagem, se ocupava de suas necessidades diárias mais básicas e de suas esperanças de futuro. De maneira conceptual, porém também através da experiência quotidiana, Marulanda realizou uma série de operações políticas e militares estratégicas baseadas em seu brilhante conhecimento do terreno geográfico e humano. Desde 1964 até sua morte, Marulanda derrotou ou escapou de, ao menos, sete importantes ofensivas militares financiadas com mais de sete mil milhões de dólares de ajuda militar americana, que incluía milhares de "boinas verdes", corpos especiais, mercenários, mais de 250 mil militares colombianos e 35 mil paramilitares integrados em esquadrões da morte. Diferentemente de Cuba ou Nicarágua, Marulanda construiu uma base de massa organizada e treinou uma direcção, em grande parte, rural; declarou abertamente seu programa socialista e nunca recebeu apoio político ou material dos denominados "capitalistas progressistas". Ao contrário dos corruptos e ambiciosos gangsters de Batista e Somoza, que saqueavam e se retiravam sob pressão, o exército da Colômbia era um formidável aparelho repressor, altamente treinado e disciplinado, reforçado, ademais, por homicidas esquadrões da morte. Ao contrário de outros famosos guerrilheiros "de posters", Marulanda foi um autêntico desconhecido entre os elegantes editores esquerdistas de Londres, os nostálgicos sessenta-e-oitistas parisienses e os socialistas eruditos de Nova York. Marulanda passou seu tempo exclusivamente na "Colômbia profunda"; preferia conversar e ensinar aos camponeses e inteirar-se de suas queixas a conceder entrevistas a jornalistas ocidentais ávidos de aventura. Ao invés de escrever manifestos grandiloquentes e adoptar poses fotogénicas, preferia a pedagogia popular dos deserdados, estável e pouco romântica, porém sumamente eficaz. Marulanda viajou desde vales e cordilheiras praticamente inacessíveis a selvas a planícies, sempre a organizar, lutar, recrutar e treinar novos líderes. Evitou apresentar-se nos "fóruns de debate do mundo" ou seguir a rota dos turistas esquerdistas internacionais. Nunca visitou uma capital estrangeira e contam que jamais pôs os pés em Bogotá, a capital da nação. Porém, tinha um amplo e profundo conhecimento das exigências dos afro-colombianos da costa; dos indo-colombianos das montanhas e da selva; da fome de terra de milhões de camponeses deslocados; dos nomes e endereços dos latifundiários que brutalizavam e violavam os camponeses e seus familiares. Durante as décadas dos 60, 70 e 80, numerosos movimentos guerrilheiros se levantaram em armas, lutaram com maior ou menor capacidade e logo desapareceram assassinados, derrotados (alguns, inclusive, se converteram em colaboradores) ou se integraram nas partilhas e re-partilhas eleitorais. Pouco numerosos, lutavam em nome de inexistentes "exércitos populares"; a maioria era de intelectuais, mais familiarizados com os discursos europeus que com a micro história, a cultura popular e as lendas dos povos aos quais tratavam de organizar. Foram isolados, cercados e arrasados; deixaram, talvez, uma herança bem divulgada de sacrifício exemplar, porém não mudaram nada sobre o terreno. Pelo contrário, Marulanda encaixou os melhores golpes dos presidentes contra-insurgentes de Washington e Bogotá e os devolveu em 100%. Por cada povoado arrasado, Marulanda recrutava dúzias de camponeses lutadores, enfurecidos e desamparados e treinava-os com suma paciência para que fossem quadros e comandantes. Mais que simples exército guerrilheiro, as FARC chegaram a ser um exército de todo o povo: um terço dos comandantes eram mulheres, mais de setenta por cento eram camponeses, se bem que se associaram intelectuais e profissionais, que foram treinados por quadros do movimento. Marulanda foi um homem venerado por seu estilo de vida excepcionalmente simples: compartilhou a chuva torrencial sob cobertas de plástico. Milhões de camponeses o respeitavam profundamente, porém nunca praticou o culto à personalidade: era demasiado irreverente e modesto, preferia delegar as tarefas importantes a uma direcção colectiva, com muita autonomia regional e flexibilidade táctica. Aceitou um amplo leque de opiniões sobre tácticas, mesmo quando discordava profundamente delas. Em princípios dos 80, muitos quadros e líderes decidiram testar a via eleitoral, firmaram um "acordo de paz" com o presidente colombiano, criaram um partido – a União Patriótica – e fizeram eleger a numerosos presidentes de municipalidades e deputados. Obtiveram mesmo numerosos votos nas eleições presidenciais. Marulanda não se opôs publicamente ao acordo, porém não abandonou as armas nem "baixou desde as montanhas às cidades". Muito mais lúcido que os profissionais e os sindicalistas que se postulavam nas eleições, Marulanda compreendia o carácter extremamente autoritário e brutal da oligarquia e seus políticos. Sabia que os governantes da Colômbia não aceitariam nunca uma reforma agrária justa só porque uns "poucos camponeses analfabetos os derrotarem nas urnas". Em 1987, mais de 5.000 membros da União Patriótica haviam sido assassinados pelos esquadrões da morte da oligarquia, entre eles três candidatos à presidência, uma dúzia de congressistas e mulheres e alcaides e vereadores. Os sobreviventes fugiram para a selva, reincorporaram-se à luta armada ou marcharam para o exílio. Marulanda era um mestre na hora de romper os cercos e evitar as campanhas de aniquilação, sobretudo as que elaboraram os melhores e mais brilhantes estrategistas do centro de contra-insurgência dos Corpos Especiais do US Fort Bragg e da Escola das Américas. Em fins dos 90, as FARC haviam ampliado seu controle a mais da metade do país, bloqueavam auto-estradas e atacavam bases militares situadas a apenas 65 quilómetros da capital. Muito debilitado, o então presidente Pastraña terminou por aceitar negociações sérias de paz, nas quais as FARC exigiram uma zona desmilitarizada e um programa que incluía mudanças estruturais básicas no Estado, na economia e na sociedade. Ao contrário das guerrilhas centro-americanas, que trocaram as armas por cargos eleitorais, antes de depor as suas Marulanda insistiu na redistribuição da terra, no desmantelamento dos esquadrões da morte, na destituição dos generais colombianos implicados nos massacres, numa economia mista baseada em boa medida na nacionalização dos sectores económicos estratégicos e no financiamento em grande escala dos camponeses para o desenvolvimento de colheitas alternativas à coca. Em Washington, o presidente Clinton assistia histérico àquele espectáculo e opôs-se às negociações de paz, em especial ao programa de reformas, assim como aos debates públicos abertos e aos foros de debate organizados pelas FARC na zona desmilitarizada, aos quais assistiam numerosos membros da sociedade civil colombiana. A aceitação, por parte de Marulanda, do debate democrático, da desmilitarização e das mudanças estruturais desmascaram a mentira dos social-democratas ocidentais e latino-americanos e dos universitários de centro-esquerda que o acusaram de "militarista". Washington tratou de repetir o processo de paz centro-americano enganando os chefes das FARC com a promessa de cargos eleitorais e privilégios — desde que vendessem os camponeses e os colombianos pobres. Ao mesmo tempo, Clinton, com o apoio dos dois partidos do Congresso, fez aprovar um projecto de lei de apropriação de dois mil milhões de dólares para financiar o maior e mais sangrento programa de contra-insurgência desde a guerra da Indochina, denominado "Plano Colômbia". O presidente Pastraña deu por terminado, de forma abrupta, o processo de paz e enviou soldados à zona desmilitarizada a fim de que capturassem a direcção das FARC. Porém, quando estes chegaram, Marulanda e seus companheiros já se haviam ido. Desde 2002 até agora, as FARC têm alternado os ataques ofensivos e as retiradas defensivas, em especial desde finais de 2006. Com um financiamento sem precedentes e um apoio tecnológico ultramoderno dos EUA, o novo presidente Álvaro Uribe – sócio de narcotraficantes e organizador de esquadrões da morte – adoptou uma política de terra queimada para enfurecer-se com o campo colombiano. Entre sua eleição em 2002 e sua reeleição em 2006, mais de 15 mil camponeses, sindicalistas, activistas de direitos humanos, jornalistas e outros críticos foram assassinados. Regiões inteiras do campo foram esvaziadas: da mesma maneira que na Operação Fénix americana no Vietname, a terra de cultivo foi contaminada com herbicidas tóxicos. Mais de 250 mil soldados e seus amigos paramilitares dos esquadrões da morte dizimaram amplas zonas do campo colombiano controladas pelas FARC. Helicópteros proporcionados por Washington bombardearam a selva em missões de busca e destruição (que nada tinham a ver com a produção de coca ou com o envio de cocaína para os EUA). Ao destruir toda a oposição popular e as organizações camponesas e ao deslocar milhões de colombianos, Uribe logrou empurrar as FARC para regiões mais remotas. Assim como havia feito no passado, Marulanda assumiu uma estratégia de retirada táctica defensiva, abandonando território para proteger a capacidade de luta dos guerrilheiros no futuro. A contrário de outros movimentos guerrilheiros, as FARC não receberam nenhum apoio material do exterior: Fidel Castro repudiou publicamente a luta armada e buscou laços diplomáticos e comerciais com governos de centro-esquerda, inclusive melhores relações com o brutal Uribe. Depois de 2001, a Casa Branca de Bush rotulou as FARC de "organização terrorista", pressionando Equador e Venezuela para que restringissem os movimentos fronteiriços das FARC em busca de abastecimentos. O "centro-direita" da Colômbia dividiu-se entre os que prestavam um "apoio crítico" à guerra total de Uribe contra as FARC e os que protestavam infrutiferamente contra a repressão. É difícil imaginar que um movimento guerrilheiro possa sobreviver frente a um financiamento tão maciço da contra-insurgência, um 250 mil soldados armados pelo império, milhões de deslocados de suas terras e um presidente psicopata vinculado directamente a uma cadeia de esquadrões da morte com 35 mil membros. No entanto, sereno e resoluto, Marulanda dirigiu a retirada táctica; a ideia de negociar uma capitulação nunca lhe passou pela cabeça, nem a ele nem à direcção das FARC. As FARC não têm fronteira contígua com um país que as apoie, como o Vietname com a China; tampouco goza, como o Vietname, do fornecimento de armas da URSS e do apoio maciço internacional de grupos ocidentais de solidariedade, como os sandinistas. Vivemos numa época em que apoiar os movimentos camponeses de libertação nacional não está "na moda"; em que reconhecer que o génio de líderes camponeses revolucionários que constroem e mantêm a autêntica massa dos exércitos populares é tabu nos pretensiosos, loquazes e impotentes Fóruns Sociais Mundiais, cujo "mundo" exclui regularmente os camponeses militantes e para os quais "social" significa o constante intercâmbio de mensagens electrónicas entre fundações financiadas por ONGs. É neste ambiente tão pouco promissor frente às pírricas vitórias dos presidentes dos EUA e da Colômbia que podemos apreciar o génio político e a integridade pessoal de Manuel Marulanda, o maior camponês revolucionário da América Latina. Sua morte não gerará cartazes ou t-shirts para estudantes universitários de classe média, porém viverá eternamente nos corações e nas mentes de milhões de camponeses da Colômbia. Se recordará dele sempre como "Tirofijo", um ser legendário ao qual mataram uma dúzia de vezes e, apesar disso, regressou aos povos para compartilhar com os camponeses suas vidas simples. Tirofijo foi o único líder que era realmente "um deles", que durante meio século enfrentou o aparato militar e mercenário ianque e nunca foi capturado ou derrotado. Os desafiou a todos em suas mansões, seus palácios presidenciais, suas bases militares, suas câmaras de tortura e suas burguesas salas de redacção. Morreu de morte natural, depois de sessenta anos de luta, nos braços de seus queridos companheiros camponeses.

Tirofijo presente!

[*] Sociólogo, nasceu em Boston em 1937. Publicou mais de 60 livros de economia política e quatro colecções de contos. A versão em castelhano encontra-se em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=67973
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

O presidente Chávez e as FARC: Estado e revolução

por James Petras
Quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pediu às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que abandonassem a luta armada e declarou que "a guerra de guerrilhas passou à história" seguia o rumo adoptado no passado por muitos líderes revolucionários. Se remontarmos ao princípio da década de 1920, Lenine instou o nascente comunismo turco a sacrificar a sua independência revolucionária para apoiar Ataturk. Seu sucessor, Iósif Staline, animou os comunistas chineses a subordinar seu movimento revolucionário ao partido nacionalista liderado por Chiang Kai-shek. Mao Zedong deu prioridade às coligações nas quais o Partido Comunista da Indonésia submetia-se à liderança do dirigente nacionalista, o general Achmed Sukarno. Durante os acordos de paz franco-indochineses de Genebra, em 1954, Ho Chi Minh aceitou a divisão do país e instou os comunistas do Vietname do Sul a que pusessem fim à guerra de guerrilhas e trabalhassem pela unificação do país por meios eleitorais. No novo milénio, Fidel Castro declarou que "a luta armada é uma coisa do passado" e que, nas condições actuais, há outras formas de luta prioritárias. Hugo Chávez pediu muitas vezes à esquerda brasileira que apoiasse o regime social liberal do presidente Lula da Silva, apesar da sua adopção da economia de livre mercado no Fórum Social Mundial de 2002. Também conclamou os movimentos sociais latino-americanos a que apoiassem uma série de regimes pró capitalistas na América Latina, apesar da sua defesa do investimento estrangeiro, dos banqueiros e dos agro exportadores. Estas experiências de governos revolucionários, ditos radicais, que exortam seus colegas ideológicos a colaborar com regimes não revolucionários e a abandonar a luta, geralmente tiveram consequências desastrosas: o Kuomintang de Chiank Kai-shek traiu o Partido Comunista, massacrou a maioria dos seus trabalhadores e empurrou-os para as montanhas do interior. À vista de todos, os comunistas indonésios legais e seus simpatizantes e famílias sofreram de 500 mil a um milhão de mortes quando um golpe da CIA derrubou Sukarno. Os comunistas do Vietname do Sul que pretenderam participar na política eleitoral foram assassinados ou encarcerados e, em última instância, os que sobreviveram viram-se obrigados a voltar à luta guerrilheira clandestina. Os regimes eleitorais reformistas que chegaram ao poder na América Latina resgataram o capitalismo da crise dos anos noventa, desmobilizaram a esquerda e abriram as portas ao ressurgimento da direita dura em quase todo o continente. No caso da Colômbia, aparentemente, a Venezuela do presidente Chávez optou por ignorar a experiência anterior das FARC na sua tentativa de trocar a luta armada pela política eleitoral. Entre 1984 e 1989, milhares de guerrilheiros das FARC abandonaram as armas e aderiram à luta eleitoral. Os candidatos que foram eleitos congressistas, homens e mulheres, foram dizimados pelos esquadrões da morte do exército colombiano, pelos paramilitares e pelos exércitos privados da oligarquia. Assassinaram mais de 5000 líderes e militantes das FARC. Não é realmente surpreendente que Chávez os exorte a aderirem ao processo eleitoral colombiano, o regime mais sangrento e o violador mais feroz dos direitos humanos da história recente? Então, por que os líderes radicais que lideraram lutas armadas, uma vez acomodados nos seus gabinetes, pedem aos seus homólogos revolucionários que abandonem a guerra de guerrilhas e participem em processos eleitorais nos quais têm possibilidade tão duvidosas? Já se deram várias explicações em diferentes momentos para explicar o que surge como uma viragem (U-turn) política. A explicação moral Alguns críticos da viragem explicam a mudança devido a uma "degeneração moral": os líderes convertem-se em autocratas burocráticos e procuram apenas consolidar-se no poder nos seus próprios países. Esta é a posição comum adoptada pela esquerda, a oposição à políticas de Staline no que se refere à política russa em relação à revolução chinesa. Os defensores da viragem na China afirmaram que se tratava do reconhecimento dos "novos tempos" e das "oportunidades objectivas" à escala mundial, e argumentavam que o surgimento da revolução anti-colonial mundial após a Segunda Guerra Mundial criou uma simetria de objectivos entre nacionalistas e comunistas que com o tempo evoluiria rumo a um Estado não capitalista. Essas frágeis alianças conduziram à divisão do regime e a que surgissem regimes de "homens fortes" da extrema direita, o que sugere que este argumento tinha uma duração limitada. Apareceram, e ainda continuam a aparecer, numerosas variações das explicações da política da viragem, mas qualquer explicação histórica estrutural tem de contar com a diferença entre um movimento revolucionário a caminho do poder e uma liderança revolucionária que já o tem. No segundo caso, o Estado revolucionário geralmente tem de lidar com um ambiente hostil, pressões militares e intervenções, boicotes económicos e isolamento diplomático dos Estados imperialistas e seus clientes. Neste contexto, o regime revolucionário radical tem uma série de opções políticas para melhorar o seu posicionamento internacional, que vão desde o apoio declarado aos movimentos de oposição radicais estrangeiros até tentativas de mostrar moderação, conciliação e acomodação dos assuntos imperiais. Há muitos factores que influem na política externa dos regimes revolucionários. É provável que se aplique uma política revolucionária nos seguintes casos: 1) Os movimentos revolucionários estão em expansão e auguram um êxito rápido, ou seja, derrubar clientes pró imperialistas ou em por em andamento um governo progressivamente favorável. 2) O regime revolucionário chegou ao poder, enfrenta uma ameaça militar iminente para a sua consolidação e o resultado será "tudo ou nada". 3) O regime revolucionário enfrenta um sólido bloco de oposição intransigente dirigido por potências imperialistas que não mostram nenhuma vontade de negociar um acordo de convivência nem estão dispostas a assumir nenhum compromisso. Pelo contrário, os regimes revolucionários são mais propensos a renunciar ou minimizar os vínculos com movimentos revolucionários estrangeiros no caso de: 1) Não serem definitivas as possibilidades de manter relações diplomáticas e comerciais, bem como intercâmbios e investimentos, com os regimes capitalistas. 2) Os movimentos radicais estão em declínio e perdem seus apoios ou são eclipsados pelos partidos eleitorais que prometem o reconhecimento e melhores relações. 3) As mudanças sócio económicas dentro do Estado revolucionário evoluem em direcção a uma acomodação com investidores locais ou estrangeiros emergentes cujo futuro crescimento depende da associação com as elites empresariais estrangeiras e uma dissociação da forças anti capitalistas radicais. Na prática, em diferentes tempos e lugares, as duas posições polares combinam-se de acordo com uma série de circunstâncias atenuantes. Exemplo: o regime revolucionário pode buscar uma posição de acomodação com grandes regimes capitalistas economicamente importantes, enquanto continua a apoiar movimentos revolucionários em países capitalistas mais pequenos e menos significativos. Em outros casos, o regime revolucionário pode dissociar-se dos movimentos revolucionários para diversificar seus mercados e intercâmbios e, ao mesmo tempo, continuar a exprimir uma "retórica revolucionária" para consumo interno e para manter as lealdades dos movimentos reformistas do estrangeiro. A política externa, revolucionária ou não, é uma prerrogativa do corpo diplomático, que costuma dispor de muitos profissionais que não têm uma posição revolucionária e são remanescentes de tempos pré revolucionários. Sua forma de entender a política externa é recorrer às ligações e relações anteriores com seus homólogos dos países capitalistas e com as elites empresariais do seu país. Portanto, em geral, estão em constante "estado de negociação", imunes às dinâmicas revolucionárias internas e procuram aumentar ao máximo os laços diplomáticos e reduzir ao mínimo as ligações externas com movimentos revolucionários que comprometem suas relações quotidianas com os seus homólogos estrangeiros. Governo e partidos: A solidariedade e os "interesses de Estado" É possível imaginar uma situação na qual um governo revolucionário execute uma política moderada de acomodação, ao passo que o partido, partidos ou movimentos revolucionários que apoiam o governo exprimem a sua solidariedade com partidos e movimentos revolucionários do estrangeiro. Isto supõe que o Estado e o partido apoiam-se mutuamente mas são independentes quanto à política e à organização. Esta dualidade é possível se o partido decide as suas políticas através dos seus próprios fóruns de deliberação, consultando os seus membros, e não é uma "correia de transmissão" do Estado e do seu poder executivo. Por desgraça, na imensa maioria dos casos, o Estado e o partido tendem a fundir-se, os líderes do partido e dos movimentos sociais de massas tomam posições no governo, os movimentos perdem a sua autonomia e convertem-se em mecanismos para implementar as políticas estatais. Assim, as manobras diplomáticas do Ministério de Negócios Estrangeiros invalidam os princípios de solidariedade revolucionária do partido e dos movimentos, reduzindo-os a uma retórica abstracta intranscendente. Enquanto o Estado pós revolucionário tem a responsabilidade quotidiana de velar pela segurança, o emprego e o abastecimento necessário ao povo e, portanto, encontrar formas de lidar com os regimes existentes para consegui-lo, os partidos e movimentos revolucionários têm como um dos seus principais objectivos o aprofundamento e a extensão das mudanças revolucionárias contidas nos seus programas. Por outras palavras, há uma tensão inevitável entre as "razões de Estado" e o "programa revolucionário" dos movimentos de massas. Com a consolidação dos Estado pós revolucionário, a tendência que predomina na classe governante é estabilizar as relações exteriores. Isto inclui dois processos: limitar o partido revolucionário a um apoio moral aos seus homólogos externos, e sua desvinculação em relação aos movimentos revolucionários estrangeiros. A retórica revolucionária, radical e internacional continuará a ser um ritual nos aniversários de vitórias históricas, heróis revolucionários e denúncias contra os agressores imperialistas imediatos, enquanto se firmam todo tipo de acordos com os regimes capitalistas. Quando os países capitalistas estabelecem acordos diplomáticos, económicos ou políticos com um regime revolucionário, este qualifica os seus novos sócios como "progressistas" que fazem parte de uma nova onda de governo "anti imperialistas" ou "independentes". O mais notável destas novas definições dos sócios capitalistas, económicos ou diplomáticos é que não se baseiam em nenhuma mudança estrutural, de propriedade ou de classe, nem sequer em qualquer tipo de ruptura de relações com os países imperialistas. A mudança da etiqueta política produz-se quase exclusivamente em resultado da política externa do país com o regime revolucionário. Venezuela: o paradoxo das mudanças revolucionárias e a política externa conservadora O governo de Chávez segue uma política praticada pela grande maioria dos líderes revolucionários ou radicais anteriores que enfrentaram potências imperialistas hostis, adoptando políticas sócio económicas radicais para debilitar os aliados internos do império, enquanto busca aliados diplomáticos externos entre regimes capitalistas reformistas e até conservadores. Chávez apoiou o regime neoliberal de Lula no Brasil (e exortou os movimentos sociais a fazerem o mesmo), inclusive quando o ex líder sindical rebaixou drasticamente as pensões dos funcionários públicos, impôs um pacto de estabilidade do FMI e favoreceu os agro exportadores e de minerais ao invés dos trabalhadores rurais sem terra. Chávez também apoiou economicamente o regime de Kirchner na Argentina por meio da compra de títulos do Estado, inclusive quando o referido regime se negou a impugnar as privatizações ilegais da década de 90, mantém as desigualdades económicas do passado e negou-se a reconhecer legalmente a Confederação sindical independente dos trabalhadores argentinos (CTA). Para Chávez, o factor chave era a oposição da Argentina a uma intervenção estado-unidense contra a Venezuela e a recusa a integrar-se no ALCA, promovido pelos EUA. A política externa de Chávez em relação à Colômbia, principal aliado político e militar dos EUA na região, alternou a reconciliação e a recusa conforme as ameaças imediatas à soberania venezuelana. Os pontos de conflito giram em torno de várias intervenções flagrantes da Colômbia na Venezuela: em 2006, o exército colombiano sequestrou no centro de Caracas um cidadão venezuelano de origem colombiana, representante das relações exteriores das FARC. Anteriormente, o exército colombiano detivera 130 membros de forças paramilitares armadas colombianas na Venezuela, a menos de 100 km da capital. Após a detenção a Venezuela suspendeu brevemente as relações económicas, mas renovaram-se pouco após numa reunião amistosa após um encontro diplomático entre o presidente dos esquadrões da morte colombianos, Uribe e Chávez. Depois, em 2008, quando Chávez tentou mediar numa libertação de preços e abrir negociações de paz entre as FARC e o regime de Uribe, este lançou um ataque militar assassino contra o grupo negociador das FARC estabelecido na fronteira do Equador. Frente à ofensa de Uribe e sua violação da soberania equatoriana na perseguição da guerrilha, Chávez viu-se obrigado a denunciar Uribe, mobilizar o exército venezuelano e apresentar a questão perante a Organização dos Estados Americanos. Uribe lançou uma ofensiva diplomática argumentando que um computador da guerrilha, conseguido durante o ataque, continha provas do relacionamento de Chávez com as FARC. Posteriormente, Uribe e Chávez negociaram um acordo temporário na base de um entendimento mínimo, pelo qual Uribe abster-se-á de futuros ataques militares transfronteiriços. Neste contexto de espadas desembainhadas e tensões diplomáticas, Chávez optou por denunciar publicamente as FARC, por uma distância entre o seu governo e a esquerda revolucionária e pedir o seu desarmamento unilateral para ganhar a simpatia diplomática da Colômbia, Europa e Estados Unidos. Claramente, Chávez acreditou que poderia apaziguar Uribe para baixar as ameaças às fronteiras da Venezuela e reduzir as probabilidades de que a Colômbia concedesse aos EUA a utilização do seu território transfronteiriço como base de lançamento para uma invasão. A decisão de Chávez foi profundamente influenciada pelo enfraquecimento político e militar das FARC nos últimos cinco anos, pelo avanço do exército colombiano e pelo cálculo de que a eficácia das FARC como contrapeso a Uribe estava em queda. Neste contexto, Chávez provavelmente considerou mais importante a distensão diplomática com a Colômbia apoiada pelos EUA do que qualquer solidariedade passada ou uma futura recuperação táctica das FARC. Em termos gerais, quando os governos revolucionários percebem ou enfrentam uma situação de enfraquecimento, movimentos revolucionários derrotados no exterior e ameaças crescentes das potências imperialistas e dos seus satélites, é mais provável que construam pontes diplomáticas com regimes centristas ou de direita. Para conseguir o apoio diplomático, a medida mais natural para construir a confiança é sacrificar qualquer identificação com a esquerda radical, incluindo o repúdio público a qualquer iniciativa extra parlamentar. Desde as crises económicas dos anos noventa, Cuba estabeleceu estreitas relações económicas e diplomáticas com todos os Estados da América Latina (inclusive a Colômbia), opôs-se a todos os movimentos de guerrilhas e renunciou a criticar os regimes de centro direita, excepto os que a atacam publicamente como sucedeu com clientes dos EUA como ex presidente Fox do México e seu ex ministro de Negócios Estrangeiros Jorge Castañeda, um reconhecido porta-voz da CIA e do exílio cubano em Miami. Conclusão Os dilemas dos governos revolucionários giram em torno do problema de administrar o Estado, o que implica maximizar as relações económicas e diplomáticas internacionais para desenvolver a economia e defender sua segurança numa ordem mundial imperialista, enquanto vive em concordância com a sua ideologia revolucionária e solidariedade com os movimentos populares no mundo capitalista. Os riscos da solidariedade diminuem quando novos regimes de esquerda chegam ao poder ou ascendem os movimentos populares. Os riscos são maiores quando ressurge e ascende a direita. O dilema é muito agudo, porque o Estado revolucionário e o partido revolucionário estão intimamente ligados e assim se identificam: o partido é dirigido pelo presidente do Estado e há coincidências a todos os níveis entre os oficiais e os membros do governo e do partido, assim como as actividades dos últimos reflectem as prioridades do governo. Nos casos onde não há um espaço independente entre o Estado e o partido, os movimentos diplomáticos necessários para as políticas do dia a dia minam a possibilidade de que o partido (baseado nos seus princípios e deliberações internas) possa actuar independentemente em apoio aos seus homólogos internacionais. Pelo contrário, a existência de um partido revolucionário independente, que apoia o Estado mas tem a sua própria vida interna, poderia resolver o dilema ao dar prioridade à solidariedade de classe na sua "política externa". Ao recusar o papel de correia de transmissão da política externa do governo, o partido revolucionário actuaria em paralelo ao Estado, exercendo a sua oposição ao imperialismo e aos inimigos de classe internos, mas seria independente na hora de escolher alianças estrangeiras e tácticas. Dada a diferente composição da burocracia e dos corpos diplomáticos da política externa e a da base de massas radical do partido revolucionário, esta separação de Estado e movimentos reflectiria as diferenças políticas e de classes inerentes entre um corpo diplomático formado sob regimes reaccionários anteriores e acostumado a modos operativos convencionais e os activistas populares radicalizados, forjados na luta de classes e habituados a trocar ideias em fóruns internacionais com revolucionários do exterior. Os riscos de dependência diplomática de aliados capitalistas pouco fiáveis e as frágeis acomodações temporárias mais arriscadas têm que se equilibrar com os ganhos da solidariedade e o apoio de partidos e movimentos de massa na oposição comprometidos em políticas extra parlamentares.
09/Julho/2008

O original encontra-se em www.pcv-venezuela.org/index.php?option=com_content&task=view&id=3034&Itemid=49
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O problema não está só na crise, está no capitalismo!

por PCB [*]
Eleito em meio à maior crise vivida pelo capitalismo desde a década de 1930, crise que explodiu no coração do sistema – os Estados Unidos, Barack Obama criou expectativas por ter se apresentado como alternativa à política mais abertamente belicista de Bush. Dentro da estratégia de se anunciar como a face mais branda do capitalismo, promete mudança no padrão de vida das camadas médias americanas, defende os direitos das minorias de seu país e monta uma agenda mundial em que temas como o protocolo de Kyoto são incluídos. Mas a atual política externa norte-americana, apesar de aparente mudança de estilo, não sofreu qualquer mudança de fundo em relação aos seus objetivos fundamentais: manter viva a ação imperialista em favor da expansão do capital em todo o mundo. Como a guerra sempre se apresenta como opção lucrativa do capital em momentos de crise, o exército americano aumentou seus efetivos no Afeganistão e não saiu do Iraque. O petróleo iraquiano segue sendo leiloado, assim como continuam os investimentos altamente lucrativos da reconstrução do país, levada a cabo, em grande medida, por empresas americanas. Sem ameaças diretas de intervenção militar ou à formação de governos ditatoriais, como no passado recente, o governo dos EUA, por baixo dos panos, apoiou o golpe civil em Honduras gerado pelas oligarquias locais para impedir que o governo Zelaya avançasse em sua trajetória de mobilização e de reformas populares. Enquanto Obama condenava o golpe de Estado em Honduras, o verdadeiro governo dos EUA, formado pela CIA, pelos grupos militares e pelas grandes empresas, atuava (e continua atuando) no sentido de favorecer a manutenção dos golpistas no poder, como uma medida contrária à formação de novos governos populares na América Latina, conforme propaga a grande mídia norte-americana, preocupada com uma possível expansão de experiências políticas semelhantes às da Venezuela e da Bolívia na América Central. A pressão popular local, articulada à solidariedade internacional e à oposição dos países europeus, da OEA e da ONU, entretanto, pode até fazer com que Zelaya retome a presidência e o movimento popular saia fortalecido, tendo em vista a continuidade dos protestos diários em favor do presidente deposto. No Irã, as demandas internas por direitos civis também foram insufladas pelos EUA, via CIA, para tentar derrubar o governo antiamericano e anti-Israel de Ahmadinejad. Não se trata de fazer a defesa do regime teocrático e autoritário iraniano, mas de denunciar com vigor a ação imperialista na região, cujos movimentos indicam a possibilidade de uma nova intervenção militar, sendo o Irã a “bola da vez”. A crise econômica atual, cujas origens remontam à década de 1990, é mais uma crise de acumulação de capital e de superprodução, que levou à farra da especulação financeira, em função do alto grau de competição na economia mundial e da irreversível tendência à queda da taxa de lucro das empresas. Como um dos fatores centrais para a explosão da crise, o governo Bush manteve a dependência da economia americana frente à indústria bélica, permitindo a pulverização e o enfraquecimento dos outros setores industriais. Com o esgotamento das práticas da chamada reestruturação produtiva, as grandes empresas, em todo o mundo, ficaram sem mercados para a realização da produção e sem um novo móvel de acumulação de capital. A crise apresenta sinais contraditórios em seu curso. O mercado mundial continua em baixa e, nos EUA e na Europa, o desemprego mantém-se extremamente elevado. Ainda há muitas empresas de grande porte operando no limite de sua sobrevivência e muitos títulos “podres” em circulação, apesar da grande quantidade de capital fictício que já foi torrado desde o começo da crise, jogando fora dinheiro sem valor. O efeito combinado de novas quebras de empresas e de novos “estouros” de títulos pode levar a um agravamento da crise, com sérias consequências sociais. Há que ter em conta, entretanto, que a crise econômica não desencadeia, de forma automática, a crise política capaz de mobilizar as massas na direção de uma saída revolucionária em alternativa ao capitalismo. Mais ainda, entre as possíveis saídas políticas para a crise está o fascismo, combinando o poder dos grandes grupos, a repressão aos movimentos organizados e a distribuição de gêneros básicos para as massas desempregadas. As soluções ditadas pelo mercado, como as fusões e incorporações de empresas, a ação dos bancos centrais e dos governos, baixando as taxas de juros, assumindo o controle de bancos e empresas industriais e lançando medidas de estímulo ao consumo parecem surtir algum efeito no curto prazo. Mas tais soluções, na tentativa desesperada de salvar o capitalismo, só fazem adiar o enfrentamento de questões cruciais para o futuro da humanidade. A manutenção dos atuais níveis de consumo, dada a iminência da exaustão das reservas de minerais estratégicos, de petróleo e outros recursos, e a voracidade da produção de mercadorias, gerada pela natureza do sistema capitalista, nos levarão para a barbárie e para a destruição da espécie humana. O enfrentamento da crise vem sendo puxado pelos governos de direita e centro-direita, que, sem alternativas, combinam políticas de maior presença do Estado na economia e de apoio aos capitais. Os partidos comunistas em todo o mundo e mesmo os segmentos da “onda rosa” (sociais-liberais, trabalhistas, peronistas, socialistas e outros) têm tido dificuldades para fazer o contraponto através de propostas alternativas para a superação da crise, não havendo, ainda, o protagonismo desejado por parte das esquerdas. Muitas das dificuldades encontradas para a organização dos trabalhadores devem-se à manutenção das políticas construídas pelos governos neoliberais nos últimos anos e pela fragmentação da classe trabalhadora, em virtude dos métodos de reestruturação produtiva e da pulverização das unidades fabris, que levaram, inclusive, à diminuição da resistência operária no local de trabalho. A formação de um grande contingente de assalariados “excluídos” do mercado formal de trabalho (como terceirizados, contratados de forma temporária e precária), assim como a difusão da ideologia da colaboração, do empregado “associado” e do “empreendedor” são mecanismos de diluição e paralisia da classe trabalhadora, que funcionam em proveito da dominação burguesa. No Brasil, a burguesia continua a se aproveitar da crise para consolidar sua posição no mercado globalizado, fortalecendo os grandes grupos econômicos e o seu domínio político sobre o país, para o que conta com vários nichos importantes da produção, como a Petrobras, a Embraer, a Vale do Rio Doce, as empresas de manufaturados em geral e de produtos de alta tecnologia, como robôs industriais. Conta ainda com um sistema financeiro consolidado, com empreiteiras de atuação multinacional, com mercados importadores cativos e um mercado interno autossustentado. Mas a crise atingiu em cheio o setor empresarial voltado às exportações, dada a retração dos mercados importadores. Com isso, a indústria de produtos manufaturados sofre com o déficit comercial: no primeiro semestre deste ano, por exemplo, o saldo da indústria mecânica foi negativo em cerca de 6 bilhões de dólares. A saída encontrada pela burguesia brasileira foi forçar as demissões em massa ou a redução de jornada com diminuição de salários, para, em seguida, voltar a contratar pagando salários rebaixados. O governo Lula deu continuidade ao processo de acumulação de capital nos moldes neoliberais, mantém intocado o compromisso do superávit primário e estimula a negociação direta entre patrões e empregados – numa correlação de forças desfavorável para estes - para facilitar o avanço da precarização das condições de trabalho nas empresas. Adota, simultaneamente, políticas neokeynesianas tímidas – como o PAC – e permite a “liberação das amarras” para a maior circulação do capital, favorecendo o aumento dos investimentos estrangeiros no Brasil. Aplica ainda uma política de redução de impostos, fazendo cair a arrecadação e crescer, momentaneamente, o consumo, armando uma bomba relógio para as contas públicas, o que poderá desencadear séria crise mais adiante. As ações do governo e da oposição vêm pautando-se pelo calendário eleitoral. As frações da classe dominante e suas representações partidárias anunciam a disputa em torno do aparelho de Estado e escancaram o mar de lama da política burguesa: no centro, o confronto entre PT e PSDB, permeado pela aliança rebaixada do primeiro com o PMDB, projetos políticos que não se diferem, substancialmente, no que tange aos aspectos estruturais e ideológicos. Os dois blocos brigarão pelo domínio da máquina estatal e para fazer avançar, cada qual a seu modo, o capitalismo no Brasil. Para assegurar o escorregadio apoio do PMDB à sua candidata em 2010, Lula é refém do PMDB, que o chantageia com exigências de mais cargos, eleição de governadores da legenda e blindagem política de Sarney e outros caciques envolvidos em corrupção e aparelhamento do estado. Nós, comunistas, seguiremos na denúncia das causas profundas da crise e da lógica imposta pelo capitalismo: a lógica da competição, do individualismo exacerbado e da produção voltada para o lucro, a qualquer preço, mesmo que isso signifique a destruição ambiental e mais ataques do capital aos direitos dos trabalhadores. Seguiremos na luta pela organização da classe trabalhadora, para a construção do Bloco Histórico de forças políticas e sociais visando à construção revolucionária do Socialismo. Reafirmamos o entendimento de que o problema a ser enfrentado não é apenas a crise, mas o capitalismo em si. O PCB envidará todos os esforços para fazer da Jornada de Agosto, nos dias 10 a 14, convocada pelas centrais sindicais e pelo movimento popular brasileiro, um momento que represente um salto de qualidade na luta contra o capital. As ações devem se dar nos locais de trabalho, pela via sindical, e por ações diretas do PCB, preferencialmente em unidade com as demais forças de esquerda, em cada cidade onde estiver organizado, mobilizando os seus militantes, simpatizantes e suas áreas de influência para a organização e a atuação nos atos públicos, fomentando greves e paralisações, onde for possível.

Ousar lutar, ousar vencer! Só a unidade e a organização da classe trabalhadora derrotam o capital!
29 de julho de 2009
Comissão Política Nacional, Comitê Central Partido Comunista Brasileiro
O original encontra-se em http://www.pcb.org.br/problema.htm
Esta nota política encontra-se em http://resistir.info/ .

O golpe e a base aérea americana nas Honduras



por Nikolas Kozloff [*]
Os mainstream media novamente deixaram cair um aspecto-chave na história que se desenrola nas Honduras: a base aérea americana em Soto Cano, também conhecida como Palmerola. Antes do recente golpe militar o Presidente Manuel Zelaya declarou que transformaria a base num aeroporto civil, intenção a que se opôs imediatamente o embaixador dos EUA.
Zelaya pretendia pôr este plano em prática com financiamento venezuelano. Durante muitos anos, antecedendo o golpe, as autoridades hondurenhas discutiam a possibilidade de converter Palmerola numa instalação civil. Afirmavam que Toncontín, o aeroporto internacional de Tegucigalpa, era pequeno demais e incapaz de lidar com os grandes aviões comerciais. Com estruturas que datam de 1948, Toncontín tem uma pista demasiado curta e equipamento de navegação primitivo. Está ainda rodeado por colinas, o que o torna um dos mais perigosos aeroportos internacionais existentes. Por contraste, Palmerola tem a melhor pista no país, com 2700 m de comprimento e 50 m de largura. O aeroporto foi construído mais recentemente, em meados dos anos 80, com um custo declarado de US$30 milhões e foi usado para abastecer os Contras na guerra por procuração promovida pelos EUA contra os Sandinistas na Nicarágua ou ainda para conduzir operações de contra-insurreição em El Salvador. No pico da guerra dos Contra, os EUA tinham mais de 5000 soldados em Palmerola.
Conhecida como "o porta-aviões inafundável" dos Contra, esta base albergava Boinas Verdes assim como operacionais da CIA que trabalhavam como consultores e conselheiros dos rebeldes da Nicarágua. Mais recentemente têm estado cerca de 500-600 militares estado-unidenses nesta base, que também serve como base da força aérea hondurenha, assim como centro de treino para aviadores. Com a saída das bases estado-unidenses do Panamá em 1999, Palmerola tornou-se uma das mais utilizadas bases aéreas disponível para os EUA em solo latino-americano. A base localiza-se a aproximadamente 48 km para Norte da capital, Tegucigalpa. Em 2006 parecia que Zelaya e a administração Bush estavam a aproximar-se de um acordo quanto ao futuro estatuto de Palmerola. Em Junho desse ano Zelaya foi a Washington para se encontrar com Bush e o hondurenho pediu que Palmerola fosse convertida num aeroporto comercial. Supostamente Bush terá dito que a ideia era "perfeitamente razoável" e Zelaya declarou que uma auto-estrada de quatro pistas seria construída de Tegucigalpa a Palmerola com fundos provenientes dos EUA.
Em troca do apoio da Casa Branca com as instalações de Palmerola, Zelaya ofereceu aos EUA acesso a uma nova base militar que se localizaria na área de Mosquitia, na fronteira das Honduras com a Nicarágua. Mosquitia supostamente serve como corredor para passagem de drogas do Sul para Norte. Os cartéis passam por Mosquitia com o seu produto, vindos da Colômbia, Peru e Bolívia. Uma área remota, apenas acessível por ar, mar e pelo rio Mosquitia, está rodeada por pântanos e selva. A região é ideal para os EUA porque pode albergar grande número de tropas em relativa obscuridade. A localização costeira adequava-se perfeitamente à cobertura naval e aérea, consistente com a estratégia declarada pelos EUA no combate ao crime organizado, tráfico de droga e terrorismo. O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Hondurenhas, Romeo Vásquez, ressaltou que as forças armadas precisavam de exercer uma maior presença em Mosquitia porque a região estava cheia de "conflitos e problemas."
Mas que tipo de acesso teriam os EUA a Mosquitia?
O ministro da Defesa Hondurenho, Aristides Mejía dizia que Mosquitia não seria necessariamente uma "base clássica com instalações permanentes, mas apenas utilizada quando necessário. Pretendemos, se o Presidente Zelaya aprovar, expandir as operações conjuntas [com os Estados Unidos]." Esta afirmação, no entanto, aparentemente não foi do agrado de um dos cabecilhas do futuro golpe, Vasquez, formado na estado-unidense Escola das Américas , que já tinha viajado para os EUA para discutir planos futuros para Mosquitia. Contradizendo o seu próprio colega, Vásquez disse que a ideia era "estabelecer uma base militar permanente hondurenha na zona" que receberia aviões e sistemas de abastecimento de combustíveis. Os Estados Unidos ajudariam a construir pistas aéreas no local. Os acontecimentos em terra, no entanto, forçariam em breve os hondurenhos a tomar uma abordagem mais assertiva no que dizia respeito à segurança aérea. Em Maio de 2008 um terrível acidente ocorreu no aeroporto de Toncontín, quando um Airbus A320 da TACA deslizou para fora de pista na sua segunda tentativa de aterragem. Depois de derrubar árvores e esmagar cercas metálicas, a fuselagem do avião partiu-se em três. Três pessoas morreram e 65 ficaram feridas no acidente.
Após a tragédia as autoridades hondurenhas foram forçadas finalmente a bloquear a aterragem de aviões na notoriamente perigosa pista de Toncontín. Todos os grandes jactos, segundo as autoridades, seriam temporariamente transferidos para Palmerola. Enquanto visitava a base aérea americana o próprio Zelaya afirmou que as autoridades criariam uma nova estrutura civil em 60 dias. Bush já tinha concordado com a construção hondurenha de um aeroporto civil em Palmerola, "Há testemunhas," disse o Presidente. Mas construir um novo aeroporto tinha-se tornado politicamente mais complicado. As relações EUA-Honduras haviam-se deteriorado consideravelmente desde o encontro com Bush em 2006, tendo Zelaya estreitado laços com a Venezuela e aumentado as críticas à política de combate à droga seguida pelos EUA. O próprio embaixador de Bush no país, Charles Ford, disse que embora o tráfego fosse aceite em Palmerola, os acordos passados deveriam ser respeitados.
A base era usada principalmente para aviões de vigilância de tráfico de drogas e Ford destacou que "o presidente pode pedir a utilização de Palmerola quando quiser, mas certos acordos e protocolos devem ser seguidos" e que "é importante destacar que Toncontín é certificada pela Organização Internacional de Aviação Civil", esperando com esta afirmação dissuadir as principais preocupações acerca da segurança do aeroporto. Disse ainda que havia algumas linhas aéreas que não viam Palmerola como um destino de aterragem "atraente". Ford não elaborou ou explicou o que os seus comentários significariam. Lançando mais achas para a fogueira, o secretário de Estado Adjunto, John Negroponte, que também foi embaixador dos Estados Unidos em Honduras, disse que o país não podia transformar Palmerola num aeroporto civil "de um dia para o outro". Em Tegucigalpa, Negroponte encontrou-se com Zelaya para discutir sobre Palmerola. Após o encontro, em declarações a uma rádio hondurenha o diplomata americano disse que antes de Zelaya poder concretizar os seus planos para Palmerola o aeroporto teria de receber certificação internacional para os novos voos. De acordo com a agência noticiosa espanhola EFE, Negroponte aproveitou a sua viagem a Tegucigalpa para se encontrar com o presidente do Parlamento Hondurenho e futuro líder do golpe de Estado Roberto Micheletti [no relato não foram descritos os assuntos abordados na reunião]. É desnecessário dizer que a visita de Negroponte às Honduras foi amplamente repudiada por activistas progressistas e dos direitos humanos, que chamaram Negroponte de "assassino" e que o acusaram de ser responsável por desaparecimentos forçados durante o seu termo como embaixador de 1981 a 1985.
A atitude condescendente de Ford e Negroponte vexam os grupos de trabalhadores, de indígenas e de camponeses que exigem que as Honduras reclamem a sua soberania nacional sobre Palmerola. "É necessário recuperar Palmerola porque é inaceitável que a melhor pista aérea da América Central continue nas mãos dos militares americanos", afirmava Carlos Reyes, dirigente do Popular Bloc, que inclui várias organizações políticas progressistas. "A Guerra Fria acabou e não há quaisquer pretextos que justifiquem a presença militar na região", concluiu. Os activistas defendem que o governo não deveria sequer considerar trocar Mosquitia por Palmerola, porque isso seria uma afronta ao orgulho hondurenho. Ao longo do ano seguinte Zelaya procurou converter Palmerola num aeroporto civil mas os seus planos atrasaram-se quando o governo não conseguiu atrair investidores internacionais. Finalmente em 2009 Zelaya anunciou que as forças armadas hondurenhas realizariam a construção. Para pagar o novo projecto o presidente utilizaria fundos provenientes da ALBA [Alternativa Bolivariana para as Américas] e do Petrocaribe, dois acordos comerciais recíprocos impulsionados pelo líder venezuelano Hugo Chávez. Previsivelmente a direita hondurenha saltou em cima de Zelaya por este usar fundos venezuelanos. Amílcar Bulnes, presidente da Associação Empresarial das Honduras [conhecida pelo seu acrónimo castelhano COHEP] afirmou que os fundos do Petrocaribe não deveriam ser utilizados no aeroporto, mas em outras necessidades, não tendo especificado quais. Algumas semanas depois de Zelaya ter anunciado que as forças armadas procederiam à construção de Palmerola, os militares rebelaram-se. Liderado por Romeo Vásquez, o exército removeu Zelaya e exilou-o. Na altura do golpe, activistas da paz estado-unidenses visitaram Palmerola e ficaram surpreendidos por ver que na base havia intensa actividade e helicópteros voando por todo o lado. Quando perguntaram às autoridades americanas se algo tinha mudado na relação EUA-Honduras, foi-lhes respondido que "não, nada" mudara. A elite hondurenha e a política externa de direita dura do 'establishment' dos EUA tinham muitas razões para desprezar Manuel Zelaya, como já discuti em muitos outros artigos. A controvérsia à volta da base aérea de Palmerola deu-lhes no entanto a munição decisiva.
[*] Autor de Revolution!: South America and the Rise of the New Left
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/kozloff07222009.html.
Tradução de João Camargo.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Gripe A : algumas ponderações


Diante da atual pandemia de Gripe ( Influenza A ou H1N1 ) faz-se necessário algumas ponderações:
Quanto a nomenclatura do vírus:
A letra A indica o tipo mais variável de vírus, com potencial de fazer adoecer o maior número de pessoas. Os vírus da gripe humana são classificados em A, B ou C, de acordo com esse critério.
A letra H, de H1N1, é a inicial de hemoglutinina, uma proteína localizada na superfície externa do vírus e que ele utiliza para se fixar nas células humanas. O nome vem da aglutinação das células do sangue.
A letra N, de H1N1, é a inicial de neuraminidase, uma proteína que quebra os açúcares da célula sob ataque para liberar novos vírus.
Como as duas proteínas localizam-se no lado externo do vírus, são elas que o sistema imunológico detecta e que os cientistas procuram alvejar na busca por formas de matar o vírus.
Existem 16 tipos de hemoglutinina e 9 tipos de neuraminidase. Apenas as hemoglutininas 1, 2 e 3 ocorrem nos seres humanos (daí os H1, H2 e H3 nas denominações dos vírus). Da mesma forma, apenas as neuraminidases N1 e N2 são frequentes no ser humano.
Os outros tipos são encontrados em aves. Como não ficam gripadas - os vírus atacam seu sistema digestivo e não o sistema respiratório - as aves migratórias misturam os vírus em escala mundial.

Quanto ao poder dos cartéis dos Remédios.
Sabemos que a lógica capitalista é a da maximização dos lucros a qualquer custo, mesmo que seja sobre cadáveres de milhões de víveres. Essa lógica também é observada no combate a gripe suína. Vamos ao fatos:
2005 - A OMS alarma o mundo dizendo que a pandemia de gripe aviária era uma possibilidade real. Surgiram especulações e comparações com a Peste Negra, a pandemia de peste bubônica que dizimou 25 milhões de europeus no século XIV.
OMS considerou o antiviral Tamiflú, fabricado pela farmacêutica suíça Roche, sócia de Rumsfeld (lembra-se do secretário de segurança do governo Bush), o medicamento mais eficiente para reduzir o risco de morte dos pacientes infectados pelo vírus H5N1.
Resultado: Com prescrição direta da OMS orientando muitos governos a comprar doses suficientes para dar conta de 25% da população de seus países. As vendas do remédio subiram em mais de 260%, gerando receitas extras de mais de 500 milhões de dólares para os cofres da empresa suíça. (http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2005/10/18/
ult1766u12527.jhtm). Só o Brasil comprou material suficiente para fazer 9 milhões de doses.
Agora em 2009 aparece a gripe suína que segundo a Folha de São Paulo “Gripe suína deve atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses” e novamente a OMS orienta muitos governos a comprar milhões de doses dessas drogas. A OMS - O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) - informa que o vírus é sensível, in vitro, a dois inibidores da neuraminidase, o Tamiflu (fosfato de oseltamivir), da Roche, e o Relenza (zanamivir), da GlaxoSmithKline.

Mesmo sob a suspeita da ineficiência desses medicamentos, visto que o vírus Influenza é mutante, (http://www.who.int/csr/disease/swineflu/notes/h1n1_antiviral_resista
nce_20090708/es/index.html) a bondosa Roche doa seus estoques de Tamiflu (fosfato de oseltamivir) à OMS.
Será que estamos diante de uma aberração capitalista? Acredito que não. Não podemos confiar nesse pacote de “bondades” e acreditar no altruísmo dessa empresa.
“O grupo farmacêutico suíço Roche mais do que triplicou no primeiro semestre de 2009 seu faturamento com o Tamiflu, muito usado contra o vírus influenza A(H1N1), a chamada gripe suína”. (
http://www.swissinfo.ch/), (http://www.saudebusinessweb.com.br/noticias/index.asp?cod=51918)
Há muito tempo a saúde deixou de ser direito do cidadão e passou a ser um negócio muito lucrativo para as empresas principalmente àquelas que detêm o monopólio da biotecnologia. Não seria o caso que quebrar a patente desses medicamentos, se realmente for eficaz, e distribuir para os hospitais públicos?

“Me diga com quem andas que digo quem tu és”
Se investigarmos a Roche chegaremos a Gilead, empresa de Donald Rumsfeld, como frisado acima, juntos administram conjuntamente a fabricação mundial do Tamiflú, decidem juntas as eventuais autorizações de “sub licença” e coordenam em dueto as vendas nos mercados mais importantes, como Estados Unidos e Europa. (
http://www.saudebusinessweb.com.br/noticias/index.asp?cod=51918), se prosseguirmos chegaremos também a outras conclusões: a Gilead, de Donald Rumsfeld (O secretário da Defesa dos EUA) , financiada pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill e Melinda Gates, era a responsável por testes na Nigéria, em Camarões e no Camboja com um medicamento para tratamento da AIDS. Estes testes foram suspensos após pressões populares com força suficiente para resistir à mutilação do organismo de sua própria população.
Mas, a podridão é ainda maior.
Em 1996, durante uma epidemia de meningite em Kano, Nigéria, 200 crianças doentes foram objeto dos testes de uma nova droga da Pfizer, o Trovan. A metade delas foi tratada com o Trovan. A outra com um medicamento concorrente do qual foram aplicadas doses abaixo do necessário, com o objetivo de se garantirem resultados inferiores.
Muitas das crianças-cobaia morreram ou sofreram danos permanentes como: cegueira, surdez e paralisia. Graças ao sacrifício das crianças africanas, o Trovan nunca foi aprovado para uso das crianças americanas.
Detalhe: a Pfizer não informou aos pais das crianças que se tratava de um teste, embora sabendo que o Trovan apresentava efeitos colaterais prejudiciais à saúde e poderia ser impróprio para uso humano, nem que existia um produto comprovado e relativamente barato, o clorofenicol. (http://www.correiocidadania.com.br/content/view/400/)
Essa é a lógica capitalista da maximização dos lucros a qualquer custo.

Quantos cadáveres teremos que contar até isso terminar?

Quanto aos investimentos em saúde públicas:
Alguns discursos já começam a ganhar destaque na grande mídia e na Internet.
Alguns meios de comunicação amedrontam a população empurrando-os para as unidades de saúde já superlotadas, espalhando ainda mais o vírus. Outros acusam o Ministério da Saúde de fazer uma centralização excessiva dos antivirais. ” (http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=geral&news
ID=a2589035.xml), “ é uma postura criminosa do governo recolher os antivirais” esbraveja outro internauta. Outros questionam a competência do governo federal em administrar as ações para conter multiplicação dos casos da Gripe A.
Mas, segundo a OMS e o próprio Ministério da Saúde, o índice de mortalidade dessa gripe é bem próximo a da gripe sazonal, portanto é provável que ela se espalhe por todo país sem matar em massa os brasileiros. E a automedicação seria um tiro no pé nesse momento, pois se as pessoas passarem a tomar o medicamento (antiviral) por prevenção, ou ao sentir qualquer coisa que possa ser um sintoma é que teremos é uma variedade de virus resistente, que terá uma vantagem sobre linhagens sensíveis e poderá se espalhar.
O importante nesse momento seria a prevenção (habito básicos de higiene, evitar aglomerações) e somente em caso de complicações procurar uma unidade de saúde.
Portanto, todas as pressões dessa epidemia convergirão para as unidades de saúde. Conseqüentemente é onde deverá ser empregado a grande maioria dos recursos públicos (três esferas da federação). Visto que em todo país há muitos problemas: falta de médicos, pessoal qualificado, equipamentos hospitalares, estrutura degradada ou insuficiente para suprir a demanda.
A Grande Mídia deveria investigar se todas as esferas da federação estão aplicando os recursos conforme estabelece a constituição. (a União - valor determinado a partir do crescimento anual do PIB, os Estados: 12% dos recursos próprios provenientes de impostos; e os Municípios: 15% dos recursos próprios provenientes de impostos).
Tudo indica que isso não vai acontecer. A grande mídia vai continuar desinformando, confundindo e amedrontando a população. Influenciando a automedicação e enriquecendo o cartel dos remédios.
Acredito que nesse momento de redobrarmos a participação dos cidadãos como garantido na constituição (art. 198), que por meios de nossas entidades representativas (sindicatos, movimentos sociais, associações ) e da mídia alternativa participar do processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os níveis, desde o federal até o local.
Portanto, esse é o momento esclarecer a todos os brasileiros que a saúde é um direito primordial a vida como assegurado na CF de 1988:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Constituição Federal)
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do
art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela EC n. 29, de 2000.)

Falsas epidemias, big business e cobaias humanas: Os bastidores do cartel Farma*


Por Hugo RC Souza
A IG Farben foi um cartel de empresas alemãs fundado em 1925 que se tornou um dos maiores conglomerados da indústria petroquímica e farmacêutica da primeira metade do século XX. Foi determinante para a ascensão do Nacional Socialismo alemão, detendo não apenas o monopólio da produção química na Alemanha nazista, mas utilizando também força de trabalho escrava do campo de concentração de Auschwitz para a produção de borracha e óleo sintéticos. Levava a marca IG Farben o pesticida Zyklon B, registrado e patenteado pela empresa, e utilizado para massacrar pessoas de forma rápida e barata nas câmaras de gás.
Cartaz da IG Farben de 1940: generais nazistas traçam planos sobre mapa da Europa
Lisboa - Em 1947, no âmbito dos processos de Nuremberg**, um tribunal ianque condenou 13 diretores alemães da IG Farben à prisão por crimes contra a humanidade — o tribunal teve o cuidado de não tocar no nome dos acionistas ianques da empresa. Mas a lógica dos interesses que pautaram os bons negócios entre uma grande farmacêutica e um governo fascista — do USA com seus fiéis aliados e subalternos — está muito longe de ser coisa do século passado.
Desde então, o oligopólio das empresas transnacionais que controla a indústria farmacêutica em todo o mundo é responsável por milhões de mortes prematuras. O genocídio se dá através do boicote sistemático à prevenção e erradicação de inúmeras doenças que vitimam principalmente as populações pobres, com acesso precário aos medicamentos transformados em especulações financeiras sob a forma de combinados químicos e suas designações científicas.
Tudo em nome da expansão do mercado mundial de remédios e do aumento da margem de lucro dos fabricantes. Um filão há muito descoberto por empresas que oscilam nas bolsas de valores de acordo com a expansão ou retração das enfermidades e com o maior ou menor número de patentes detidas.
Um dia patrocinou os nazistas, mas atualmente a indústria farmaco-imperialista conta com governos ditos democráticos, a cooptação da “comunidade científica” e a cumplicidade do oligopólio dos meios de comunicação para garantir a sustentabilidade de um dos negócios mais rentáveis do planeta, à custa da saúde pública mundial. Simples: a política do imperialismo — enquanto persistir no mundo — é o fascismo, pouco importa se aparece sob a corrente nazista, sob a roupagem dos impérios ianque, francês, inglês, ou que associação possam fazer entre si.
O grupo Rockfeller, nos Estados Unidos, e o grupo Rotchisld, na Inglaterra — dois gigantes do investimento farmacêutico — foram grandes financiadores das campanhas de George Bush e Tony Blair, e exercem hoje os maiores lobbies do Farma-Cartel de que se tem notícia. Eles sabem o que fazem: USA e Inglaterra são, atualmente, os dois maiores exportadores de remédios do planeta. Só no USA, os laboratórios doaram 10 milhões de dólares para candidatos que disputaram a última campanha presidencial.
Através da manipulação, propriedade intelectual e tráfico de influência estabelecem com a humanidade uma relação de dependência de seus fármacos que deixa os traficantes de drogas ilegais enrubescidos. Com a complacência da Organização Mundial de Saúde OMS, o Farma-Cartel gasta milhões de dólares no contra-ataque às ações judiciais contra as patentes e no boicote às alternativas não-patenteáveis de medicina natural.

A farsa aviária
Mapa das instalações quimicas da IG Farben pelo mundo em 1936
Os recentes episódios envolvendo a chamada gripe aviária — ou gripe do frango — dão conta da lógica que rege a atuação das indústrias farmacêuticas, particularmente o consórcio OMS-Roche-Gilead.
Um relatório de 2004 da OMS dizia que para um futuro próximo haveria “riscos de que as condições presentes em certas regiões da Ásia resultem numa pandemia da gripe. Segundo certas estimativas prudentes baseadas em modelos matemáticos, a próxima pandemia poderia provocar a morte de 2 a 7,4 milhões de pessoas”.
No final de 2005, em meio às notícias de vários seres humanos contaminados pelo vírus H5N1, a OMS voltou a alarmar o mundo dizendo novamente que a pandemia de gripe aviária era uma possibilidade real. Surgiram especulações e comparações com a Peste Negra, a pandemia de peste bubônica que dizimou 25 milhões de europeus no século XIV. O alerta virou manchete nos quatro cantos do planeta, ainda que, desde que foi detectado no Vietnã, há nove anos, o vírus da gripe aviária tenha vitimado pouco mais de 100 pessoas em todo mundo. Uma média de 11 mortes por ano.
Pouco depois de lançar o pânico, a OMS considerou o antiviral Tamiflú, fabricado pela farmacêutica suíça Roche, o medicamento mais eficiente para reduzir o risco de morte dos pacientes infectados pelo vírus H5N1. O Tamiflú é comercializado pela Roche desde 1999, quando foi lançado como um antigripal comum, sem maiores pretensões de mercado.
Com prescrição direta da OMS — que orientou os governos a comprar doses suficientes para dar conta de 25% da população de seus países — as vendas do remédio subiram em mais de 260%, gerando receitas extras de mais de 500 milhões de dólares para os cofres da empresa suíça.
Diante da impossibilidade de dar conta da demanda, A Roche descartou compartilhar os direitos de comercialização da fórmula do Tamiflú — patente sobre a qual detém o direito de exploração até 2016. Um acordo de propriedade intelectual no âmbito da OMC, firmado em 1994, prevê que um país em qualquer situação de emergência, em relação a qualquer doença, pode requerer a quebra de patentes.
Obviamente, não era o caso para emergências — a não ser a título da valiosa contribuição da OMS para alavancar as vendas da Roche — e apesar das ameaças de países como Tailândia, Índia e Argentina de quebrar compulsoriamente a patente do Tamiflú, o acordo não foi aplicado.
No USA, realizou-se um vantajoso negócio, tanto para a Roche quanto para o Farma-Cartel ianque: a Roche anunciou que venderia licenças de valor hierarquicamente inferior aos laboratórios, saindo no lucro diante da possibilidade de compartilhamento gratuito da patente; as outras farmacêuticas comemoraram o acordo de cavalheiros que lhes poupou de ver um precedente tão “midiático” de quebra de exclusividade de comercialização.
Um acordo de cavaleiros, entre sócios - empresas e administrações de países. Caso o alarmismo da OMC não tivesse servido apenas para aquecer um mercado farmacêutico arranhado pelos processos contra a propriedade intelectual, o hemisfério sul estaria condenado a esperar a pandemia chegar para só então pedir licença e remediar com atraso suas populações.
O detalhe interessante fica por conta dos negócios da Roche particularmente com uma transnacional farmacêutica ianque, a Gilead Sciences Inc. A patente do Tamiflú era propriedade exclusiva da Gilead até 1996, quando os direitos de comercialização foram “licenciados” para o laboratório suíço, que possui 90% da produção mundial de anis estrelado — base do princípio ativo utilizado na fórmula do antiviral.
Biografia de Rumsfeld
Latas vazias de Zyklon: cada lata é uma seção da assassinatos nas câmaras de gás
Hoje, a Gilead e a Roche administram conjuntamente a fabricação mundial do Tamiflú, decidem juntas as eventuais autorizações de “sub licença” e coordenam em dueto as vendas nos mercados mais importantes, como Estados Unidos e Europa. Os acertos garantiram ainda à Gilead cerca de 80 milhões de dólares de royalties sobre o faturamento das vendas de Tamiflú fabricado e comercializado pela Roche — apenas referente aos períodos de 1999 e 2003.
Quem fechou o negócio da China com a Roche em 1996 foi Donald Rumsfeld, então presidente da Gilead, depois secretário de Defesa dos Estados Unidos. Rumsfeld deixou a presidência da empresa, mas continua sendo seu principal acionista. A carteira de ações do grande estrategista está avaliada em cerca de 25 milhões de dólares.
O editorial de abril da revista médica espanhola Dsalud levou o título “O Tamiflú, Donald Rumsfeld e o negócio do medo”.
O doutor José Antonio Campoy começa o texto dizendo que, apesar da média de apenas 11 mortes anuais provocadas pela gripe aviária, isso “não impediu George Bush de empreender sua segunda ‘guerra preventiva'em pouco tempo, desta vez para lutar contra uma outra arma de destruição em massa tão poderosa quanto as ‘encontradas' no Iraque: o vírus H5N1”.
Campoy escreve ainda que a eficácia do Tamiflú vem sendo questionada por grande parte da comunidade científica, por médicos que se perguntam como o remédio pode ser eficaz contra um vírus mutante quando seus efeitos sobre a gripe comum não passam do alívio dos sintomas. Obviamente, diz, “o protagonismo do Tamiflú em nossas vidas não é científica, mas comercial”.
No entanto, talvez as informações mais interessantes contidas no editorial da Dsalud sejam as referências aos precedentes envolvendo o nome de Donald Rumsfeld e as relações mafiosas entre a indústria farmacêutica e o governo ianque.
Como lembra a revista, Rumsfeld aparece ligado à decisão de vacinar 40 milhões de pessoas em 1976, durante a administração Gerald Ford, diante da suposta iminência do que se chamou de “gripe do porco”. O programa de vacinação custou cerca de 135 milhões de dólares e foi levado a cabo por indústrias farmacêuticas privadas. Até hoje não existe prova de que a “gripe” era uma ameaça real, mas o “porco” sim, tanto que 10% das pessoas vacinadas desenvolveram um distúrbio nervoso chamado síndrome de Guillain-Baré, que pode provocar paralisia permanente e morte por problemas respiratórios.
Em 1981, três meses depois da incorporação de Rumsfeld ao gabinete do então presidente Ronald Reagan, a Food and Drug Administration — FDA — órgão do governo ianque que regulamenta e aprova o uso e a comercialização de alimentos e medicamentos — autorizou a utilização do aspartame para uso em alimentos secos. A FDA há dez anos se recusava a liberar a droga, sustentando-se na possibilidade de que ela podia causar derrames e tumores cerebrais. Pouco antes de assumir um cargo no governo Reagan, Rumsfeld saiu da presidência do laboratório que produzia o aspartame, da mesmíssima forma que saiu da presidência da Gilead pouco antes de assumir o cargo de secretário de Segurança da administração Bush.
A Gilead, aliás, é a fabricante do Vistide, um remédio comprado a granel pelo Pentágono e administrado nos soldados enviados ao Iraque para evitar os efeitos colaterais da vacina contra a varíola.
Cooptação e mortes lentas
O filme O Jardineiro Fiel, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, levou ao cinema o tema dos testes clandestinos de medicamentos realizados pelos laboratórios farmacêuticos nas regiões mais pobres da África.
O enredo conta a história da esposa de um funcionário do alto comissariado britânico assassinada após descobrir o envolvimento do governo inglês e donos de laboratórios nas mortes de quenianos feitos de cobaia humana para um novo remédio contra a tuberculose. No filme, diplomatas e empresários “previam” para breve uma nova epidemia da doença.
Não se trata de ficção. A própria Gilead, de Donald Rumsfeld, financiada pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill e Melinda Gates, era a responsável por testes na Nigéria, em Camarões e no Camboja com um medicamento para tratamento da AIDS.
Estes testes foram suspensos após pressões populares com força suficiente para resistir à mutilação do organismo de sua própria população. Oficialmente, foram suspensos por causa de “problemas éticos graves”. Problemas que não parecem existir em países como Tailândia, Botsuana e Malásia, onde os testes continuam a todo vapor, e nada ficam devendo aos trabalhos do famoso médico nazista Josef Mengele, que torturou e matou um sem número de pessoas em nome da ciência nazista.
Os bastidores da indústria farmacêutica revelam muito mais do que bilhões de dólares gastos anualmente com publicidade direta ao consumidor — não raro tentando vender pela TV remédios para doenças como o câncer —, revelam que o tráfico de influência vai além do aliciamento de médicos, pesquisadores e estudantes de medicina em todo o mundo, que muitas vezes se convertem em meros vendedores intermediários de drogas industrializadas, num esforço empresarial para transformar consultórios e hospitais em lojas com consultas rápidas e receitas extensas.
A biografia fármaco-imperialista de Donald Rumsfeld demonstra que o domínio dos interesses empresariais dos grandes laboratórios sobre a saúde pública mundial está longe de ser coisa de cinema ou teoria da conspiração. As populações da África continuam sucumbindo à Malária, AIDS, e tuberculose, enquanto a ONU e a OMS continuam comprando remédios de farmacêuticas que não estão interessadas em erradicação, mas em genocídios lentos, graduais e lucrativos.

*Cartel, forma de monopólio, uma associação de poderosas empresas capitalistas de produção quase sempre similar. A cartelização tem por finalidade manter e expandir o monopólio a qualquer custo para assegurar o lucro máximo, a super-exploração da classe operária e do povo em geral. O cartel evolui para a forma de trust, onde as empresas perdem toda a sua autonomia e obedecem a uma direção única. São tais as disponibilidades financeiras dos trusts que as empresas por eles dirigidas têm, sob a mesma direção, todas as fases e operações, inclusive de corporações no exterior. Necessariamente, esse tipo de monopólio, típico da fase imperialista, estende seu controle ao sistema de Estado e de governo, dentro e fora do país de origem.
** Dirigido contra os grandes criminosos nazistas, o Processo de Nuremberg, aconteceu na cidade do mesmo nome, na Alemanha, diante do Tribunal Militar Internacional, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Foram julgados os membros do governo imperialista alemão, dirigentes do Estado-maior e do alto comando das forças armadas, incluindo a Gestapo, além dos dirigentes do partido nazista, acusados dos mais graves crimes contra a humanidade.
Nuremberg foi o primeiro processo internacional que efetivamente castigou criminosos de guerra e a agressão foi considerada o pior dos crimes internacionais. Ele fazia parte dos acordos de desnazificação da Europa impostos pela URSS revolucionária de Stalin, durante as três grandes conferências ocorridas ainda durante a Segunda Guerra. Mas as potências imperialistas tudo fizeram para apaziguar e trair os acordos, principalmente através dos subsequentes (ao processo principal) julgamentos, dessa vez a cargo do tribunal militar ianque. Foi esse tribunal que se encarregou do julgamento dos diretores da IG Farben, no processo no. 6, entre 14 de agosto de 1947 a 30 de julho de 1948.
Texto Original Publicado em:
http://www.anovademocracia.com.br/content/view/408/105/

TERRAS DA AMAZÔNIA: Muito na mão de poucos


Geógrafo questiona a aprovação de MP que regulariza a propriedade de terras na Amazônia
Por Frederico Viotti
Tratando-se de Amazônia, o assunto do momento é a aprovação na Câmara dos Deputados da polêmica Medida Provisória 458, que regulamenta a propriedade de terras. O projeto, aprovado em fevereiro, indica a regularização dos terrenos com extensões de até 1.500 hectares que tenham sido ocupados antes de 2004.
As modificações feitas no texto original ressaltaram as divergências entre a bancada ruralista e a ambientalista, que disputaram voto a voto as alterações que mais lhe interessavam. Ao que tudo indica, os ruralistas venceram esta queda de braço.
O texto aprovado assegurou a indenização aos posseiros caso as terras sejam retomadas pela União, a possibilidade de empresas também comprarem as posses e uma espécie de “anistia” para quem agiu contra a legislação ambiental vigente. Só é passível de punição, ainda que com garantias de defesa, quem desmatou áreas de preservação permanente ou de reserva legal.
Por outro lado, a MP também contém exigências de recomposição de reservas para os que conseguirem comprar as terras, além de proibir a alienação de florestas públicas, de unidades de conservação ou de áreas que já estejam selecionadas para a criação de áreas de preservação.
A discussão em torno da medida reuniu não só parlamentares, mas também figuras públicas, como os atores Christiane Torloni e Victor Fasano. Tanto o atual ministro do Meio Ambiente Carlos Minc quanto sua antecessora Marina Silva se posicionaram de maneira claramente contrária à aprovação.
No segundo encontro do módulo “Descobrir a Amazônia, Descobrir-se Repórter”, do Projeto Repórter do Futuro, realizado dia 16 de maio, o tema foi abordado e discutido por um especialista: o geógrafo e professor da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira.Com seus estudos direcionados para as questões relativas à ocupação recente da Amazônia e suas consequências, Oliveira é firme em sua posição frente à MP: “Essa política fere o princípio de que a propriedade da terra tem que cumprir sua função social, o que por si só fere a constituição nacional.”
O geógrafo ainda caracteriza a iniciativa como uma “contra-reforma agrária”, pois estaríamos entregando o patrimônio público nas mãos dos grileiros, que já dominam os principais municípios produtores agrícolas. São terras griladas que pertencem ao Incra.O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é um dos principais focos de sua crítica: “funcionários do Incra vendem terras públicas legais para os grileiros, os protagonistas do processo de destruição na natureza”. Esta acusação foi referendada pela denúncia recente ocorrida no Mato Grosso, que terminou com a prisão de 14 suspeitos de fraudes em processos de desapropriação. Entre eles, seis empregados do instituto, um do alto escalão.
“A MP foi arquitetada nos bastidores, por funcionários do Incra.” Oliveira baseia sua afirmação no fato do governo já estava fazendo assentamentos adequados antes da medida, criando novas propostas em que a terra fica sobre controle do estado, a preservação é efetiva e os assentados usufruem de todos os benefícios necessários, seguindo os preceitos do desenvolvimento sustentável. Segundo ele, essa ação prévia tira qualquer nexo da MP 458.
Ao tratar da participação do governo federal na questão, Oliveira é ainda mais incisivo. “A rigor, o estado brasileiro nem deveria incentivar nenhuma política de assentamento na Amazônia, não há necessidade. O Brasil tem 120 milhões de hectares de terras rurais improdutivas.”
Segundo dados apresentados pelo geógrafo, a Amazônia concentra 96 milhões de hectares de terras devolutas, que não constam em nenhum registro público. “Mais de 80% das terras dos municípios na região são devolutas”. Essas estatísticas deflagram um problema ainda maior: “Não há no Brasil conhecimento da situação fundiária. O Estado brasileiro não criou instrumentos para controlar suas terras. A situação está ao sabor das elites, que grilharam grande parte deste território.”
Oliveira é enfático ao analisar o papel do setor privado na preservação da Amazônia. “Os empresários desse país jamais respeitaram o meio-ambiente, nada indica que isso vá mudar. Deixar as terras nas mãos deles só aumentará o desmatamento. É a presença da propriedade privada que abre a brecha para o desmatamento”, afirma.
Sobre a questão dos assentamentos, Ariovaldo Oliveira declara que o número divulgado pelo Incra de 500 mil assentados é “mentiroso” e que na realidade não passa de 180 mil. “No cálculo final, estão somando assentamentos anteriores. Isso não é Reforma Agrária”.
Também esteve presente ao encontro o arqueólogo Eduardo Neves, que se aprofundou na função da arqueologia como chave para o resgate histórico da Amazônia e aproveitou para opinar sobre o caso. “A Amazônia pode ser ‘ocupada’ sim, mas com uma lógica bem diferente da do agronegócio. Deve-se pensar em uma ocupação de baixo para cima na pirâmide social”, afirmou.
Dentro desse cenário controverso, o perigo que a aprovação no Senado e no poder executivo da Medida Provisória 458 pode acarretar está reproduzido de forma clara no desabafo de Oliveira: “Estamos em uma encruzilhada histórica. Parte do patrimônio público nacional está sendo transferido de forma ilegal e inconstitucional para as mesmas pessoas que dominam e exploram predatoriamente essas terras há 500 anos, para quem sempre teve direito a elas. Os pobres são a justificativa para que as elites se apropriem de 150 milhões de hectares da Amazônia.”
Texto Original Publicado em:
http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=materia&id=104

Honduras: um golpe pelo controle do continente


Por Marcelo Salles
Golpe de Estado em Honduras?! Ué, mas essa época de golpes na América Latina não havia terminado? Agora a região não vive um período democrático? Não era por isso que aquele papo de “revoluções e ideologias” estava fora de moda, sendo cultivado apenas por uma meia dúzia de românticos saudosistas?
Pois é, mas foi o que aconteceu. Para o desgosto das corAdicionar imagemporações de mídia e seus representados, as contradições políticas e sociais ficam cada vez mais evidentes no continente americano. E quando as contradições ficam evidentes, as tenebrosas transações, que adoram a calmaria, começam a aparecer. E máscaras começam a cair.
No domingo pela manhã, 28 de junho, cerca de 200 soldados seqüestraram o presidente Manuel Zelaya e o enviaram à Costa Rica. Segundo a rádio local “Es Lo De Menos”, vários integrantes do gabinete foram presos e existem ordens de prisão para dirigentes de movimentos sociais, como a Via Campesina. A Telesur informou que também foram seqüestrados os embaixadores de Cuba, Venezuela e Nicarágua. O presidente do Congresso, Roberto Micheletti, assumiu o poder com o apoio do das Forças Armadas e do Judiciário.
No dia do golpe os telefones celulares não funcionaram, assim como a eletricidade em alguns pontos deste país de 8 milhões de habitantes – o que prejudicou muito o trabalho da imprensa independente (sem que isto tenha sido alvo de críticas como no caso iraniano).
A Organização dos Estados Americanos deu prazo de 72h para a recondução de Zelaya à presidência, sob pena de expulsão de Honduras de seus quadros. Não houve um país sequer a defender os golpistas, pelo menos em público. Brasil, Itália, Colômbia e outros países chamaram de volta seus diplomatas. Lula disse que não vai reconhecer o novo governo. A Venezuela de Chávez ameaçou usar a força. Paralelamente, movimentos sociais e partidos de esquerda no mundo todo divulgaram notas e organizam manifestações de rechaço ao golpe.
Por outro lado, os Estados Unidos mantiveram uma posição dúbia. Apesar da declaração de Barack Obama, que pediu respeito às “normas democráticas”, a secretária de Estado Hillary Clinton negou o corte das relações comerciais e o embaixador estadunidense segue no país, o que caracteriza ao menos conivência com os golpistas.

Os bastidores
Os interesses estadunidenses começam a ficar mais visíveis quando olhamos para a balança comercial de Honduras: os EUA são o destino de 70% das exportações (café, bananas, camarões, lagostas, carne, zinco e madeira), ao passo que 55% das importações vêm do mesmo país, com destaque para máquinas e equipamentos para transporte, matérias primas para indústria, produtos químicos e combustíveis. O déficit hondurenho gira em torno de US$ 1 bilhão.
A CIA destaca em sua página na Internet que “investimentos em fábricas de maquilagem e setores de exportação não-tradicionais vem começando a diversificar a economia”. Talvez o projeto ianque para o país fosse transformá-lo, gradualmente, em base de trabalho escravo e semi-escravo, assim como fazem no Haiti e na República Dominicana, onde os trabalhadores recebem 1 ou 2 dólares diários para produzir calças, agasalhos e tênis que depois serão vendidos a preços duzentas vezes maiores nos países desenvolvidos.
Outro dado importante é sua localização geográfica. Honduras está no centro da América Central, entre Nicarágua, El Salvador e Guatemala. O domínio de seu território é, portanto, fundamental para manter todo o continente sob controle. Na década de 1980 isso ficou muito claro quando os EUA transformaram Honduras numa base militar de onde atacavam o governo sandinista na Nicarágua – isso com o dinheiro sujo da venda de armas para o Irã – e assim impediam a disseminação do ideário marxista pela região. E hoje em dia, quando os EUA perdem influência na América do Sul, é fundamental reter o controle sobre o restante da América Latina.
O golpe de 29 de junho acontece justo no momento em que Zelaya se aproximava da Alternativa Bolivariana para as Américas. Seguindo o exemplo dos governos sul-americanos que mudaram suas Constituições, o presidente deposto queria incluir nas eleições gerais de 29 de novembro uma consulta para aprovar a convocação de uma Assembléia Constituinte. Como o Congresso e o Judiciário haviam negado essa possibilidade, Zelaya decidiu seguir adiante com a consulta, ainda que seu valor fosse apenas simbólico. Como os militares se recusaram a distribuir as urnas, o presidente demitiu o chefe do Estado Maior Conjunto, Romero Orlando Vasquez Velasquez, que não acatou a ordem e teve apoio dos demais comandantes castrenses, assim como do Congresso e do Judiciário.

A Escola das Américas
Vasquez é graduado na Escola das Américas, assim como outros militares hondurenhos – e latino-americanos em geral. Por pelo menos duas vezes Honduras foi diretamente controlada por ditadores formados na Escola das Américas (1975 e 1980). O congressista estadunidense Joseph Kennedy disse certa vez: “A Escola das Américas do Exército dos Estados Unidos é uma escola que produziu mais ditadores do que qualquer outra escola do mundo”.
No dia 1º de julho, o presidente golpista decretou Estado de Sítio. Qualquer pessoa pode ser detida em qualquer lugar e ser mantida na prisão sem acusação formal. As liberdades civis foram suspensas, o toque de recolher foi imposto e os cidadãos estão proibidos de se manifestarem. Apesar de tudo isso, o povo hondurenho segue nas ruas. Segundo Arturo Wallace, correspondente da BBC, cerca de duas mil pessoas protestam contra a ditadura recém-instaurada. O jornalista disse ainda que “os meios de comunicação transmitem apenas a versão oficial e os canais de notícias internacionais, como a CNN e a Telesur, estão fora do ar”.
As corporações de mídia no Brasil receberam a notícia do golpe com cautela. Apesar de a CNN ter entrado na cobertura no próprio domingo, a TV Globo, maior emissora do país, não interrompeu sua programação e deixou o assunto para segunda-feira. Na quarta-feira à noite, a matéria do Jornal da Globo não usou o termo “ditadura” e apenas uma vez falou em “golpe”. Em nenhum momento contextualizou os interesses dos EUA na região. Para mostrar “imparcialidade”, ouviu um cidadão a favor e outro contra “a crise política” instaurada no país.
O golpe de Estado em Honduras é mais um capítulo na disputa pela hegemonia na região. De um lado, o bloco de esquerda encabeçado por Hugo Chávez. De outro, o velho esquema capitalista patrocinado pelos ianques. A posição de Zelaya é delicada, pois seus inimigos controlam os outros dois poderes da República (Judiciário e Legislativo), além das Forças Armadas. E contam com o apoio financeiro dos EUA. A seu lado estão os movimentos sociais, que mostraram boa capacidade de mobilização, e a comunidade internacional – que no geral não parece muito disposta a converter os discursos em ações.
Os próximos dias dirão se Honduras seguirá sob o controle estadunidense ou se as forças populares conseguirão redefinir os rumos desse país centro-americano e, por extensão, varrer o imperialismo do continente. Seja como for, delineia-se na região um cenário de embate, vivo, que escancara a atualidade de golpes e revoluções, de utopias e romantismos. Um contexto que não interessa ao capitalismo internacional porque torna visíveis suas mentiras e contradições; e que, por isso mesmo, deve ser aproveitado por quem luta por um mundo mais justo, humano e solidário.
Marcelo Salles, jornalista, é coordenador de Caros Amigos no Rio de Janeiro, editor do Fazendo Media (
http://www.fazendomedia.com/) e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Texto Original Publicado em:
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