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A manhã de domingo foi marcada pelo falecimento de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, mais conhecido simplesmente como Sócrates. O meio-campista tinha 57 anos. Ela deixa esposa e seis filhos.
Às vezes, a grandiosidade é medida por critérios intangíveis, como liderança e personalidade, às vezes ela é avaliada por conquistas empíricas, como estatísticas e campeonatos. Pode ser também uma combinação de todas essas coisas.
Mas Sócrates estava em um nível ainda mais alto: o futebol provavelmente nunca mais produzirá alguém como ele.
Craque, rebelde, filósofo - uma mistura que dificilmente será igualada.
A Seleção Brasileira de 1982, da qual ele foi capitão, foi provavelmente a melhor entre as que nunca venceram uma Copa do Mundo (juntamente com a Hungria, em 1954, e a Holanda, em 1974). Foi também um dos últimos times do Brasil capazes de incorporar integralmente o estereótipo romântico que vem à mente quando pensamos em verde-amarelo.
Toques sublimes, ritmo lânguido, criatividade... a verdadeira alegria do que é chamado "futebol arte". Zico foi provavelmente o melhor jogador daquela seleção, mas Sócrates foi a sua filosofia encarnada.
Com quase dois metros de altura e magérrimo, ele andava pacientemente pelo meio-campo com sua marca registrada, a barba, e cabelo longo.
Com a bola, ele estava para o futebol como Magic Johnson para o basquete, graças à jogada que o singularizava: o passe de calcanhar.
É uma dessas coisas que não são particularmente difíceis de fazer, mas que são muito difíceis de fazer bem, principalmente porque você tem que medir e executar o passe em direção a uma área do campo que você não pode ver.
Além disso, em vez de chutar a bola com o pé, onde você ao menos tem um nível maior de sensibilidade, você usa o osso do calcanhar. Quando você vê este tipo de jogada, é geralmente uma combinação de toque e esperança que acontece quando não há outra alternativa.
Para Sócrates, era arroz-com-feijão, algo natural, que ele fazia sem esforço em meio-campos congestionados, surpreendendo não apenas os adversários, mas muitas vezes os jogadores do seu próprio time, que de repente recebiam a bola no meio de um passo.
O passe de calcanhar não é algo que um jovem treinador possa ensinar. Não é nem mesmo algo que um treinador profissional tenha um interesse particular em encorajar, exatamente porque ele é imprevisível.
Mas no mundo despreocupado dos jogadores brasileiros da década de 1980, ele tinha o seu lugar, especialmente quando utilizado de forma tão eficaz como Sócrates era capaz.
O currículo dele, na verdade, é supreendemente simples. Alguns títulos regionais no Brasil, apenas uma temporada numa das principais ligas europeias (com o Fiorentina, da Itália), 60 aparições e 22 gols para um excepcional time do Brasil, embora um que não tenha conseguido ganhar a Copa do Mundo.
Mas isso só conta uma parte da história.
Mesmo como profissional, Sócrates representava um retorno à era dos amadores, uma época em que os atletas não eram apenas definidos pelo esporte que praticavam.
Você quer falar sobre estudante atleta?
Na primeira parte de sua carreira, Sócrates jobou para o Botafogo de Ribeirão Preto em tempo integral, enquanto frequentava o curso de medicina da Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto.
Na realidade, ele só veio a praticar a medicina depois que se aposentou do futebol, mas quando disparou o seu foguete contra a União Soviética no jogo de abertura do Brasil na Copa do Mundo de 1982, Sócrates se tornou o primeiro (e provavelmente o último) médico a fazer um gol no maior palco do jogo.
Ele foi também um militante, que, enquanto jogava para o Corinthias nos anos 80, fundou um movimento de oposição ao regime militar do País.
Um homem que se descrevia como Maoísta e pacifista, seus hérois – não supreendemente – eram Che Guevara e John Lennon, o que fez dele uma lenda instantânea entre os radicais chiques da esquerda Europeia. Depois de se aposentar em 1989, Sócrates voltou à universidade, e acabou completando um doutorado em Filosofia.
O talento e a erudição, as posições políticas e o visual de barba e bandana, tudo isso se mesclava com o confesso gosto pelo tabaco e pelo álcool e o tornava uma figura gigante: meio rebelde, meio intelectual, meio estrela.
Você não pode de forma alguma descartar a hipótese de que algum dia alguém possa se igualar ou superar suas conquistas no campo e fora dele, mas pode demorar um bom tempo para que o próximo médico/ativisita político/ídolo de Copa do Mundo entre em cena. Eles podem até fazer isso com uma barba, cabelo desgrenhado e bandana.
Mas o que é certo é que ninguém vai fazer isso com o estilo de Socrátes. E eles certamente não vão borrifar toques de calcanhar pelo campo quando o fizerem.
Gabriele Marcotti é colunista de futebol global para o The Times of London e também faz aparições regulares na BBC.
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