sábado, 9 de fevereiro de 2013

O PCF e a guerra no Mali

por Greg Oxley [*]
Cartoon de Latuff. A intervenção militar no Mali envolveu a França numa nova guerra imperialista. Por trás das motivações oficiais, esta visa garantir e estender as posições económicas e estratégicas do capitalismo francês naquela região. Além dos seus recursos naturais – actuais e potenciais –, o Mali, terceiro produtor africano de ouro, está rodeado por vários países em que grandes grupos franceses, como a Total e a Areva, estão fortemente implicados. O grupo Areva encontra no Níger um terço das suas necessidades de urânio. A Total explora o petróleo da Mauritânia. O capitalismo francês domina a Costa do Marfim. Com as suas vastas reservas de gás e de petróleo, a Argélia é o primeiro parceiro comercial da França na África. São sobretudo os interesses dos grandes grupos franceses nestes países vizinhos que fazem do Mali uma aposta estratégica importante do ponto de vista do imperialismo francês.

François Hollande saudou a aprovação "unânime" desta guerra tanto na Assembleia Nacional como no Senado. A UMP (direita) e a Frente Nacional (extrema direita) aprovam-na. O Partido Socialista também aprovou. Mas Hollande também pôde contar com o apoio da direcção do nosso próprio partido, o PCF, o que chocou numerosos militantes comunistas. Esta decisão, como em 2001, aquando da invasão do Afeganistão, associa o partido à política imperialista da França diante da opinião pública. Ela vai contra a tradição anti-imperialista e antimilitarista do PCF.

A verdade é a primeira vítima de uma guerra imperialista. A dissimulação dos verdadeiros objectivos das guerras é de importância vital para os imperialistas. O primeiro dever do movimento operário – e do nosso partido em particular – é explicar as suas verdadeiras causas e objectivos. Quanto à guerra no Mali, a direcção do nosso partido fracassou neste dever.

Uma guerra contra o fundamentalismo?

Segundo o governo francês, a intervenção em Mali justificava-se pela ameaça iminente da tomada de Bamaco [a capital] por "fundamentalistas islâmicos". Oficialmente, a intervenção visava portanto bloquear o avanço das milícias islâmicas, destruí-las e proteger assim a população dos seus abusos. Motivações tão nobres são dificilmente criticáveis. O problema é que a explicação oficial é uma farsa. Serve só para mascarar os verdadeiros objectivos desta operação. Cada vez que as potências imperialistas lançam uma guerra, armam-se de pretextos "humanitários" deste género: a guerra contra a Sérvia era para proteger os albaneses, os Estados Unidos invadiram o Iraque para proteger os xiítas e o Afeganistão para proteger a mulher afegã e erradicar o terrorismo; a guerra na Líbia visava impedir um massacre iminente da população de Bengazi. Deveríamos por isso apoiar estas intervenções?

No Mali, a França estaria em guerra contra o jihadismo e a intervenção responderia a um pedido do regime local. No entanto, este regime é uma ditadura militar, culpada, também ela, de numerosos abusos e assassinatos. Mas o governo dá a entender que, em comparação com os jihadistas, a ditadura militar seria um "mal menor". Em contraste, na Líbia, a aviação francesa – em aliança com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – apoiou fortemente milícias jihadistas para derrubar a ditadura de Kadafi. As potências ocidentais coordenaram seus ataques para facilitar os movimentos em terra de grupos como o de Abdel-Hakim Belhaj. Ligado à Al Qaeda, Belhaj tomou o controle de Tripoli após a derrota das forças de Kadafi. Naquela época os media apresentavam-nos estes jihadistas não só como o "mal menor", mas até como autênticos "revolucionários"!

Na Síria, o alinhamento de forças é comparável àquele que prevaleceu durante a guerra na Líbia. Aqueles que os media nos apresentam como "revolucionários" são, no essencial, financiados, armados e enquadrados por agentes da Arábia Saudita e do Qatar. O mesmo François Hollande que justifica a guerra no Mali pela necessidade de bater o "fundamentalismo" faz ao mesmo tempo sermões a favor de uma intervenção militar na Síria a fim de apoiar as milícias fundamentalistas. Ele já concedeu o reconhecimento diplomático da França ao Conselho Nacional Sírio (CNS), cujo componente dominante é nada menos que a Irmandade Muçulmana.

Assim, a França imperialista – da qual Hollande não é senão o executante – não se opõe por princípio ao "fundamentalismo islâmico". Ao contrário, não hesita em apoiar fanáticos fundamentalistas quando isso pode beneficiar seus interesses. Em outras circunstâncias, o imperialismo francês poderia apoiar os jihadistas no Mali, chamando-os oportunistamente de "rebeldes" ou "revolucionários", contra o regime de Bamaco. Mas, neste caso, a guerra actual no Mali é conduzida no interesse dos grandes grupos capitalistas franceses e para contrariar as ambições de seus rivais, nomeadamente, nesta região, o Qatar, que financia milícias (Mujao e Ansar Eddine) para expandir a sua zona de influência e fortalecer a sua posição em futuras "negociações". A intervenção francesa é apoiada pela Arábia Saudita que, apesar de armar e financiar movimentos fundamentalistas por todo o mundo, quer travar a expansão dos interesses do Qatar na África do Norte. O Qatar reforçou consideravelmente as suas posições na Líbia, no Egipto e na Tunísia.

Para tentar justificar a sua posição, a direcção do PCF explica que quaisquer que sejam nossas análises sobre os objectivos reais da intervenção, esta ainda assim permitiu repelir as milícias fundamentalistas, bloqueando seu avanço rumo à capital e libertando várias cidades que estavam sob o seu controle. Estes são factos que ninguém pode negar. Mas o reconhecimento desta realidade não esgota a questão. Se considerarmos a "protecção das populações" contra abusos, e repressões, etc, como um pretexto suficiente para justificar intervenções militares, então seria preciso apoiar e até mesmo exigir intervenções militares em numerosos países do mundo! É verdade que a intervenção francesa repeliu a milícia para o Norte, por enquanto sem grande dificuldade. Ainda que essas milícias continuem a estar omnipresentes no Mali ou alhures – e talvez, conforme as circunstâncias do momento, com o apoio da França! – O seu recuo actual é, por assim dizer, um subproduto de uma intervenção que continua a ser imperialista. Portanto, este recuo dos jihadistas não deveria justificar a caução a esta intervenção pelos dirigentes de nosso partido.

Que fazer?

Isso não impede que a nossa posição sobre a guerra no Mali não possa limitar-se a uma simples oposição de princípio. Muitos camaradas que são contra a intervenção ou que sentem, pelo menos, que algo "não claro" nas justificações oficiais, não querem ver o fundamentalismo propagar-se e instalar-se ainda mais, seja na África ou alhures. Opor-se à intervenção, dizem no essencial, equivaleria a permanecermos passivos perante a ameaça fundamentalista. De facto, a nossa atitude para com a guerra não pode resumir-se a uma espécie de pacifismo passivo. A guerra é um problema concreto que requer uma abordagem política também concreta. Como comunistas, precisamos de um programa de acção contra esta guerra e contra a guerra imperialista em geral, em solidariedade internacionalista com as vítimas de agressões militares – quer das milícias fundamentalistas quer dos exércitos "regulares".

Quais deveriam ser os pontos chave do programa do PCF quanto à guerra no Mali?· Em primeiro lugar, o PCF deveria explicar que para lutar contra o fundamentalismo é preciso começar por atacar os poderosos interesses financeiros e industriais que são os principais fornecedores de armas e equipamentos das milícias, a saber, a Arábia Saudita, o Qatar e os outros países do Golfo. Na guerra contra Kadafi, os haveres do Estado líbio no estrangeiro foram apreendidos sob o pretexto de que os seus recursos iam servir para financiar massacres. Devemos portanto exigir a expropriação em França dos haveres do Qatar – e eles são consideráveis. Os sindicatos do sector bancário deveriam interessar-se pelos movimentos de capitais entre a França e os países promotores do integrismo – e torná-los públicos. O PCF deveria exigir o fim de todas as vendas de armas (aviões, fragatas, sistemas de defesa, etc) assim como a travagem dos programas de treino e outras formas de cooperação militar com os Estados envolvidos.·Nos portos, o partido e a CGT deveriam fazer campanha para convencer os trabalhadores a bloquearem todos os carregamentos militares destinados a Arábia Saudita, ao Qatar, etc. Os trabalhadores dos aeroportos deveriam bloquear os voos das suas companhias aéreas.·Finalmente, os grandes grupos capitalistas que praticam o "terrorismo económico" pilhando os recursos de Mali e que apoiam regimes corrompidos e ditatoriais em toda a África deveriam ser nacionalizados, seus dirigentes afastados, sua gestão reorganizada em bases democráticas e seus recursos utilizados para fins progressistas.

Não esqueçamos, em meio a todos esses cálculos imperialistas, a classe trabalhadora maliana, a juventude e o conjunto do povo explorado e oprimido do país. É preciso estender-lhes uma mão fraternal e internacionalista, na base de uma política independente, ao invés de se atrelar à máquina de guerra imperialista. É aos trabalhadores do Mali que é preciso ajudar. É preciso dar-lhes os meios de se defenderem, não só contra alguns milhões de fanáticos islamistas, como também contra os elementos não menos reaccionários das forças armadas malianas. Este exército mostrou-se incapaz de defender o povo. Seus líderes são corruptos. Deve ser expurgado a partir de dentro e reorganizado em bases democráticas. Os soldados, saídos do povo e vivendo como ele, aliados aos trabalhadores de Bamaco e outras cidades, seriam o melhor baluarte contra o fanatismo armado.

Ao defender a posição de classe e internacionalista que propomos é muito possível o PCF num primeiro momento não fosse seguido, nem em França nem no Mali. O PCF não pode dar uma solução imediata a este problema. Ninguém lhe pede isso. Mas em contrapartida o que se pode fazer, aqui e agora, é explicar os verdadeiros interesses que estão em jogo nesta guerra, dissociando-se completamente da política imperialista da França e das suas justificações falaciosas – e contribuir assim para formar a consciência antimilitarista e revolucionária dos trabalhadores, tanto em França como no Mali.

A intervenção militar francesa não conduzirá a qualquer "estabilização", assim como não o fez na Líbia ou no Afeganistão, assim como a invasão estado-unidense tão pouco "estabilizou" o Iraque. Tanto na Europa como na África, o capitalismo não oferece nenhum futuro aos povos. Ele está na origem dos problemas que se colocam. Mais do que nunca, temos necessidade de um partido que se posicione claramente como o adversário implacável deste sistema e das suas consequências nefastas, tanto em França como no estrangeiro. Devemos nos esforçar por corrigir a política do PCF. Nosso partido deve opor-se à intervenção imperialista no Mali, na base de uma política revolucionária e internacionalista.
02/Fevereiro/2013
Ver também:
  • A invasão real da África não está nos noticiários , John Pilger
  • A guerra no Mali , R. Teichman

    [*] Editor do sítio web La Riposte, de militantes do PCF. O autor é um dos autores da tese "Combater a austeridade e acabar com o capitalismo" (ver texto alternativo do 36º Congresso do PCF ).

    O original encontra-se em http://www.lariposte.com/le-pcf-et-la-guerre-au-mali,1891.html


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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