por Greg Oxley
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
François Hollande saudou a aprovação "unânime" desta guerra tanto na Assembleia Nacional como no Senado. A UMP (direita) e a Frente Nacional (extrema direita) aprovam-na. O Partido Socialista também aprovou. Mas Hollande também pôde contar com o apoio da direcção do nosso próprio partido, o PCF, o que chocou numerosos militantes comunistas. Esta decisão, como em 2001, aquando da invasão do Afeganistão, associa o partido à política imperialista da França diante da opinião pública. Ela vai contra a tradição anti-imperialista e antimilitarista do PCF.
A verdade é a primeira vítima de uma guerra imperialista. A dissimulação dos verdadeiros objectivos das guerras é de importância vital para os imperialistas. O primeiro dever do movimento operário – e do nosso partido em particular – é explicar as suas verdadeiras causas e objectivos. Quanto à guerra no Mali, a direcção do nosso partido fracassou neste dever.
Uma guerra contra o fundamentalismo?
Segundo o governo francês, a intervenção em Mali justificava-se pela ameaça iminente da tomada de Bamaco [a capital] por "fundamentalistas islâmicos". Oficialmente, a intervenção visava portanto bloquear o avanço das milícias islâmicas, destruí-las e proteger assim a população dos seus abusos. Motivações tão nobres são dificilmente criticáveis. O problema é que a explicação oficial é uma farsa. Serve só para mascarar os verdadeiros objectivos desta operação. Cada vez que as potências imperialistas lançam uma guerra, armam-se de pretextos "humanitários" deste género: a guerra contra a Sérvia era para proteger os albaneses, os Estados Unidos invadiram o Iraque para proteger os xiítas e o Afeganistão para proteger a mulher afegã e erradicar o terrorismo; a guerra na Líbia visava impedir um massacre iminente da população de Bengazi. Deveríamos por isso apoiar estas intervenções?
No Mali, a França estaria em guerra contra o jihadismo e a intervenção responderia a um pedido do regime local. No entanto, este regime é uma ditadura militar, culpada, também ela, de numerosos abusos e assassinatos. Mas o governo dá a entender que, em comparação com os jihadistas, a ditadura militar seria um "mal menor". Em contraste, na Líbia, a aviação francesa – em aliança com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – apoiou fortemente milícias jihadistas para derrubar a ditadura de Kadafi. As potências ocidentais coordenaram seus ataques para facilitar os movimentos em terra de grupos como o de Abdel-Hakim Belhaj. Ligado à Al Qaeda, Belhaj tomou o controle de Tripoli após a derrota das forças de Kadafi. Naquela época os media apresentavam-nos estes jihadistas não só como o "mal menor", mas até como autênticos "revolucionários"!
Na Síria, o alinhamento de forças é comparável àquele que prevaleceu durante a guerra na Líbia. Aqueles que os media nos apresentam como "revolucionários" são, no essencial, financiados, armados e enquadrados por agentes da Arábia Saudita e do Qatar. O mesmo François Hollande que justifica a guerra no Mali pela necessidade de bater o "fundamentalismo" faz ao mesmo tempo sermões a favor de uma intervenção militar na Síria a fim de apoiar as milícias fundamentalistas. Ele já concedeu o reconhecimento diplomático da França ao Conselho Nacional Sírio (CNS), cujo componente dominante é nada menos que a Irmandade Muçulmana.
Assim, a França imperialista – da qual Hollande não é senão o executante – não se opõe por princípio ao "fundamentalismo islâmico". Ao contrário, não hesita em apoiar fanáticos fundamentalistas quando isso pode beneficiar seus interesses. Em outras circunstâncias, o imperialismo francês poderia apoiar os jihadistas no Mali, chamando-os oportunistamente de "rebeldes" ou "revolucionários", contra o regime de Bamaco. Mas, neste caso, a guerra actual no Mali é conduzida no interesse dos grandes grupos capitalistas franceses e para contrariar as ambições de seus rivais, nomeadamente, nesta região, o Qatar, que financia milícias (Mujao e Ansar Eddine) para expandir a sua zona de influência e fortalecer a sua posição em futuras "negociações". A intervenção francesa é apoiada pela Arábia Saudita que, apesar de armar e financiar movimentos fundamentalistas por todo o mundo, quer travar a expansão dos interesses do Qatar na África do Norte. O Qatar reforçou consideravelmente as suas posições na Líbia, no Egipto e na Tunísia.
Para tentar justificar a sua posição, a direcção do PCF explica que quaisquer que sejam nossas análises sobre os objectivos reais da intervenção, esta ainda assim permitiu repelir as milícias fundamentalistas, bloqueando seu avanço rumo à capital e libertando várias cidades que estavam sob o seu controle. Estes são factos que ninguém pode negar. Mas o reconhecimento desta realidade não esgota a questão. Se considerarmos a "protecção das populações" contra abusos, e repressões, etc, como um pretexto suficiente para justificar intervenções militares, então seria preciso apoiar e até mesmo exigir intervenções militares em numerosos países do mundo! É verdade que a intervenção francesa repeliu a milícia para o Norte, por enquanto sem grande dificuldade. Ainda que essas milícias continuem a estar omnipresentes no Mali ou alhures – e talvez, conforme as circunstâncias do momento, com o apoio da França! – O seu recuo actual é, por assim dizer, um subproduto de uma intervenção que continua a ser imperialista. Portanto, este recuo dos jihadistas não deveria justificar a caução a esta intervenção pelos dirigentes de nosso partido.
Que fazer?
Isso não impede que a nossa posição sobre a guerra no Mali não possa limitar-se a uma simples oposição de princípio. Muitos camaradas que são contra a intervenção ou que sentem, pelo menos, que algo "não claro" nas justificações oficiais, não querem ver o fundamentalismo propagar-se e instalar-se ainda mais, seja na África ou alhures. Opor-se à intervenção, dizem no essencial, equivaleria a permanecermos passivos perante a ameaça fundamentalista. De facto, a nossa atitude para com a guerra não pode resumir-se a uma espécie de pacifismo passivo. A guerra é um problema concreto que requer uma abordagem política também concreta. Como comunistas, precisamos de um programa de acção contra esta guerra e contra a guerra imperialista em geral, em solidariedade internacionalista com as vítimas de agressões militares – quer das milícias fundamentalistas quer dos exércitos "regulares".
Quais deveriam ser os pontos chave do programa do PCF quanto à guerra no Mali?· Em primeiro lugar, o PCF deveria explicar que para lutar contra o fundamentalismo é preciso começar por atacar os poderosos interesses financeiros e industriais que são os principais fornecedores de armas e equipamentos das milícias, a saber, a Arábia Saudita, o Qatar e os outros países do Golfo. Na guerra contra Kadafi, os haveres do Estado líbio no estrangeiro foram apreendidos sob o pretexto de que os seus recursos iam servir para financiar massacres. Devemos portanto exigir a expropriação em França dos haveres do Qatar – e eles são consideráveis. Os sindicatos do sector bancário deveriam interessar-se pelos movimentos de capitais entre a França e os países promotores do integrismo – e torná-los públicos. O PCF deveria exigir o fim de todas as vendas de armas (aviões, fragatas, sistemas de defesa, etc) assim como a travagem dos programas de treino e outras formas de cooperação militar com os Estados envolvidos.·Nos portos, o partido e a CGT deveriam fazer campanha para convencer os trabalhadores a bloquearem todos os carregamentos militares destinados a Arábia Saudita, ao Qatar, etc. Os trabalhadores dos aeroportos deveriam bloquear os voos das suas companhias aéreas.·Finalmente, os grandes grupos capitalistas que praticam o "terrorismo económico" pilhando os recursos de Mali e que apoiam regimes corrompidos e ditatoriais em toda a África deveriam ser nacionalizados, seus dirigentes afastados, sua gestão reorganizada em bases democráticas e seus recursos utilizados para fins progressistas.
Não esqueçamos, em meio a todos esses cálculos imperialistas, a classe trabalhadora maliana, a juventude e o conjunto do povo explorado e oprimido do país. É preciso estender-lhes uma mão fraternal e internacionalista, na base de uma política independente, ao invés de se atrelar à máquina de guerra imperialista. É aos trabalhadores do Mali que é preciso ajudar. É preciso dar-lhes os meios de se defenderem, não só contra alguns milhões de fanáticos islamistas, como também contra os elementos não menos reaccionários das forças armadas malianas. Este exército mostrou-se incapaz de defender o povo. Seus líderes são corruptos. Deve ser expurgado a partir de dentro e reorganizado em bases democráticas. Os soldados, saídos do povo e vivendo como ele, aliados aos trabalhadores de Bamaco e outras cidades, seriam o melhor baluarte contra o fanatismo armado.
Ao defender a posição de classe e internacionalista que propomos é muito possível o PCF num primeiro momento não fosse seguido, nem em França nem no Mali. O PCF não pode dar uma solução imediata a este problema. Ninguém lhe pede isso. Mas em contrapartida o que se pode fazer, aqui e agora, é explicar os verdadeiros interesses que estão em jogo nesta guerra, dissociando-se completamente da política imperialista da França e das suas justificações falaciosas – e contribuir assim para formar a consciência antimilitarista e revolucionária dos trabalhadores, tanto em França como no Mali.
A intervenção militar francesa não conduzirá a qualquer "estabilização", assim como não o fez na Líbia ou no Afeganistão, assim como a invasão estado-unidense tão pouco "estabilizou" o Iraque. Tanto na Europa como na África, o capitalismo não oferece nenhum futuro aos povos. Ele está na origem dos problemas que se colocam. Mais do que nunca, temos necessidade de um partido que se posicione claramente como o adversário implacável deste sistema e das suas consequências nefastas, tanto em França como no estrangeiro. Devemos nos esforçar por corrigir a política do PCF. Nosso partido deve opor-se à intervenção imperialista no Mali, na base de uma política revolucionária e internacionalista.
02/Fevereiro/2013
Ver também:
[*] Editor do sítio web La Riposte, de militantes do PCF. O autor é um dos autores da tese "Combater a austeridade e acabar com o capitalismo" (ver texto alternativo do 36º Congresso do PCF ). O original encontra-se em http://www.lariposte.com/le-pcf-et-la-guerre-au-mali,1891.html Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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