*** |
Uma paisagem desértica, infinita, um verdadeiro mar de dunas, por onde deslizam caravanas de camelos transportando preciosos bens que vão alegrar a vida de muitos ricos e poderosos em países distantes dali. É assim que imagino como foi a mais exótica rota de comércio do planeta.
Pois é, a Rota da Seda, como ficou conhecida muitos séculos depois, estendia-se por milhares de quilômetros, atravessando desertos escaldantes, oásis, montanhas e desfiladeiros. Muitas cidades e civilizações inteiras prosperaram ao longo desses caminhos, mas também foram testemunhas de inúmeras e devastadoras guerras, invasões, incêndios, destruição e morte. Por muitos séculos mercadores orientais percorreram os caminhos empoeirados, trazendo para os europeus sedas, pedras preciosas, especiarias, corantes e animais exóticos. De volta, levaram as mercadorias que não se dispunha, mais a oriente.
Essa grandiosa rota, que não era apenas uma, mas uma rede com vários itinerários (inclusive marítimos) conectados, ligou o Oriente ao Ocidente levando ao surgimento de cidades únicas, monumentos históricos, hábitos e costumes, como também permitiu a troca de conhecimentos técnicos, científicos, artísticos e religiosos. Enfim, essa rota comercial ajudou, desde os tempos mais antigos, no desenvolvimento de importantes civilizações (na China, Índia, Egito, Pérsia, Roma, entre outras) e contribuiu para a formação do mundo moderno e o enriquecimento cultural do nosso planeta.
Por longos anos, conhecer os países por onde passava a Rota da Seda era praticamente impossível. Mas com o desaparecimento da União Soviética após 1991, a maioria deles ficou mais acessível para estrangeiros. E assim, o desejo de transformar em realidade aquela imagem, verdade seja dita, criada muito pela influência do que li sobre lendas e histórias do Oriente, torna-se a cada dia mais perto de ser realizado.
Os países da Ásia Central, junto com algumas regiões da China, historicamente ligados à Rota da Seda, foram importantes no intercâmbio de bens, tecnologias e idéias naquela época e nos legaram um rico patrimônio artístico, cultural e religioso. Mas enquanto não chega a hora de seguir pela Rota, vou conhecendo, aos poucos, esses lugares por onde ela passou.
Antes, um pouco de História...
Como Tudo Começou
Conta-se que foram os persas, no 6º século a. C, que ao cruzarem as regiões desérticas e montanhosas nas bordas das montanhas do Himaláia para praticarem o comércio, teriam dado início à uma rota comercial. No entanto, do outro lado, no Deserto de Gobi e nos altiplanos da Mongólia, o comércio já era dominado pelos chineses. Com o tempo, o intercâmbio se estabeleceu entre esses dois lados e os locais onde surgiram entrepostos foram se transformando em grandes cidades.
Esse encontro pode ter ocorrido a partir do século 2 a. C., quando o embaixador chinês Zhang Qian visitou os países da Ásia Central em missão diplomática. Até essa época as grandes cordilheiras da Ásia, o Tien Shan, o Kun-Lun, o Karakorum, o Hindu Kush e o Himalaia protegeram a antiga civilização chinesa do resto do mundo.
Uma das tribos nômades aliada dos chineses, após ser expulsa por outra, que era abertamente hostil à China, partiu para o Ocidente. O imperador chinês enviou Zhang Qian ao encontro daquela tribo. Após ter cruzado o deserto de Taklamakan, as montanhas de Tien-Shan, encontrou os ex-aliados nos oásis da Ásia Central.
Zhang Qian ficou espantado com o que viu: apenas o único vale de Fergana tinha mais de 70 grandes e pequenas cidades e assentamentos com os artesanatos e a agricultura desenvolvidos. Os habitantes comercializavam com a Índia, o Oriente próximo e os países do mundo antigo. Quando o chinês voltou para sua terra, contou ao imperador sobre os países que se encontravam a oeste da China e sobre como eram ricos. Disse-lhe sobre os cavalos puros-sangue muito melhores do que os chineses. O imperador desejando ter esses cavalos, uma vez que lhe daria grande vantagem na luta contra os nômades, logo enviou embaixadores para a Ásia Central. Entre outros presentes trouxeram a famosa seda chinesa.
Teria sido assim a forma pela qual as civilizações antigas da Ásia Central, da China e, mais tarde, do Mediterrâneo e da Índia se encontraram.
Idade de Ouro da Grande Rota da Seda
Nos séculos 1 a 3 d.C. a Rota da Seda ligava os quatro impérios antigos mais poderosos - o Império Romano do ocidente, o Império Parta no Médio Oriente, o Império Kushan no sul da Ásia Central e o Império Hang (chinês) no Leste. Embora eles lutassem para dominar os pontos principais do comércio, foi possível para todos eles a manutenção de uma estabilidade da rota.
O comércio internacional se intensificou. A China recebeu da Ásia Central tecidos de lã, tapetes, jóias e cavalos de puro-sangue, e exportou tecidos de seda, ferro, níquel, peles, chás, papel e pólvora. A Índia exportou especiarias e fragrâncias. Da Europa seguiram para o Oriente conhecimentos na medicina, na matemática e astronomia.
A Era do Kanato Turco
No entanto, a situação política mudou. Ocorre a queda do Império Romano do Ocidente, o Império Parta foi substituído pelo Sassânida, os impérios de Kushan e Hang se dividiram em estados menores. A ruptura no funcionamento da Rota da Seda durou até o século 6, quando novas potências começaram a aparecer, em especial as tribos turcas do Altai que se uniram com o povo da Ásia Central para formar o Kanato turco.
Em viagens que duravam meses muitas pessoas se deslocavam ao lado de camelos. Eram mercadores, soldados, peregrinos, embaixadores, emissários, sacerdotes e artistas. Ao longo da Rota construíram cidades, palácios, templos, criaram tendências em música, pintura e arquitetura, introduziram novas visões religiosas trazidas de suas terras natais. Entre os séculos 6 e 8 se expandiram para as regiões nordeste da Ásia Central, Xinjiang, sul da Sibéria, Mongólia, norte da China e no oeste para a Criméia.
O califado árabe, a partir do século 7 conseguiu alcançar um desenvolvimento comercial ativo entre a Índia e a China, por um lado, e os países eslavos, Bizâncio e Europa, por outro. Os descontentamentos políticos não interferiram com as atividades comerciais e os contatos culturais no mundo muçulmano, cujos mercadores operavam ativamente em rotas de caravanas e se estabeleceram em centros comerciais muito além de seu próprio império. Suas comunidades comerciais podiam ser encontradas em toda parte, da Espanha à China, e todo o comércio entre a China e a Mongólia estava sob seu controle.
Genghis Khan, cujos planos eram conquistar a Rota da Seda percebeu que, apesar do impressionante poder militar dos mongóis, seria impossível controlar todas as rotas por muito tempo. Portanto, tendo ocupado a rota norte, começou a destruir metodicamente as cidades árabes e turcas na rota sul. Fazendo isso Genghis Khan tentou parar a intensa troca de mercadorias além de seu controle.
Com o domínio árabe na Ásia Central, o islã passou a ser a religião dominante da Rota. Os mercadores árabes se sobressaíram e o lado chinês passa a ser dominado pelos mongóis, principalmente no século 12, quando Gêngis Khan conquistou toda a região, mandou construir postos de guarda e manteve patrulhas garantido a segurança do caminho, apesar dos saques e destruição que provocou.
Em meados do século 13 e 15, quando a Ásia Central, o Irã e as estepes da Sibéria e Europa Oriental foram governadas pelos sucessores de Genghis Khan, o comércio ativo entre o Oriente e o Ocidente continuou e se intensificou com as caravanas se deslocando entre a China e os países Mediterrânicos.
A seda se tornou o principal produto, objeto de desejo da nobreza européia e cujo segredo de produção era guardado a sete chaves pelos chineses. Do Ocidente partiam produtos de beleza, vidros, diamantes, etc. Porém, foi com esse intercâmbio que o Ocidente tomou conhecimento de invenções que revolucionariam o mundo como a pólvora, o papel e a impressão.
No século seguinte foi a vez de outro poderoso conquistador, Amir Timur (Tamerlão), cujo império compreendia praticamente toda a Ásia Central e a Pérsia. Após aniquilar rotas concorrentes, fez com que todas as outras rotas comerciais se juntassem em Samarkand, a capital do Império. A cidade passou a ser a encruzilhada da Ásia, o centro do continente. Seu plano era que Samarkand, representando seu império poderoso, tornar-se a cidade mais bonita do mundo. Porém seu império não foi muito além de sua morte. Disputas entre descendentes levou à instabilidade política e enfraquecida, a Ásia Central perdeu o controle comercial da Rota.
No início do século 15 a dinastia Ming fechou as fronteiras da China interrompendo a comunicação entre o Oriente e o Ocidente. A principal artéria de comércio da Rota desaparece. Este foi um dos motivos que levaram os europeus a procurar rotas marítimas para continuar com o comércio entre o Ocidente e o Oriente.
Com as descobertas das rotas marítimas no final do século 15 e início do século 16, as rotas intercontinentais de comércio terrestre caíram em decadência. A velocidade do transporte marítimo, a possibilidade de transportar mais mercadorias, o relativo baixo custo do transporte resultou no declínio da Rota da Seda. Embora algumas de suas rotas, especialmente aquelas nas áreas das altas montanhas, conectando Tadjiquistão, Afeganistão, China, Paquistão e Índia, continuassem resistindo até o começo do século 20.
O desaparecimento da principal rota de comércio causou o grande declínio, nos séculos seguintes, dos países e populações situados ao longo desses caminhos.
Com a queda dos timúridas, a Ásia Central foi dividida em cidades-estado governadas por muçulmanos conhecidos como khans (Kanatos). As mais poderosas foram Khiva e Bukhara. Foi um domínio que se prolongou até finais do século 19, quando toda a região passou a ser controlada pelos russos.
Na segunda década do século 20 essa área foi dividida de acordo com os interesses políticos dos governantes soviéticos, sem respeitar língua, hábitos, costumes, cultura e religião das diversas etnias que há séculos viviam nessa área. Não é de estranhar a rapidez com que se deram as declarações de independência das diversas repúblicas que faziam parte da URSS, quando esta foi declarada extinta em 1991.
A Rota para aventureiros do passado
Grande exércitos na Antiguidade e no Período Medieval cruzaram e dominaram esses caminhos. Do Ocidente para o Oriente e vice-versa foram Ciro, Alexandre, Genghis Khan, Tamerlão, entre outros. Mas foi sob o período do domínio exclusivo dos mongóis que a Rota teve um intenso intercâmbio de mercadores e emissários europeus. Bastava pagar as taxas que era permitida a livre passagem dos mercadores. É dessa época que parte de Veneza o jovem Marco Polo, mercador, explorador e viajante que chegou à China e relatou com detalhes (e também imaginação) suas aventuras pela região central da Ásia e Extremo Oriente.
Por paisagens inóspitas os produtos eram transportados até portos da Síria e Turquia, de onde iam de navio até Veneza, para de lá serem distribuídas por toda a Europa. Dessa forma comerciantes persas, chineses, árabes ou europeus, soldados, aventureiros, peregrinos ou nômades percorreram a pé, ou em lombo de animais, o famoso caminho entre desertos, montanhas e rios, promovendo o intercâmbio entre civilizações, de religiões e costumes.
Não sendo um único caminho, mas vários, a Rota da Seda foi responsável pelo intercâmbio entre os dois lados do planeta. Iniciada séculos antes de Cristo essa conexão ainda é, nos dias de hoje, um desafio para quem deseja enfrentá-la.
A Rota para os aventureiros e viajantes dos nossos dias...
Apesar das rotas comerciais existirem há séculos, o termo Rota da Seda foi empregado pela primeira vez pelo arqueólogo alemão Ferdinand Von Richthofen, no século 19, para denominar esse conjunto de caminhos que ligava a costa do mar Mediterrâneo a Xiang, na China, atravessando 7 mil quilômetros entre os territórios dos atuais Iraque, Irã, Turcomenistão, Uzbequistão, Afeganistão e Paquistão. O percurso coincide com o caminho natural que corta a Ásia longitudinalmente, margeando altas cadeias de montanhas, desertos e mares.
Recheada de lendas, mitos e exotismo, sempre despertou a curiosidade de aventureiros e viajantes. No entanto, o convívio entre os povos dessa região foi marcado por guerras e conflitos, que além da própria geografia (desertos, altas montanhas, temperaturas extremas, etc) dificultava ou ainda dificulta o seu acesso. Porém, mais recentemente, tem sido menos complicado para se percorrer, pelo menos em parte, alguns dos seus caminhos. Principalmente com o desaparecimento da URSS e independência de algumas de suas repúblicas (a partir de 1991) que foram grandes entrepostos comerciais.
É quase impossível percorrer toda a lendária Rota da Seda. Principalmente por existirem países que se mantêm em guerras e conflitos religiosos e/ou étnicos. Porém, como sonhar não custa nada e montar roteiros é um dos meus melhores passatempos, começo a elaborar um, que de tão grandioso, é provável que também se torne impossível de realizá-lo. Mas, se não todo, pelo menos em partes...por que não?