“Acabou o Pinheirinho, entendeu? Isso aqui é propriedade privada, entendeu?” O segurança dirige-se a três homens que saíam do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, que já foi um bairro pobre de São José dos Campos, com casas, bares, igrejas, jardins e ruas, hoje desfeito em escombros.
Revistados, os três levavam abacates, abundantes ali. “Isso é furto, entendeu?”, discursa o segurança, mão direita sobre o cinto da calça, onde prendia o spray de pimenta. “Na próxima, levo vocês para o DP, entendeu?”
Acabou mesmo o Pinheirinho, onde chegaram a viver 9.000 pessoas, expulsas de suas casas no dia 22 de janeiro, em uma ação de reintegração de posse. Na sexta-feira, homens instalavam mourões para cercar a área. “A partir de amanhã, ninguém entra aqui sem autorização”, disse um dos seguranças.
Por LAURA CAPRIGLIONE
MARLENE BERGAMO
ENVIADAS ESPECIAIS A S.J. DOS CAMPOS
Veja também artigo de Janio Freitas da Folha de S.Paulo sobre a matéria
No chão de outrora
Obrigação do jornalismo raras vezes praticada pelos jornalistas, o retorno ao fato “encerrado” para verificar seus seguimentos (todos o têm, com menor ou maior interesse) fez com que Laura Capriglione e Marlene Bergamo recuperassem, pairando sobre os escombros do Pinheirinho, as muitas dívidas que as autoridades e nós outros temos com as 9.000 vítimas da brutalidade tsunâmica naquela falsa “recuperação de posse”.
Os escombros das vidas vividas no Pinheirinho estão largados nos “abrigos” de quem, roubada sua moradia pela violência que se utiliza do nome da Justiça, espera pela prometida.
A anterior, cada família a fez com as próprias mãos. A próxima, se houver, será obra de uma empreiteira que aí colherá lucros extraídos de impostos pagos ao governo paulista. Inclusive pelos próprios desintegrados na reintegração do Pinheirinho. A engrenagem é diabólica.
E o que foi feito até agora do prometido? Não se sabe. Quem faz aquele tipo de reintegração de posse não é de dar informações de seus atos e compromissos públicos.
Nisso, porém, proporcionam uma oportunidade de quitarmos alguma coisa da nossa dívida: no papel de intermediários, dos cobradores chatos que ajudam a corroer, por muito pouquinho que seja, o esquecimento com que os grandes devedores querem acobertar os seus compromissos e as suas dívidas.
Há 22 dias, numerosos meios de comunicação exibiram a façanha policial de espancamento, a cassetete, de um homem sozinho, desarmado, mãos erguidas ao ver o grupo dos que andavam em direção oposta, paramentados como astronautas armados.
Geraldo Alckmin, acossado pela repercussão das imagens, prometeu investigação imediata do ocorrido. A investigar, mesmo, só havia a identidade do homem derrubado a porretadas e a dos facinorosos que o atacaram.
Mais de três semanas para fazê-lo – e nada. Diante disso, vale a pena questionar as investigações mais gerais? Aquelas que, no dizer de Geraldo Alckmin, começariam por um inquérito imediato sobre a ferocidade policial, e seus chefes, entre o ataque de surpresa às 6h da manhã e o último pedaço de casa ou de móvel a ser estraçalhado.
À falta do que dizer sobre a tal investigação, sobra o que dizer sobre a própria falta. Não se soube de providência alguma de Geraldo Alckmin, e também nada se soube da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, cuja secretária, Maria do Rosário, manifestou seu horror ao ocorrido e comprometeu-se publicamente com as providências adequadas às suas obrigações.
Nada, porém. E nada das demais secretarias da Presidência também prontas a aparecer com as críticas óbvias e as medidas respectivas.
Uma providência, a rigor, uma houve. Laura e Marlene saíram do território de destroços informadas de que, a parir de ontem, os ex-moradores estão proibidos de voltar aos seus restos para garimpar uma ou outra coisinha.
Quem sabe até um brinquedinho de plástico ou uma peça de roupa, entre aqueles pedaços de suas vidas que logo vão ajudar a preencher o solo da especulação imobiliária.
Fonte: Folha.com e da Folha de S.Paulo
Via http://cspconlutas.org.br
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