domingo, 13 de outubro de 2013

CHACINA QUE O MUNDO TODO VIU MENOS OS BRASILEIROS...

Imagem Página

Genocidio no Brasil, Campo de concentração em Minas Gerais,  aquela que depois se tornaria o grande ícone da imprensa no Brasil da um show de desinformação; estrangeiros vem no Brasil, filmam tudo e as imagens rodam o mundo. 

Tibet_blog_3.jpg

O grande ícone da grande imprensa brasileira, estrategicamente, acusa erroneamente garimpeiros brasileiros da chacina mobilizando a opinião pública mundial contra o Brasil. A justiça brasileira investiga e, um mês depois, descobre que a culpa são de empresas como a Arruda e Junqueira, empresas terceirizadas por Nelson Rockefeller e pela CIA para o extermínio generalizado de centenas de tribos que vivem em regiões de interesse de mineradoras internacionais. Mas isso não é transmitido para o mundo e nem para o Brasil. Segundo decisão dos donos da grande emissora "para não gerar uma visão negativa do Brasil do exterior". 
 
 O ano é 1963. O padre Edgar Smith recebe em seu confessionário o genocida Ataíde Pereira que prevendo a morte breve e atormentado pelos crimes que havia cometido procura o padre para confessar seus pecados e tentar de alguma forma mudar o rumo das coisas. Todos seus companheiros já estão mortos, o chefe da expedição, Francisco Brito, o piloto do avião que bombardeara a tribo e até o próprio padre Edgar estariam mortos algumas semanas mais tarde. Além disso não havia recebido os quinze dólares prometidos pelo serviço. O padre convenceu Pereira de repetir sua confissão em um gravador e entregou a fita ao SPI, Serviço de Proteção ao Indio. O caso foi abafado no Brasil mas não no mundo. Finalmente, com toda a pressão internacional o caso chega ao procurador geral de justiça que pede uma investigação completa do caso. 
As provas do genocidio são incontestáveis, 20 volumes de provas são coletados e acusam que entre 1957 e 1968 cerca de 100 mil indios foram assassinados por mineradoras estrangeiras. 
Os que não resistiram a ocupação, tiveram a vida poupada e foram levados para Crenaque em M.G. onde existia um enorme campo de concentração onde mais alguns milhares morreriam de fome e maus tratos. O detalhamento do genocidio é chocante, os Nambikuaras haviam sido mortos com metralhadoras, os Pataxós com variola inoculada no lugar de vacinas, os Canelas mortos por jagunços, os Maxakalís drogados e mortos a tiros, os Beiços de Pau receberam alimentos com formicida e arsênico. 
Todas as tribos estudadas pelo SIL haviam sido mortas, o Instituto Summer de Linguistica aprendia a lingua da tribo o suficiente para dar alternativa aos indios. Ou eles fugiam para o campo de Crenaque ou morreriam. Trechos da confissão de Pereira mostram como era a vida do matador. ..." estavamos com bastante medos uns dos outros. Nesse tipo de lugar, as pessoas atiram umas nas outras e são alvejadas, pode-se dizer, sem saber a razão. Quando abrem um buraco em você , eles tem mania de enfiar uma flecha na ferida, para colocar a culpa nos indios..." 
As próximas vítimas eram os Cintas-Largas, uma pequena tribo indígena da Amazônia brasileira que havia cometido o erro de se instalar sobre uma mina de nióbio e se recusavam a sair. O depoimento de Pereira, da chacina dos cintas largas mosta como era o cotidiano desses matadores. Após metralhar toda tribo haviam sobrado somente uma jovem menina e uma criança que chorava abraçada a menina no centro da aldeia. Os matadores pedem pela vida da menina alegando que pode ser usada para prostituição. ..." Chico atravessou a cabeça da criança com um tiro, ele parecia descontrolado ficamos muito assustados. Ele amarrou a garota índia de cabeça para baixo numa árvore, as pernas separadas, e a rasgou ao meio com o facão. Quase com um único golpe, eu diria. A aldeia parecia um matadouro. 
Ele se acalmou depois de cortar a mulher e nos disse para queimar as cabanas, jogar os corpos no rio. Depois disso, pegamos nossas coisas e retomamos o caminho de volta, tomando cuidado para esconder nossas pegadas. Mal sabia que um dia a pegada a ser apagada seria ele. No fim foi provado que o SPI estava diretamente envolvido nas chacinas com a distribuição de roupas contaminadas por variola, alimentos envenenados, crianças escravizadas, mulheres prostituidas e muito mais. Dos 700 funcionários 134 foram processados mas todos perdoados na ditadura, foram então treinados pela CIA aos moldes da Policia Tribal do Departamento de Assuntos Indios(BIA) dos EUA e colocados sob a chefia do ex-chefe do serviço militar de informações. Assim por mais alguns anos a FUNAI adotou a politica de arrendar terras indigenas para empresas mineradoras, encaminhando os índios para morrerem em Crenaque. 
Os militares do ministério do interior cooperavam com a agência americana de pesquisa geológica mapeando a Amazônia. Trechos do livro Seja Feita a Vossa Vontade de Gerard Colby com Charlotte Dennett. A grande e maior rede de TV do Brasil é  uma ferramenta criada pela CIA para esconder a operação Brother Sam e a extração de niobio do Brasil. Através de Nelson Rockefeller a CIA obtém, usando a CBMM do falecido amigo e sócio, Walter Moreira Salles o nióbio de Araxá praticamente de graça. 
Quando Getulio Vargas, descobriu e tentou interromper esse processo foi deposto no golpe militar que levaria a sua morte. Quando Jango descobriu, cassou a Hanna Mineradora e anunciou as reformas de base também morreu. Em todos esses momentos Moreira Salles estava presente. Agora que o Ministério Público começou a investigar a relação desta emissora com a CBMM surgiu a PEC 37. Se não colar, os tumultos estão ai nas ruas, como o IPES fez em 1964 criando o caos para justificar a intervenção militar. 
Não podemos fazer protestos violentos e a razão da luta não pode ser aumento do preço da passagem e sim o fim da exploração oculta do nióbio. Isso é a origem de todo problema. Precisamos mostrar aos EUA que nós sabemos o que está se passando para que ele libere ainda mais a famosa emissora e grande rede de TV brasileira da obrigação de nos manter desinformados, sempre sabotando o QI dos brasileiros com programas alienativos, condenando ao esquecimento nossos heróis e politicos honestos e escondendo o extermínio sistemático dos nossos índios para beneficiar as empresas estrangeiras, facilitando seus interesses, até  tomarem posse de suas terras sem serem notadas. 
Acorda Brasil !
Fonte: http://joaosilvio.blogspot.com.br/

sábado, 12 de outubro de 2013

WWF APONTA CUBA COMO ÚNICO PAÍS COM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Cuba é o único país do mundo com desenvolvimento sustentável, segundo o relatório bienal apresentado hoje pela organização WWF em Pequim, e que afirma que o ecossistema "está se degradando a um ritmo sem precedentes na história".
De acordo com o relatório, elaborado pela WWF a cada dois anos e que foi apresentado pela primeira vez na capital chinesa, se as coisas continuarem como estão, por volta de 2050 a humanidade precisaria consumir os recursos naturais e a energia equivalente a dois planetas Terra.
É um círculo vicioso: os países pobres produzem um dano per capita à natureza muito menor, mas, à medida que vão se desenvolvendo (exemplos de China e Índia), o índice vai aumentando a níveis insustentáveis pelo planeta.
A WWF elaborou em seu relatório um gráfico no qual sobrepõe duas variáveis: o índice de desenvolvimento humano (estabelecido pela ONU) e o "rastro ecológico", que indica a energia e recursos por pessoa consumidos em cada país.
Surpreendentemente, apenas Cuba tem nos dois casos níveis suficientes que permitem que o país seja considerado que "cumpre os critérios mínimos" para a sustentabilidade.
"Não significa, certamente, que Cuba seja um país perfeito, mas é o que cumpre as condições", disse à Efe, Jonathan Loh, um dos autores do estudo.
"Cuba alcança um bom nível de desenvolvimento, segundo a ONU, graças a seu alto nível de alfabetização e expectativa de vida bastante alta, enquanto seu 'rastro ecológico' não é grande, por ser um país com baixo consumo de energia", acrescentou Loh, que apresentou o estudo em Pequim.
De fato, a região latino-americana em geral parece ser a que está mais perto da sustentabilidade, já que outros países como Brasil ou México estão perto dos mínimos necessários, frente à situação de regiões como África -- com baixo consumo energético, mas muito subdesenvolvida -- e Europa, onde ocorre o inverso.
"Não sei exatamente a que se deve este fato (a boa situação da América Latina), mas é possível perceber que é ali onde as pessoas parecem mais felizes, e talvez se deva ao maior equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente", disse o autor do estudo.
Apesar das boas vibrações transmitidas pelo bloco latino, a situação global mostrada pelo relatório da WWF é desanimadora. Por exemplo, o número de espécies de animais vertebrados caiu 30% nos últimos 33 anos.
O rastro deixado pelo homem é tamanho que "são consumidos recursos em tempo muito rápido, que impede a Terra de recuperá-los", disse o diretor-geral da WWF, James Leape, que também participou da apresentação do relatório em Pequim.
O "rastro ecológico" do homem, seu consumo de recursos, triplicou segundo a WWF entre 1961 e 2003, por isso o ser humano já pressiona o planeta 25% a mais do que o processo regenerativo natural da Terra pode suportar.
Além disso, há uma piora da situação, apesar de esforços como o Protocolo de Kioto. No relatório da WWF anterior, publicado em 2004, o impacto do homem ultrapassava em 21% a capacidade de regeneração do planeta.
O novo relatório da organização coloca na "lista negra" de países com alto consumo per capita de energia e recursos os Emirados Árabes Unidos, EUA, Finlândia, Canadá, Kuwait, Austrália, Estônia, Suécia, Nova Zelândia e Noruega.
O fato de o relatório ter sido apresentado na China mostra a importância que a WWF dá ao futuro da economia asiática, pois a forma como escolher se desenvolver "é fundamental para que o mundo avance rumo ao desenvolvimento sustentável".
Apesar de China ser o segundo maior emissor mundial de gases poluentes, devido à grande população seu "rastro ecológico" per capita é muito baixo em comparação aos países mais desenvolvidos, o que ocorre também no caso da Índia.
O especialista Jiang Yi, da universidade pequinesa de Tsinghua, disse no ato realizado em Pequim que uma das chaves para melhorar o consumo de recursos e energia na China é "desenvolver um sistema rural de equilíbrio energético" e investigar alternativas de calefação e ar condicionado para as casas chinesas.

Professor que assumiu homossexualidade é apedrejado até a morte

professor homossexual apedrejado tocatins
Professor que havia assumido a homossexualidade recentemente é apedrejado até a morte (Foto: Dermival Pereira, Rede TO)

A hipótese de crime homofóbico está sendo investigada pela polícia. Aluna contou que o professor era uma pessoa divertida e que amava o que fazia. "Ontem, durante a aula, ele estava tão alegre; falou que iria viajar, é inacreditável"
Foi encontrado morto no começo da manhã desta sexta-feira, 11, no fundo da Escola de Tempo Integral (ETI) Eurídice de Melo, no Jardim Aureny III, em Palmas, o professor Arione Pereira Leite, de 56 anos. Ele foi apedrejado na cabeça, sofreu afundamento craniano e morreu no local.
O corpo estava próximo ao carro da vítima, na Rua 26. Uma das três filhas de Arione foi até o local e fez a identificação do cadáver, uma vez que não foram encontrados documentos pessoais com o professor. De acordo com a Polícia Militar (PM), a pedra usada no crime tinha cerca de 15 cm de diâmetro.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado e após a confirmação da morte do professor, o corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) da capital. A lideração deve ocorrer nas próximas horas.
Natural da cidade de Novo Acordo, Arione morava na quadra 1.104 sul e dava aulas de português na Escola Municipal Aurélio Buarque, onde trabalhava há 5 anos. Segundo amigos, ele havia assumido a homossexualidade recentemente. A hipótese de crime homofóbico está sendo investigada pela Divisão de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
Abalada, Bethânya Gabrielle, que era aluna da vítima, contou, em entrevista à REDE TO, que Arione era uma pessoa divertida que amava o que fazia. “Ontem durante a aula, ele estava tão alegre; falou que iria viajar, é inacreditável”, disse.
O presidente do Grupo Ipê Amarelo pela Livre Orientação Sexual, Henrique Ávila, afirmou que só este ano, foram três homicídios motivados por razões homofóbicas na capital tocantinense. “Estamos entristecidos com a notícia e isso só reforça a necessidade do governo em criar medidas emergenciais para o fim da homofobia em nosso estado, pois os crimes de ódio só estão aumentando e o governo não toma uma postura diante de tudo”, afirmou.

O inconsciente mutilado da mulher negra

por  


Por Márcia Santos Severino para as Blogueiras Negras
O racismo no Brasil aponta duas representações do negro: uma como exótico-sensual, que atrai e dá prazer e outra como exótico-violento que gera repulsa e dá medo (SANTOS, 2004, p.30).
Essas duas formas de representação também são elementos da ideologia racista e é interessante que as analisemos do ponto de vista da mulher negra. Com efeito, a mulher negra é um ser que possui grande sofrimento ontológico. Carrega consigo os “pesares” de ser negra em uma sociedade racista e mulher em uma sociedade patriarcal além de, na grande maioria das vezes, ser pobre em uma sociedade de classes.
A análise da autora Gislene Aparecida dos Santos nos coloca interessantes elementos de análise acerca dos processos que envolvem a psiquê da mulher negra. A partir das considerações da autora inseriremos um conceito muito usado em psicologia. Trata-se do conceito de arquétipo. Segundo analistas junguianos, um arquétipo pode ser vivenciado de forma tanto positiva quanto negativa.
Quando atuam de modo positivo, os arquétipos estão por trás de toda realização humana criativa no âmbito da cultura. Já a forma negativa pode se traduzir em termos sociais como uma possessão, fanatismo cego, e rigidez ideológica . Isto demonstraria o potencial para uma profunda investigação antropológica baseado na percepção das formas como são vividos cada arquétipo e desdobramentos das nossas ações nas diferentes sociedades e culturas, já que os ciclos vitais das culturas são determinados por formas arquetípicas. Cada cultura poderia estar atualizando determinados arquétipos (MARIE-LOUSIE VON FRANZ apud SANTOS, 2004, p. 36).
O conceito de arquétipo é aqui inserido para a análise de um conto de fadas muito lido pelas crianças e que nos dá pistas de como a psiquê da mulher negra é afetada pela ideologia racista.
No conto “A borralheira”, lido e usado como arquétipo mundialmente por várias crianças, principalmente meninas, três irmãs brigam entre si pelo amor do príncipe encantado. A cinderela ou borralheira é renegada pelas irmãs, pela madrasta e pelo próprio pai que não a defende, mas ao cabo consegue ficar com o príncipe. O nome original da personagem vem do francês Cendrillon e faz alusão a alguém que vive entre as cinzas. Como borralheira executava todas as funções domésticas da casa, obrigada pela madrasta e pelas irmãs, as cinzas do fogão escureciam sua pele e, por esse fato, ela era obrigada a dormir e viver longe do restante da família. O interessante é observarmos a analogia que Gislene Santos faz entre esse conto e a situação, por exemplo, das escravas no período colonial e das empregadas domésticas nos dias atuais.
Os piores lugares das casas costumam ser destinados aos empregados. Quanto mais indignos forem considerados, mais distantes dos olhos dos donos das casas devem estar. Foi assim que, no Brasil colonial, Gilberto Freyre demonstrou que as escravas mais claras poderiam viver dentro da casa-grande, enquanto as mais escuras deveriam habitar as senzalas. A separação do espaço geográfico das casas e dos prédios de acordo com a cor da pele ainda se faz presente nos aposentos de empregadas, nos elevadores de serviço (mesmo que proibidos). No Brasil, sabemos que grande parte dos empregados domésticos e empregadas domésticas é negra. (SANTOS, 2004, pp. 41-42).
Gislene Santos considera que o conto faz uma analogia não só aos aspectos psíquicos, mas também aos aspectos sociais e atenta para o fato de que borralheira foi excluída pelas suas irmãs (as demais mulheres) e por seus pais (a sociedade e a cultura) (SANTOS, 2004). Daí podemos constatar, inclusive, que a busca pelo objeto amoroso branco de que falaremos a seguir também leva as mulheres negras a uma certa rivalidade.
Após se limpar se seus borralhos e se cobrir de ouro e prata, borralheira consegue conquistar e casar com o príncipe branco. Esse fator também é essencial para que entendamos porque o inconsciente da mulher negra é mutilado após um processo de mutilação de seu próprio corpo que será mais bem analisado adiante.
Gislene Santos também cita a autora Neusa Souza para nos apontar a diferença que há entre a borralheira e suas irmãs. Na verdade as irmãs a invejam porque ela possuiria o privilégio de ser mais completa ao se casar com o príncipe branco. Isso evidencia que a escolha do objeto amoroso também é uma forma de realização do Ideal de Ego (SANTOS, 2004).
Um objeto que, por suas características, possa ser o substituto do Ideal irrealizável. Um parceiro branco com quem o negro – através da intimidade da relação afetivo-sexual – possa se identificar e realizar o Ideal de Ego inatingível [...] O parceiro branco é transformado em instrumento tático, numa luta cuja estratégia é cumprir os ditames superegóigos, calcados nos valores hegemônicos da ideologia dominante (SOUZA apud SANTOS, 2004, p. 53).
Por seu lado, o homem negro também busca realizar o seu Ideal de Ego buscando na mulher branca o seu objeto amoroso, no entanto, as complexas relações de gênero que envolvem os relacionamentos inter-raciais (tanto do homem negro com a mulher branca, como da mulher negra com o homem branco) dão conta de que a mulher negra sofre sempre uma dupla rejeição: por parte do homem negro que a rejeita por ela não representar seu Ideal de Ego e sua possibilidade de ascensão social (possibilidades essas que ele pode encontrar na mulher branca), como pelo homem branco que vê nela apenas uma representação exótico-sensual.
A mulher negra ocupa um lugar de destaque no imaginário do homem branco. Ela é, ao mesmo tempo, um objeto de desejo e um ser que está fora de seu campo de expectativas mais duradouras. O exotismo que a cerca e a carga histórica que pesa sob seus ombros limitam suas possibilidades de ação. Ao toparem com um branco, poucas conseguem um relacionamento para além do sexo (FRENETTE apud SANTOS, 2004, p. 57).
As complexas relações de gênero que há nas relações inter-raciais, principalmente no Brasil, e especificamente na relação da mulher negra com o homem branco, assumem um aspecto diferenciado das demais localidades, pois no Brasil desde a época colonial, existe o que Dussel denominou de patriarcalismo paternalista que poderia ser identificado com a figura do senhor de engenho (DUSSEL, …). Sabemos que a relação do senhor de engenho com a escrava negra era construída sobre bases opressivas. Além de muitas vezes fundamentada no estupro, os frutos das relações do senhor de engenho com a escrava não eram, obviamente, assumidos. Muitas vezes os filhos dessas relações se transformavam nos futuros opressores de escravos, visto que, atingindo a idade adulta eles poderiam se tornar capatazes e trabalhar para seu próprio pai.
Dessa maneira, a opressão de gênero sobre a mulher negra assume matizes diferenciados da opressão patriarcal sobre a mulher branca desde a época colonial e encontramos o ranço dessas relações nos dias atuais em nossa sociedade. O senhor de engenho não assumia seus filhos, mas transformava-os em mão-de-obra para dar continuidade à repressão aos negros. O paternalismo como fenômeno político opera de forma bastante parecida, pois, o paternalista é a um só tempo pai de todos e pai de ninguém. Daí o entendimento que podemos conferir ao conceito de Dussel.
Talvez essa seja a pista para entendermos, nos dias atuais, porque a maioria das mães solteiras e das mulheres que sofrem complicações com a prática do aborto clandestino são negras. Um estudo da UFRJ com dados coletados entre 1999 e 2005 revela que entre 565 vítimas de aborto nesse período, 50,6% são mulheres negras e pardas . Segundo dados da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2007, 60% das famílias sem rendimentos são chefiadas por mulheres negras. Esses dados apontam para um círculo vicioso, dado que os filhos dessas mulheres acabam sendo os futuros jovens que serão vítimas da violência no país. Esses dados mostram um grande entrave para a tomada de consciência negra. Segundo Dussel, a família seria um local privilegiado para a tomada dessa consciência, a exemplo do que parece ocorrer entre as famílias negras nos E.UA.
A afirmação psicológica do afro-americano é, então, essencial. É necessário destruir o “Ideal do Eu” como ideal do branco, do senhor, da cultura dominada por outras raças. É necessário construir um novo “Ideal do Eu”, onde a raça negra seja “vivida” psicologicamente, desde a infância como um valor, uma honra, uma herança histórica. Para isto urge uma árdua tarefa educativa, sobretudo na família, lugar do Eros, da afetividade, da reta liberação da libido não traumática (DUSSEL, …, p. 225).
Foto: Ligiane Braga
Sabemos que essa não é a realidade da maioria das famílias dos jovens negros. Basta ouvir as letras do grupo de rap Facção Central e ver as notícias que apontam para o extermínio da juventude negra no país.
Foto: Ligiane Braga
A busca do objeto amoroso branco, com vistas a atingir o Ideal de Ego branco também pode ser vista como uma reprodução, por parte da mulher negra, da ideologia do “embranquecimento”. 


Assim, busca-se um parceiro branco para que a próxima geração seja “menos negra” e assim por diante. Isso deve ser encarado não como uma simples reprodução do racismo, mas também como uma forma atenuadora do sofrimento. Por saber da complexidade e do sofrimento que é ser negro em uma sociedade racista, a mulher negra busca atenuar esse sofrimento em seus filhos gerando crianças “mais claras” ou “menos negras” como já dito acima.
O que o conto de fadas “A borralheira” também nos denota é que a mutilação é usada pela mulher negra para que ela possa ser aceita no mundo branco (SANTOS, 2004, p. 46). No conto, isso é expresso através das irmãs de borralheira que cortam os dedos e o calcanhar para caber no sapato e, assim, conquistar o príncipe branco. A própria borralheira só é aceita pelo príncipe porque os “artifícios” e a cosmética a livram de seus borralhos.
Com efeito, o conceito de “boa aparência”, no Brasil, significa brancura ou algo que é restrito aos brancos (SANTOS, 2004). As formas de mutilação não só do corpo como também, por corolário, do inconsciente da mulher negra se expressam nessa busca aparência “menos negra”.
Sem a mutilação do corpo, a mulher negra “padeceria” de uma “má aparência crônica”. A cosmética a tornaria mais aceitável ou diminuiria o grau de rejeição de seu corpo negro, de seu cabelo crespo, seu nariz, sua boca [...] Seria possível a uma mulher negra, sem a máscara da cosmética, almejar a menor aceitação na sociedade branca? (SANTOS, 2004, p. 46).
Com esse questionamento terminamos por aqui, porém sem um ponto final, a proposta de reflexão sobre as angústias e aflições que atingem o dia a dia de nós mulheres negras. Esperamos que essa simples reflexão sirva para a tomada de consciência das mulheres acerca da carga social e histórica que nos aflige.
PODER PARA O POVO PRETO.
Referências
[1] Aqui o termo ideologia toma o significado clássico marxista que, grosso modo, significa mascaramento da realidade.
[2] Aqui o conceito de Ideal de Eu pode ser identificado com o conceito de Ideal de Ego havendo simplesmente uma tradução diferenciada do termo em textos diferentes.
DUSSEL, Enrique. Racismo, América Latina negra e teologia da libertação. In: Escravidão Negra e História da Igreja na América Latina e no Caribe. 1 ed. São Paulo: Vozes, 1987.
SANTOS, Gislene A. Mulher negra, homem branco. 1 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
SOUZA, Neusa S. Tornar-se negro: As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Black Blocs: A origem da tática que causa polêmica na esquerda



Foto da página do Black Bloc SP
“O balancê, balancê. Escute o que vou te dizer. Geraldo fascista, vai se foder e leva o Cabral com você.” (Cantado por manifestantes em São Paulo)
Black blocs, lições do passado, desafios do futuro
Por Bruno Fiuza*

Especial para o Viomundo
Uma das grandes novidades que as manifestações de junho de 2013 introduziram no panorama político brasileiro foi a dimensão e a popularidade que a tática black bloc ganhou no país.
Repito: dimensão e popularidade – pois, ao contrário do que muita gente pensa, esta não foi a primeira vez que grupos se organizaram desta forma no Brasil, e muito menos no mundo.
Aliás, uma das questões que mais saltam aos olhos no debate sobre os black blocs no Brasil é a impressionante falta de disposição dos críticos em se informar sobre essa tática militante que existe há mais de 30 anos.
É claro que ninguém que conhecia a história da tática black bloc quando ela começou a ganhar popularidade no Brasil esperava que os setores dominantes da sociedade nacional tivessem algum conhecimento sobre o assunto.
Surgida no seio de uma vertente alternativa da esquerda europeia no início da década de 1980, a tática black bloc permaneceu muito pouco conhecida fora do Velho Continente até o fim do século XX.
Foi só com a formação de um black bloc durante as manifestações contra a OMC em Seattle, em 1999, que as máscaras pretas ganharam as manchetes da imprensa mundial.
Natural, portanto, que muita gente ache que a tática tenha surgido com o chamado “movimento antiglobalização” e tenha se baseado, desde o início, na destruição dos símbolos do capitalismo.
O que realmente assusta é a ignorância e a falta de disposição de se informar sobre o assunto demonstradas por certos expoentes e segmentos da esquerda tradicional brasileira.
O desconhecimento e a falta de informação levaram grandes representantes do pensamento crítico brasileiro ao extremo de qualificar a tática black bloc de “fascista”.
Ao se expressarem nesses termos, esses grandes lutadores, que merecem todo o respeito pelas inúmeras contribuições que deram à organização da classe trabalhadora no Brasil ao longo de suas vidas, caíram na armadilha de reproduzir o discurso da classe dominante diante de toda forma de contestação da ordem vigente que não pode ser imediatamente enquadrada em categorias e rótulos familiares.
Ao não compreenderem a novidade do fenômeno tentaram enquadrá-lo à força em esquemas conhecidos.
Fetichização
Essa incompreensão aparece, de cara, na própria linguagem usada tanto pela mídia conservadora quanto por certos setores da esquerda tradicional para se referir à tática black bloc.
Em primeiro lugar, usam um artigo definido e letras maiúsculas para se referir ao objeto, como se “o Black Bloc” fosse uma organização estável, articulada a partir de algum obscuro comando central e que pressupusesse algum tipo de filiação permanente.
Ora, tratar um black bloc desta forma seria o mesmo que tratar uma greve, um piquete ou uma panfletagem como um movimento.
Talvez a melhor forma de começar a desfazer os mal-entendidos sobre os black blocs seja combater a fetichização do termo.
Como chegou ao Brasil por influência da experiência americana, essa tática manteve por aqui seu nome em inglês, mas não é preciso muito esforço para traduzir a expressão.
Por mais redundante e bobo que possa parecer, nunca é demais lembrar que um “black bloc” (assim, com artigo indefinido e em letras minúsculas) é um “bloco negro”, ou seja: um grupo de militantes que optam por se vestir de negro e cobrir o rosto com máscaras da mesma cor para evitar serem identificados e perseguidos pelas forças da repressão.
Fazer isso não significa se filiar a uma determinada organização ou movimento. Da mesma forma que operários que decidem fazer um piquete para impedir a entrada de outros trabalhadores em uma fábrica em greve não deixam de fazer parte de seus respectivos sindicatos para ingressar em uma misteriosa sociedade secreta.
Eles apenas optaram por uma determinada tática de luta. É exatamente o que fazem os militantes que decidem formar um bloco negro (leia-se, “black bloc”) durante uma manifestação.
Não há dúvida de que a opção pelo anonimato e a disposição para o enfrentamento com a polícia são peculiaridades que diferenciam profundamente o bloco negro de outras táticas, mas nem por isso a opção por esse tipo de ação dá margem para confundi-la com um movimento.
Aí entramos em um segundo ponto fundamental para a discussão da tática black bloc: seus métodos. De cara, é preciso esclarecer que os próprios métodos dos black blocs mudaram ao longo do tempo e por isso é fundamental conhecer o contexto histórico, político e social em que nasceu e se desenvolveu essa tática.
A origem
Os primeiros black blocs surgiram na então Alemanha Ocidental, no início dos anos 1980, no seio do movimento autonomista daquele país.
Como o movimento autonomista europeu é muito pouco conhecido no Brasil (para não dizer completamente desconhecido), quem quiser se informar melhor sobre o assunto pode recorrer a um ótimo livro sobre o tema escrito pelo militante e sociólogo americano George Katsiaficas: “The Subversion of Politics – European Autonomous Social Movements and the Decolonization of Everyday Life”, disponível para download no site do autor (http://www.eroseffect.com).
Surgido a partir da experiência da autonomia operária na Itália dos anos 1970, o autonomismo se espalhou pela Europa ao longo das décadas de 1970 e 1980.
Um dos países onde o movimento mais se desenvolveu foi na Alemanha. Fiel ao espírito revolucionário original do marxismo, mas renegando o fetiche pelo poder das burocracias sindicais e partidárias, o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos no seio das próprias sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.
Na Alemanha Ocidental, o movimento autonomista surgiu no fim dos anos 1970, quando grupos começaram a organizar ações diretas contra a construção de usinas nucleares no interior do país por meio da criação de acampamentos nos terrenos onde as centrais seriam erguidas.
O mais famoso deles foi a República Livre de Wendland, um acampamento criado em maio de 1980 na cidade de Gorleben, na região de Wendland, no norte da Alemanha, onde estava prevista a construção de uma usina nuclear.
Enquanto os acampamentos antinucleares surgiam no interior da Alemanha Ocidental, em grandes cidades, como Berlim e Hamburgo, grupos de jovens e excluídos começaram a ocupar imóveis vazios e transformá-los em moradias coletivas e centros sociais autônomos.
Assim nasceram os primeiros squats alemães, inspirados pela experiência de grupos que já faziam isso havia anos na Holanda e na Inglaterra.
A mobilização contra a construção de usinas nucleares no interior e as ocupações urbanas nas grandes cidades se tornaram os dois pilares do movimento autonomista alemão.
Para os envolvidos nesses processos, a criação de espaços autônomos era uma forma de questionamento da ordem capitalista na prática, por meio da criação, no interior da própria sociedade capitalista, de pequenas ilhas onde vigoravam relações sociais opostas às vigentes no entorno dominante.
Obviamente, quando acampamentos e squats começaram a proliferar pelo país, o governo da República Federal Alemã se deu conta de que era preciso cortar pela raiz aquela agitação social.
Em 1980, lançou uma grande ofensiva policial contra acampamentos antinucleares e squats em diferentes partes do país.
A República Livre de Wendland foi desarticulada em junho, e os squats de Berlim sofreram um violento ataque policial em dezembro.
Diante da ofensiva policial, os militantes alemães se organizaram para resistir à repressão e proteger seus espaços de autonomia. Desse esforço nasceu a tática black bloc.
Durante a manifestação de Primeiro de Maio de 1980, em Frankfurt, um grupo de militantes autonomistas desfilou com o corpo e o rosto cobertos de preto, usando capacetes e outros equipamentos de proteção para se defender dos ataques da polícia.
Por causa do visual do grupo, a imprensa alemã o batizou de “Schwarzer Block” (“Bloco Negro”, em alemão).
Desse momento em diante, a presença de blocos negros se tornou um elemento constante nas ações dos autonomistas alemães, e sua função original era a de servir de força de autodefesa contra os ataques policiais às ocupações e outros espaços autônomos.
Um relato em alemão sobre o surgimento dos black blocs pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.trend.infopartisan.net/trd0605/t370605.html.
O caminho para Seattle
Da Alemanha, a tática se difundiu pelo resto da Europa, e, no fim dos anos 1980, chegou aos Estados Unidos, onde o primeiro bloco negro foi organizado em 1988, para protestar contra os esquadrões da morte que o governo americano financiava em El Salvador.
Uma ótima fonte sobre a história dos black blocs nos Estados Unidos é o livro “The Black Bloc Papers”, editado por David Van Deusen e Xavier Massot e disponível para download em http://www.infoshop.org/amp/bgp/BlackBlockPapers2.pdf.
Ao longo dos anos 1990, outros black blocs se organizaram nos Estados Unidos, mas a tática permaneceu praticamente desconhecida do grande público até que um bloco negro se organizou para participar das manifestações contra a OMC em Seattle em novembro de 1999.
Graças à ação desse black bloc, a tática ganhou as páginas dos grandes jornais no mundo inteiro, principalmente porque, a partir de Seattle, os black blocs passaram a realizar ataques seletivos contra símbolos do capitalismo global.
A mudança se explica pelo contexto em que se formou o black bloc de Seattle. A década de 1990 foi a era de ouro das marcas globais, quando os logos das grandes empresas se transformaram na verdadeira língua franca da globalização.
Nesse contexto, o ataque a uma loja do McDonald’s ou da Gap tinha um efeito simbólico importante, de mostrar que aqueles ícones não eram tão poderosos e onipresentes assim, de que por trás da fachada divertida e amigável da publicidade corporativa havia um mundo de exploração e violência materializado naqueles logos.
Ou seja: o black bloc de Seattle inaugurou uma dimensão de violência simbólica que marcaria profundamente a tática a partir de então.
Daquele momento em diante, os black blocs, até então um instrumento basicamente de defesa contra a repressão policial, tornaram-se também uma forma de ataque – mas um ataque simbólico contra os significados ocultos por trás dos símbolos de um capitalismo que se pretendia universal, benevolente e todo-poderoso. Foi nesse contexto que a tática chegou ao Brasil.
Os primeiros black blocs no Brasil
Os acontecimentos de Seattle levaram grupos de militantes brasileiros a se articular em coletivos para construir no país o movimento de resistência mundial à globalização neoliberal. Assim surgiram os núcleos brasileiros da Ação Global dos Povos, uma rede de movimentos sociais surgida em 1998 que criou os Dias de Ação Global, articulações mundiais para organizar protestos simultâneos em várias partes do planeta contra as reuniões das instituições internacionais que sustentavam a globalização neoliberal.
O primeiro Dia de Ação Global que contou com ações no Brasil foi 26 de setembro de 2000, marcado contra a reunião do FMI em Praga. Neste dia, em São Paulo, um grupo de manifestantes atacou o prédio da Bovespa, o que gerou confronto entre policiais e ativistas. Na época, o incidente não ganhou destaque na imprensa e o termo “black bloc” não foi mencionado, mas a lógica da ação desses militantes, em sua maioria ligados ao movimento anarcopunk de São Paulo, seguia a lógica da tática black bloc.
O segundo Dia de Ação Global que contou com atos no Brasil foi 20 de abril de 2001. Em São Paulo, foi organizada uma manifestação na Avenida Paulista como parte dos protestos convocados em todo o mundo contra a Cúpula das Américas, reunião realizada na cidade de Quebec, no Canadá, na qual líderes dos países do continente discutiram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Esta foi a primeira vez que uma manifestação contra a globalização neoliberal realizada no Brasil ganhou as manchetes da imprensa nacional.
Em São Paulo, um grupo entre os manifestantes adotou a mesma tática do black bloc de Seattle, em 1999, e atacou símbolos capitalistas na Avenida Paulista, como uma loja do McDonald´s. Mais uma vez, a imprensa nacional não fez referência ao termo “black bloc”, mas a tática utilizada na Paulista foi claramente a dos blocos negros. O curioso é que a mesma edição de 21 de abril de 2001 da Folha de São Paulo que noticia o protesto na Paulista traz uma matéria do enviado do jornal ao Canadá sobre o “bloco de preto” que atuou em Quebec.
O debate sobre a violência
Mas se nessa época a imprensa brasileira não usava o termo “black bloc” na cobertura dos protestos no país, ele já era bem conhecido da mídia internacional, principalmente da europeia e da norte-americana.
E ganhou ainda mais projeção durante as manifestações contra a reunião do G8 realizada em Gênova, na Itália, em julho de 2001.
O Dia de Ação Global marcado para 20 de julho de 2001 foi a maior mobilização do gênero até então e nesse dia as ruas de Gênova foram tomadas por mais de 300 mil pessoas, entre as quais marchou o maior black bloc organizado até então.
O grau de confronto com a polícia atingiu um novo patamar e um jovem italiano que fazia parte daquele black bloc, chamado Carlo Giuliani, foi morto pela repressão com um tiro na cabeça.
Gênova marcou um divisor de águas para a tática black bloc e para o chamado “movimento antiglobalização” como um todo.
Assim como acontece hoje no Brasil, o debate sobre o uso da violência nas manifestações – mesmo que apenas contra lojas e outros objetos inanimados – criou uma divisão entre ativistas “violentos” e “pacíficos” que contribuiu muito para a desmobilização do movimento como um todo dali para frente.
A semelhança do debate sobre o black bloc na época e agora é impressionante.
Quem quiser conhecer um pouco das discussões e das respostas de adeptos da tática black bloc na época pode encontrar uma boa seleção de textos de ativistas reunidos na coletânea “Urgência das ruas – Black block, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global”, organizada por um anônimo que se identifica como Ned Ludd (referência a um dos líderes do Movimento Ludita na Inglaterra do século XIX) e publicada no Brasil pela editora Conrad.
Com o fim dos grandes protestos contra a globalização neoliberal, o debate sobre os black blocs saiu das manchetes da grande imprensa internacional e brasileira.
A tática continuaria a ser adotada em manifestações na Europa e nos Estados Unidos nos anos seguintes, e militantes libertários no Brasil certamente sabiam muito bem o que eram os black blocs, mas o tema nunca repercutiu fora dos meios militantes.
E assim foi até que começaram as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô convocadas pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013.
As manifestações de junho
Assim como os black blocs, o MPL estava longe de ser uma novidade no Brasil, mas, pela primeira vez, ambos começaram a ganhar um protagonismo inédito conforme as manifestações cresciam.
Até o dia 13 de junho, aquela era uma mobilização muito parecida com as que o MPL vinha organizando desde 2004.
Era um movimento restrito a um núcleo militante que reunia ativistas do próprio MPL, integrantes de partidos e coletivos libertários – alguns dos quais formaram black blocs durante os atos.
A violência policial contra a marcha do dia 13 de junho em São Paulo, no entanto, mudou tudo.
Os ataques contra jornalistas e jovens da classe média e da elite indignaram uma parcela da população normalmente avessa à militância política.
O choque diante da brutalidade da PM de São Paulo e a simpatia por uma causa que se tornou quase uma unanimidade – barrar o aumento das tarifas do transporte público na cidade – “levaram o Facebook para a rua”, para usar a feliz expressão que o jornalista Leonardo Sakamoto usou para definir a marcha de 17 de junho.
De repente, centenas de milhares de brasileiros se deram conta de que podiam, de alguma forma, usar as ruas para expressar sua insatisfação com algum aspecto da política brasileira.
Em um desses raros momentos da história nacional, o cidadão comum percebeu que a política não é propriedade privada dos políticos profissionais, e se deu conta de que ela se faz no dia a dia, na rua, em vários lugares. De vez em quando, até no Congresso.
As manifestações de 17 de junho abriram a caixa de Pandora, e gente de absolutamente todas as tendências políticas foi para a rua. Por um breve momento, a elite mais reacionária marchou ao lado do militante mais revolucionário. Mas em algum momento a contradição teria de aparecer.
As contradições de junho
A partir de agora, minhas observações se restringem ao que aconteceu na cidade de São Paulo, pois foi o único lugar onde acompanhei as manifestações in loco, e não acho que os movimentos nas várias partes do Brasil possam ser analisados sob uma única perspectiva.
Em cada cidade ou região teve especificidades que não sou capaz de avaliar.
Quem esteve na Paulista no dia 18 de junho já podia farejar, de certa forma, o que aconteceria no dia 20.
Aquilo era a Revolução Francesa. As reivindicações mais contraditórias conviviam nos cartazes empunhados por grupos sociais muito diferentes entre si, muitos deles antagônicos.
O pessoal das bandeiras verde-amarelas e dos slogans moralistas era claramente uma elite que tinha pouco ou nada a ver com os anarquistas e trotskistas que circulavam com palavras de ordem anticapitalistas.
A direita, a extrema-direita e a extrema-esquerda já estavam ali. Faltava a esquerda moderada, dos partidos no poder. E, quando ela apareceu, a bomba-relógio explodiu.
Pode-se acusar o PT de muitas coisas por ter convocado sua militância a ir para a Paulista no dia 20 de junho, mas uma coisa é certa: aqueles militantes tinham todo o direito de estar lá.
O problema é: vai explicar isso para a elite raivosa que, estimulada pelas mobilizações, passou a expor em praça pública seu ódio pelo PT…
Olhando em retrospecto, o ataque fascista aos militantes partidários no dia 20 de junho parece um desdobramento natural do que vinha acontecendo: com a revogação do aumento das tarifas, a única bandeira que unificava aquela multidão de opostos deixou de existir.
Sem o elemento unificador, apareceram as profundas contradições que já existiam entre os inúmeros grupos que saíram às ruas.
A elite queria a cabeça do governo do PT, a extrema-esquerda queria a revolução social, e, espremida entre os dois extremos, sobrou para a esquerda moderada o papel de defender o status quo, sobrou para a esquerda moderada a posição conservadora – no mais literal sentido da palavra.
Os meses seguintes só vieram confirmar a tendência que apareceu pela primeira vez no 20 de junho em São Paulo.
A grande mobilização que prometia unificar todos os setores da esquerda para responder ao ataque fascista virou um ato dominado pelas centrais sindicais e seus militantes profissionais, no dia 11 de julho, que foi incapaz de atrair o cidadão comum que saíra às ruas em junho.
As convocatórias da direita contra a corrupção se tornaram pequenos atos isolados, dissipando o medo de alguns militantes da esquerda de que as manifestações de junho pudessem abrir caminho para uma escalada fascista.
Por fim, a extrema-esquerda se deu conta de que o mar humano que saiu às ruas em junho não era tão anticapitalista assim, e passou a organizar também seus atos isolados.
Essas três tendências ficaram claras nas manifestações do 7 de setembro em São Paulo.
Pela manhã, marcharam os movimentos sociais ligados à esquerda moderada, que, em sua maioria, continuam defendendo o governo do PT.
À tarde, duas convocatórias distintas dividiram o vão livre do Masp: de um lado, um grupo formado pela elite de direita e extrema-direita, que era, supostamente, contra todos os partidos, mas que destilava seu ódio de classe contra o PT; do outro, um black bloc que também se dizia contra todos os partidos, mas que mirava prioritariamente no governo Alckmin, do PSDB.
Os black blocs no Brasil de hoje
Isso nos traz de volta ao nosso tema central: os black blocs.
Aqui é preciso abrir um pequeno parêntese para falar do Rio de Janeiro, pois este foi o único lugar em que os protestos de fato continuaram com força depois da revogação do aumento das passagens.
Acontece que, além da tarifa, lá havia outra bandeira que unificava o movimento: a oposição ao governador Sérgio Cabral.
E talvez seja por isso mesmo que lá os black blocs tenham se tornado mais fortes e atuado de forma mais coerente.
Vale lembrar que o movimento contra Sérgio Cabral girou em torno de uma ocupação urbana – o acampamento montado em frente à residência do governador – e, não por acaso, os black blocs cariocas desempenharam um importante papel de autodefesa do movimento contra a repressão policial.
Ou seja: justamente no momento em que caiu na boca do povo no Brasil, a tática black bloc estava voltando às origens, atuando como uma organização popular de defesa dos movimentos sociais.
Na minha opinião, a situação no Rio ajuda a explicar porque em São Paulo os black blocs nunca chegaram a contar com o apoio que tiveram na capital fluminense.
Em São Paulo, a partir do fim de julho os black blocs se formaram como uma força isolada, inicialmente em solidariedade aos cariocas, e depois lançando uma campanha contra o governador paulista, Geraldo Alckmin.
Ao se voltar contra Alckmin, os black blocs paulistas poderiam se articular com a esquerda moderada, por terem um inimigo comum, mas a incompreensão mútua impossibilitou a aproximação.
E aqui chegamos ao x da questão: a desconfiança mútua entre duas culturas militantes distintas, mas que compartilham muitos objetivos, está acabando com as possibilidades de aproveitar a incrível energia social gerada pelas manifestações de junho para construir novos espaços de debate e mobilização que poderiam abrir perspectivas inéditas de ação política no Brasil.
Não se trata aqui de querer apagar as diferenças entre a cultura de militância partidária – baseada na hierarquia, na centralização e na estabilidade – e a cultura libertária que está na base da tática black bloc – horizontal, descentralizada e instável – mas de propor que, apesar de suas diferenças, estes dois setores podem trabalhar juntos em prol de causas que os unem.
Por uma assembleia das ruas
O ponto de partida para essa aproximação é o diálogo aberto entre as partes, reconhecendo as diferenças e os equívocos de parte a parte, mas buscando achar formas de cooperação que respeitem as especificidades de cada um.
Os momentos em que os black blocs foram mais fortes foram justamente aqueles em que atuaram no seio de movimentos mais amplos, que englobavam grupos com táticas muito diferentes, todos lutando por causas comuns.
E esta é, na minha opinião, uma das fraquezas dos black blocs hoje (pelo menos em São Paulo): uma certa fetichização da tática, tomando a formação de blocos negros como um fim em si mesmo.
Olhando para a história dos black blocs, me parece que os melhores momentos dessa tática foram quando ela serviu de instrumento para um movimento mais amplo.
E esses momentos foram marcados por avaliações de que tipo de ações serviam mais aos fins buscados.
Por exemplo: a condenação, a priori, da destruição de propriedade privada corporativa me parece absurda por parte de qualquer um que sonhe com uma sociedade mais igualitária.
No entanto, cabe questionar, sim, se essa tática é a mais acertada em um determinado momento da luta.
O ataque contra símbolos das grandes corporações globais promovido pelo black bloc de Seattle fazia todo sentido no seio de um grande movimento que desafiava, justamente, o poder dessas grandes corporações.
Mas será que o simples ataque a agências bancárias e concessionárias de carros de luxo faz sentido em mobilizações que não passam de algumas centenas de pessoas sem uma bandeira clara, em uma São Paulo cuja população tende a repudiar esse tipo de ação? Para que serve essa ação?
Os black blocs têm força social suficiente para sustentar uma mobilização sem buscar apoio de outros setores? Na minha opinião, a resposta para todas essas perguntas, hoje, é “não”.
Por outro lado, as organizações tradicionais da esquerda, como partidos e sindicatos, claramente não estão conseguindo se sintonizar com as pessoas que saíram às ruas em junho justamente por insistirem em restringir suas mobilizações aos seus próprios quadros, olhando com desconfiança para qualquer um que não seja filiado a uma organização formal.
Ao fazerem isso, reproduzem no nível da rua a mesma lógica de quem está no poder: a ideia de que a política é um assunto para iniciados e especialistas, da qual só podem participar aqueles devidamente credenciados por organizações estabelecidas, sejam elas partidos, sindicatos ou movimentos sociais.
Ora, foi justamente isso que levou as pessoas às ruas em junho: a revolta contra o distanciamento entre aqueles que formulam a política e aqueles que apenas sofrem suas consequências.
Os gritos histéricos de “sem partido” podiam ter uma conotação fascista em alguns casos, mas eles também expressavam esse mal-estar profundo de uma política que se vê como cada vez mais autônoma do resto da população.
O grito de junho foi, acima de tudo, um grito contra o autismo da política institucional no Brasil – e nesse autismo se incluem absolutamente todos os partidos com alguma representação parlamentar (com exceção, talvez, do PSOL, cujos militantes estavam nas ruas desde o começo).
Foi um grito contra o abismo que existe entre a política institucional e o cidadão comum, criado por políticos profissionais (de todos os partidos) que colocam o jogo da politicagem acima da defesa de bandeiras concretas de interesse da população.
Nesse sentido, mesmo o combate à corrupção, que em geral tem um viés claramente conservador, se torna parte de uma crítica mais ampla a um sistema representativo que, cada vez mais, é ditado apenas pelos interesses dos representantes, e não dos representados.
Ao insistir em mobilizações restritas aos iniciados, as organizações tradicionais da esquerda reproduzem a barreira que afasta o cidadão comum da política, e por isso são hostilizadas por aqueles que se sentem excluídos da política.
Os black blocs, por outro lado, oferecem justamente o contrário: a possibilidade de qualquer cidadão participar da mobilização política sem necessidade de filiação prévia.
Enquanto partidos e sindicatos são vistos como uma porta fechada para os não iniciados, os black blocs são vistos como uma porta aberta para a política.
Disso decorre, em grande parte, a atração que vem exercendo sobre muitos jovens que estão saindo às ruas pela primeira vez na vida.
Muitas vezes essa distinção leva alguns a se apegarem a um fetiche que opõe “velhas” e “novas” formas de organização, como se fossem irreconciliáveis.
A pergunta mais importante hoje, na minha opinião, é: seria possível romper com essa visão binária e criar espaços onde as diferentes lógicas pudessem dialogar?
Acredito sinceramente que sim. Até porque isso já aconteceu no passado.
Em Gênova, por exemplo, o black bloc optou por marchar ao lado dos Comitês de Base (Cobas) dos sindicatos italianos; na Alemanha, os black blocs muitas vezes marcharam ao lado dos sindicados no Primeiro de Maio; e, aqui mesmo no Brasil, lembro perfeitamente de militantes do PSTU que participavam das reuniões da Ação Global dos Povos para a organização dos atos em São Paulo.
Ou seja: o que nos falta são espaços de articulação que abram espaço para o diálogo entre culturas militantes distintas, mas que compartilham certos objetivos.
O que nos falta é um fórum de lutas, uma assembleia das ruas.
Um espaço assim, que não fosse controlado por nenhuma organização, mas que estivesse aberto aos militantes de qualquer organização e a quem não é filiado a nenhuma delas, poderia servir de convite à participação dos não iniciados e agregar a experiência dos iniciados, abrindo a possibilidade de diminuir a desconfiança mútua e abrir caminho para uma cooperação entre grupos que adotam táticas distintas, mas que podem ser complementares.
Outra condição fundamental para que um espaço assim pudesse florescer é que não se pautasse pela lógica eleitoral.
Uma das razões do desgaste da política institucional no Brasil (e em várias outras partes do mundo) é a necessidade de reduzir todas as discussões ao calendário eleitoral.
Uma verdadeira assembleia das ruas seria um espaço de discussão e formulação de um projeto popular para a cidade, para o estado e para o país, que articulasse seus integrantes em torno de bandeiras comuns, mas que não se colocasse a serviço de campanhas eleitorais de A,B ou C.
Um espaço que pudesse se tornar um poder constituinte da multidão, definindo o que o povo quer do seu governo. Caberia ao governo de turno, a partir daí, lidar com essas demandas.
Os zapatistas, no México, já nos forneceram um modelo desse tipo de organização ao lançarem, em 2006, sua “Outra campanha”, uma mobilização nacional que pretendia ir além do calendário eleitoral e formular um verdadeiro projeto popular independente das ambições dos partidos da ordem.
É claro que em um espaço como esse a participação de militantes partidários e sindicais seria mais do que bem vinda, mas sempre como indivíduos, e não como representantes de suas organizações, o que exigiria daqueles mais acostumados com as formas tradicionais de militância um esforço para abrir mão da ambição de ditar a linha política a ser seguida por todos os participantes dessa articulação.
Por outro lado, exigiria dos adeptos da tática black bloc um esforço para coordenar suas ações com as dos demais grupos, muitas vezes se abstendo de realizar ataques ao patrimônio público e privado quando esse tipo de ação puder comprometer outros grupos que adotam táticas distintas.
Acredito, sinceramente, que a criação de um espaço plural como este poderia diminuir o fosso entre a “velha” e a “nova” esquerda e abrir novas e estimulantes perspectivas para a luta popular no Brasil.
Mas, para isso, seria preciso um exercício de compreensão mútua que fosse além dos preconceitos e buscasse aprender a respeitar a diferença e a diversidade, vendo nela não uma fraqueza, mas uma força do movimento.
*Bruno Fiuza é jornalista, historiador e mestrando em História Econômica na Universidade de São Paulo

Fonte: http://www.viomundo.com.br